28.11.16

Um Amor em Meus Braços - Capitulo 2


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 Uma nova enfermeira chegara para o serviço. Ela sorriu e moveu a cabeça na direção de Demi, indicando a seu paciente que ele tinha uma visita noturna.

Ao se aproximar da cama dele, Demi viu que ele estava melhor. O tubo de oxigênio fora retirado. Ele já estava mais corado que na noite anterior, e o leve guincho em seu peito não parecia tão perceptível.

Ainda tremendo pela ocorrência na cozinha, ela puxou uma cadeira para perto dele e pôs a mão em seu braço, desejando que o coração parasse de dardejar contra o peito.

Empregado do duc ou não, o estranho havia passado dos limites com seu comportamento primitivo. Lidar com uma mulher daquele jeito era motivo para ser demitido, e se dependesse de Demi, para algo muito pior.

Para não deixar Geoff preocupado, ela descobriria o que pudesse sobre o homem por meio de Henri. Ele saberia o que deveria ser feito e seria discreto ao lidar com a situação para que ela não fosse mais importunada.

— Geoff? Sou eu, Demi.

Os olhos dele se abriram. Estavam mais vividos que antes. Ele estava mesmo melhorando. Nada a teria deixado mais feliz.

— Você parece sem fôlego, ma chérie.

Naquelas circunstâncias, uma mentirinha seria inofensiva.

— Acabei de voltar ao Château e queria vê-lo primeiro.

— Estou feliz por você estar aqui. — Ele deu tapinhas na mão dela. — Tenho uma notícia maravilhosa.

— O médico lhe disse que está finalmente melhorando? — ela interrompeu,

— É verdade que estou me sentindo melhor, mas não é isso. Meu filho voltou de vez para casa. Não pude falar antes sobre ele e o trabalho que fazia, porque era confidencial. Mas agora posso dizer, Nos últimos dez anos, ele serviu em várias regiões do mundo, como parte de nossa força militar de elite.

Um leve soluço escapou da garganta dela. Com aquelas palavras, Demi percebeu que já conhecera o filho. Não era de admirar que ele tivesse aparecido na cozinha como se fosse dono do lugar. E aquilo explicava a presença dele na floresta,

A força de elite da França não era ainda mais letal que as forças especiais?

No momento em que ele surgira tão silenciosamente dos pinheiros, ela percebera a diferença nele. Agora, tinha provas de que ele era ainda mais bem-treinado e mais perigoso do que ela imaginara.

Seu comportamento mal-educado na cozinha parecia ter sido resultado de tempo demais fazendo coisas indescritíveis.

— Mais cedo, enquanto estava me perguntando quando o veria novamente e, com sorte, inteiro, ele apareceu no meu quarto e me disse que tinha realizado seu último serviço pelo país. Terminou. Grace à Dieu. Agora, ele e Corinne podem se casar.

— Corinne?

— A filha de minha segunda esposa.

Demi piscou. Ela supunha que alguns irmãos adotivos se casassem, mas não conseguia imaginar.

— Corinne o quer desde o início. Agora que ele está fora do serviço, vou ter os netos que sempre quis. Ela chegará de sua última viagem nos próximos dias.

O casamento seria capaz de domar um homem tão fora de controle como o filho dele? Demi duvidava.

— Estou tão feliz por você — ela disse antes de se levantar, incapaz de ficar sentada calmamente enquanto absorvia todas as revelações daquela noite. Se Geoff tivesse visto seu único filho beijando Demi loucamente, contra a vontade dela, ficaria horrorizado.

— Quero que vocês se conheçam.

— Já nos conhecemos, papa — disse uma voz irritada que só poderia ter saído de um homem. Ele acabara de entrar no quarto. Demi tentou abafar o grito de surpresa. — Eu a encontrei perto do lac.

— Então, provavelmente sabe o quanto esta pobre criança sofreu, Joe.

Joe era o nome verdadeiro dele? Lancelot Du Lac?

— Não conversamos muito — Demi interrompeu, sem querer pensar no que acontecera durante os dois encontros particulares. Pior ainda, não queria magoar Geoff. Como qualquer pai, ele tinha grandes esperanças para o futuro do filho. Demi não queria fazer nada que pudesse lhe trazer tristeza.

— É claro que ele está ansioso para passar um tempo com você. Como vocês têm muito a pôr em dia, vou apenas desejar boa noite, e o visitarei amanhã.

— Promete?

— Claro. Continue melhorando.

Ela apertou o braço dele e foi embora rapidamente, sentindo sobre suas costas um par de acusadores olhos azuis. Enquanto ela se dirigia para a porta, eles pareciam dizer: "Pode continuar fugindo de mim, mas sei o que está tramando. Comporte-se, ou eu a expulsarei,"

Quando Demi chegou à segurança de seu quarto, já tinha decidido que aquela seria a última noite que passaria no château.

