15.7.14

Blackout - Capitulo 23


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UMA VEZ que Joe desapareceu pelas portas duplas, Demi correu para a saída. Ela foi no encalço de dois paramédicos que empurravam uma maca vazia porta afora. O calor estava ainda pior, depois de sair do ar-condicionado. Ela foi de fresquinha para grudenta e suada em dois segundos.

Tentou ignorar as mechas de cabelo que escaparam do rabo de cavalo e grudavam no pescoço, e pegou o celular. Usar o celular na área de emergência do hospital era proibido. Demi bufou. Queria fazer aquela ligação tanto quanto abrir um buraco na cabeça. Duplamente não.

Usou a tecla de discagem rápida.

Ele atendeu no segundo toque:

– Demi?

Ela entrou no assunto sem preâmbulos:

– Estamos no hospital City North. A mãe de Joe enfartou. Você precisa chegar aqui o mais depressa possível. – Ela caminhava na calçada, passando por um casal que dividia um banco e um cigarro.

– Mas estou trancado na galeria – protestou Wilmer.

– Então destranque-se. Não ouviu o que acabei de dizer? A mãe de Joe teve um infarto. Ele precisa de você. Aqui. Agora!

– Eu não sei se…

Wilmer esgotava sua paciência.

– Eu sei. Sei que seu melhor amigo no mundo precisa de você agora mais do que jamais precisou. E se for necessário, arranque a maldita porta das dobradiças! Venha para cá imediatamente!

Uma ambulância com as luzes piscando, porém com a sirene silenciosa, encostou perto das portas.

– Não me faça ir aí buscar você, Wilmer.

– Demi…

– Wilmer, não estou brincando. Se precisar, eu irei até aí e vou arrastá-lo para cá.

– Espere um segundo.

A porta traseira da ambulância se abriu, e os paramédicos tiraram a maca com uma mulher hispânica muito grávida. Muito grávida. Muito angustiada. Agora havia algo pelo qual agradecer: o fato de ela não ser aquela mulher.

Uma conversa abafada veio da linha telefônica, e então Wilmer retornou:

– Richard irá comigo – disse ele, o desafio gritando em sua voz.

Tanto faz.

– Não me importo se você trouxer toda a coligação do arco-íris junto, apenas venha para cá.

– Mas não há táxis na rua, e o metrô está desativado.

– Wilmer, você é um nova-iorquino, pelo amor de Deus. Venha andando.

– Seja razoável, Demi, estou usando meus sapatos Bruno Ms.

Se mais um homem dissesse a ela para ser razoável essa noite… Demi mal continha o temperamento.

Ela não se tornava a pessoa mais paciente depois de apenas uma hora de sono.

– Wilmer, eu sei o quanto você gosta desses sapatos e vou pagar pessoalmente pela troca de solado deles. Agora me ouça, e ouça direitinho. Finja que você não é o centro do universo. Finja que se importa tanto com seu amigo quanto se importa com esses malditos sapatos. Você colocou Joe em uma situação para lá de difícil esta noite, e ele lhe deu cobertura. Eu não me importo se tem que vir rastejando, mas venha para cá. Você tem uma hora para aparecer. Eu juro, se você não vier, irei transformar sua vida em um inferno.

– Tudo bem. Estou a caminho.

A petulância dele não o tornou mais estimado. – E, Wilmer…

– Sim?

– Não reclame dos sapatos quando chegar aqui. – Ela desligou, certa de que Wilmer iria aparecer em menos de uma hora.

Importuná-lo para vir por Joe não fora tão eficiente quanto lhe prometer uma vida de infortúnios se ele não aparecesse. E Wilmer sabia que ela cumpriria a ameaça.

Demi voltou para o mar de gente enfileirada no pronto-socorro e entrou no banheiro. Odiava banheiros públicos. Torceu o nariz diante do cheiro de antisséptico. Devia ser um requisito para hospitais usar um limpador com odor tão enjoativo. Por que a vontade de fazer xixi sempre atacava nos momentos mais inoportunos?

Ela fez o que tinha que fazer e parou diante da pia para lavar as mãos. Com certeza estava assustadora. Sem maquiagem. Suada. Cabelo desgrenhado, oleoso. Olheiras por ter dormido pouco. Sem dúvida assustaria criancinhas.

Jogou água gelada no rosto e arrumou o cabelo do melhor jeito possível, mas ainda não estava digna de vencer nenhum concurso de beleza essa noite.

Saiu do banheiro e começou a circular pelo labirinto de corredores que levavam aos elevadores.

O hospital City North era limpo, e ostentava uma reputação por cuidados excelentes, porém era um dos hospitais mais antigos da cidade, e seus elevadores eram lentos. Por fim, ela chegou ao quarto andar, um corredor relativamente silencioso que não fazia parte da Unidade de Terapia Intensiva… Um bom sinal para a mãe de Joe; isso demonstrava que ela estava bem o suficiente para se garantir num quarto comum.

Duas enfermeiras sentadas se mantinham absortas em uma conversa atrás do balcão. Demi seguiu a placa que indicava o lado do número do quarto que haviam informado no andar de baixo.

As solas de borracha guinchavam no piso imaculado à medida que ela caminhava pelo corredor.

Um homem de aparência distinta que carregava uma semelhança impressionante com Joe se achava em frente à porta. Um pouco mais alto que Joe, cabelo grisalho, cavanhaque aparado, calça cáqui, uma camisa de botões de mangas curtas e sandálias cartago grossas.

O fato de ele ser distinto não a impressionava. O pai dela e seus colegas eram todos distintos, e isso não os tornava seres humanos menos ou mais decentes que os outros.

Demi respirou fundo. Precisava se livrar da sua antipatia por eles. Não seria benéfico para ninguém. Aquilo não tinha a ver com ela. Estava ali para apoiar Joe, não para se misturar aos pais dele.

Aquele homem não fora exatamente o pai do ano para Joe, mas ainda era o pai dele. E Joe, apesar de sua história e das deficiências óbvias deles como pais – definitivamente, essa era só a opinião dela –, se importava com eles.

Eram os pais dele, independentemente do fato de Joe merecer pais melhores. É claro, Joe também poderia ter um amigo melhor que Wilmer, que precisava de intimidação para ir até ele. Joe era doce, terno, e um dos melhores homens que Demi já conhecera, e merecia o melhor que a vida tinha a oferecer.

O homem olhou para cima quando ela se aproximou, e a encarou.

– Sr. Jonas?

Ele fez que sim.

– Sou Demi Lovato, uma amiga de Joe. – Ela estendeu a mão.

Depois de um instante de hesitação, ele a apertou.

– Muito bem. Muito bem. Paul Jonas.

– Como está a dra. Miller?

Ele passou a mão fatigada pelo rosto.

– Estável. Denise descansa confortavelmente, agora que Joe está aqui.

O cansaço evidente dele dissipou um pouco da animosidade fomentada. Bom pai ou mau pai, ali estava um homem preocupado com a mulher que amava.

– Joe correu quase nove quilômetros para chegar aqui. – Tawny achava que ele deveria saber.

Paul pareceu surpreso.

– Ele correu?

– Sim. Correu. De botas. Não havia táxis, e eu não tenho carro. Joe estava morrendo de preocupação. – Ela achou melhor não contar a história de terem sido interceptados pela polícia.

Joe realmente podia aprender uma lição ou duas sobre diplomacia. Demi tivera tanta certeza de que ele se achava prestes a ofender aquele policial, e o único lugar para onde tal atitude os levaria seria a cadeia. O único lugar pior que o apartamento dela durante um apagão.

– Ah… Joe não mencionou isso.

Paul Jonas lhe parecia um acadêmico imerso em outras épocas e lugares, e que não investia muito no aqui e agora.

– Não. Ele não mencionou, não é? – respondeu ela.

– Não, e não acho que me contaria isso. Sempre foi um pouco solitário, nosso menino. E um pouco distante.

Demi deu um jeito de não ficar boquiaberta, e mordeu a língua para evitar falar besteiras sobre o roto falando do esfarrapado e sobre a maçã não cair muito longe da árvore. Em vez disso, contentou-se em dizer:

– Vocês só precisam se esforçar um pouco para conhecê-lo. Joe sem dúvida vale o esforço.

Paul olhou para ela como se Demi tivesse acabado de contestar uma nova hipótese científica, mas não fez comentários.

– Então… Foi mesmo um infarto? – Ela quis saber.

– Sim. Denise acordou com dores no peito por volta da meia noite. Ela é uma das mulheres mais sensíveis que conheço, mas não sabia se era o calor, indigestão ou um infarto. Em vez de ignorar, Denise me disse para trazê-la ao hospital. Disse que era preferível ficar constrangida caso fosse uma indigestão do que morta se não fosse. Uma mulher muito sensível.

– Tenho acompanhado as estatísticas. Um número assustador de mulheres morre desnecessariamente todos os anos de infarto porque esperam tempo demais para buscar tratamento, ou ignoram os sintomas – disse Demi.

Pelo visto Paul Jonas não era tão distinto como parecia. Lágrimas inundaram seus olhos. Ótimo, Demi. Faça-o chorar lembrando-o do quão perto sua esposa esteve de morrer. Ela deu tapinhas no braço dele, um tanto desajeitada.

– Estou feliz porque ela está bem agora.

Paul assentiu.

– Tem alguma coisa no meu olho. Sim, é claro. Que bom que ela é uma mulher tão sensível. Vamos entrar para que Denise possa conhecê-la.

Demi achava que, já que havia aberto sua boca grande falando em morte, só precisava se assegurar de que a esposa dele estava bem de fato.

– Vou esperar aqui até Joe terminar a visita, sr. Jonas.

– Bobagem. Joe vai querer saber que você está aqui, e tenho certeza de que Denise adorará conhecê-la.

Sem querer causar confusão, o que não parecia a coisa certa a se fazer, Demi não tinha muita escolha senão permitir que Paul a conduzisse até o quarto.

Em uma olhadela breve, Demi captou a situação. Joe estava à direita da cama hospitalar, parecendo terrivelmente desconfortável e constrangido. Ela olhou para Denise.

Preparara-se mentalmente para uma criatura repulsiva, por isso estava bem surpresa agora… A mulher na cama parecia normal, muito embora estivesse conectada ao equipamento de telemetria. Cabelo escuro com reflexos grisalhos num corte chanel na altura do queixo emolduravam um rosto anguloso, lívido, e os olhos eram da mesma cor e do exato formato dos de Joe.

– De, esta é Demi Lovato. – Paul fez uma pausa significativa e então continuou: – Ela está aqui com Joe.

Sem pensar, Demi seguiu para ficar ao lado de Joe e segurou-lhe a mão, mais para benefício próprio do que dele. Não sabia por que estava sofrendo uma súbita crise de nervos.

– Fico tão contente por conhecê-la. – O nítido sotaque britânico de Denise era muito mais acentuado que o do marido.

– É um prazer conhecer você também… – Demi fez uma pausa para sorrir. – Muito embora eu desejasse que fosse em circunstâncias melhores. – Encolheu-se, tímida. Sua fala sulista veio tão espessa quanto melaço em contraste ao tom contido de Denise. – Como se sente?

– Estou bem. Uma pequena falha no sistema, mas ficarei bem. – Ela olhou de Demi para Joe, e então para Demi outra vez.

Paul sorriu para a esposa. A ternura entre os dois quase deixava Demi sem fôlego. Paul assentiu.

– Viu só? É assim mesmo.

– É assim mesmo o quê? – perguntou Joe.

Ninguém respondeu para ele. Demi também não fazia ideia do que Paul quis dizer. Era como se Paul e Denise compartilhassem um idioma próprio.

– Ah, maravilha… – Denise sorriu para Demi de seu travesseiro. – Joe nunca trouxe uma garota em casa para nos conhecer.

Em casa para conhecê-los? Notícia de última hora: eles não estavam sentados em uma sala de estar bebericando chá e mordiscando bolinhos. E entenderam completamente errado a relação entre Demi e Joe. Diabos, ela e Joe não tinham um relacionamento.

Falando em interpretar mal… Demi tentou largar a mão dele.

– Mas…

Em vez de soltá-la, Joe apertou-lhe os dedos e olhou para o monitor bipando ao lado da cama da mãe. Tudo bem, então. No momento eles tinham um relacionamento. E seria o que quer que a mãe dele quisesse que fosse.

Demi sorriu para a mulher acamada, esperando que seu sorriso não estivesse tão fraco como se sentia por dentro.

– Sim… bem, eu queria ter conhecido vocês dois em circunstâncias diferentes.

– Não, querida.

Aquilo estava indo depressa… Demi já era querida.

– Isto é maravilhoso. – Denise baixou a voz e assumiu um tom de confidência: – Paul e eu estávamos começando a ficar preocupados que nosso filho pudesse ser meio frutinha. Você sabe… gay. – confessou ela com certo preconceito.

A família dele tinha sérios problemas de comunicação.

Joe emitiu um som de quem engolia em seco, e suas orelhas adquiriram um tom vermelho-vivo.

– Mãe…

– Ele definitivamente não é – afirmou Demi sem pensar.

Ai, droga. Não devia ter dito aquilo com tanta ênfase. Não para os pais dele. Ela, Demetria Devonne Lovato, iria selar os lábios até que eles saíssem dali. Não ia dizer mais nem uma palavra.

Longe de ficarem ofendidos, os pais de Joe pareceram satisfeitos com a efusividade dela. Paul piscou para Denise.

– Viu só? É isso mesmo.

Demi olhou para Joe. Enxergou a bondade e integridade nos olhos castanhos, o tom cativante de vermelho ainda queimando suas orelhas.

Entrelaçou os dedos nos dele, o agarrar dele firme e seguro.

O coração dela deu uma cambalhota estranha quando Demi percebeu que era, de fato, assim mesmo.

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4 comentários:

  1. Posta+, por favor, achei a coisa mais fofa a Demi conhecendo os pais do Joe! bjos

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  2. Awnt que lindo esse capítulo!!! Demi deveria bater no Wilmer por ele levar o cara com quem ele traiu ela! Que cara de pau!
    Posta mais :)
    Fabíola Barboza :*

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  3. Tomara que ela esfregue na cara do wilmer que ele não vai fazer falta. Joe é muito melhor que ele. Posta mais!!! Posta logo!!!!

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