Não por causa do injusto tratamento que Joe Du Lac lhe dispensara. Nem por causa de suas falsas presunções de que ela planejava algo relacionado ao pai dele. Um homem extraordinário como o duc provavelmente atraía o interesse de várias mulheres. Um ou outro tipo inescrupuloso poderia até estar atrás do dinheiro e do título de nobreza dele. Naturalmente, o filho seria seu protetor. Mas não era por causa disso.

A necessidade de ir embora se devia à culpa.

Ela tirou a mala do guarda-roupa e começou a arrumá-la. De manhã, passaria pelo quarto de Geoff para agradecer por tudo e se despedir. Seria melhor assim.

O fato de ter ficado fisicamente ciente de seu filho amargurado com o mundo, um homem cínico, marcado, tanto no sentido físico quanto no figurativo, por experiências das quais ela não queria saber, um homem que escolhera viver a vida no limite e provavelmente deixara um rastro de mulheres apaixonadas ao redor do mundo antes de voltar para se casar... Aquilo parecia uma traição à memória de Richard.

Mal fazia três meses que ele se fora e, ainda assim, por duas vezes naquela noite, ela percebeu que se sentia atraída, contra a própria vontade, por um estranho que não lhe demonstrara nada além de um comportamento primitivo.

Ainda podia sentir as mãos dele em seu corpo, a boca devorando a sua. Tudo uma violação, apesar de ela não poder dizer que ele a machucara. Fora a tórrida surpresa de suas ações que a pegara desprevenida.

E, claro, a reação involuntária dela ao apelo másculo dele... Aquela era a parte imperdoável,

Quando conhecera seu marido, de cabelos louro-escuros, ela trabalhava em um estúdio fotográfico. Achara lisonjeador que um professor universitário se interessasse pelas sugestões artísticas dela para o livro que ele estava escrevendo.

Ele permitira que ela entrasse em seu mundo. Ela fora uma boa ouvinte, ávida para auxiliá-lo da maneira que pudesse. Sem ter formação universitária, Demi o pusera em um pedestal, admirando o poeta dentro dele. A associação deles os levara ao casamento. Ele fora um amante gentil.

Para preencher o vazio deixado por sua morte, ela voltara à França para terminar a arte para o último livro dele. Só pensava em trabalho. Então, o que poderia explicar aquela reação a um hostil ex-militar, a antítese de Richard?

Talvez fosse alguma loucura do tratamento hormonal a que estava submetida.

E se os clichês a respeito das necessidades de uma viúva fossem verdadeiros? Se fossem, que vergonha... Que horror!

*******
A ponta da bota de Joe tocou no pé da cadeira que Demi Fallon acabara de deixar, em sua pressa para evitá-lo. A culpa por ter sido descoberta estava à mostra em cada movimento e expressão do corpo dela.

Um belo corpo, e um rosto que combinava, ele reconheceu com uma rancorosa honestidade.

Não havia nada de errado com a visão do pai, apenas a ausência de um bom julgamento das mulheres. Não se podia confiar nelas.

Ele empurrou a cadeira para mais perto da cama antes de sentar ao lado do pai.

— Fale sobre o sofrimento de sua hóspede, papa — ele pediu sem rodeios.

O pai lhe dirigiu um olhar amoroso.

— Quando você voltou daquela viagem rápida, na Páscoa, por acaso conheceu o professor americano que estava trabalhando na minha biblioteca?

Os pensamentos de Joe retornaram àquelas poucas horas em que ele se permitira fugir para casa para ver como estava o pai sem que ninguém soubesse.

— Henri mencionou que havia um visitante. Lembro-me de tê-lo visto de relance, mas confesso que não prestei muita atenção.

Depois de outro acesso de tosse, o pai dele continuou.

— O dr. Fallon ensinava literatura medieval na Yale University, em Connecticut, e veio para a Bretanha no recesso de Páscoa para pesquisar. Ele e sua esposa Demi estavam hospedados no Hotel Excalibur.

A mulher de cuja sedutora boca ele ainda sentia o sabor nos lábios era esposa de alguém? Joe não a vira usando aliança.

— Maurice me ligou e perguntou se eu não poderia permitir que os hóspedes de seu hotel examinassem alguns manuscritos da coleção de nossa família. O dr. Fallon já havia publicado livros e era um renomado perito na lenda arturiana.

— Então, claro, você disse sim — Joe interrompeu, com um sorriso que não era refletido em seu olhar. A notícia de que seu pai estava envolvido com uma mulher casada fez seu estômago revirar por uma série de motivos críticos.

— Como eu poderia recusar quando soube que ele estava escrevendo um livro chamado O Lancelot Du Lac definitivo?

Joe já ouvira tudo aquilo antes. Todos os aspirantes a escritor tentavam escrever um livro definitivo sobre o famoso cavaleiro.

— Cerca de um mês depois de eles terem voltado para os Estados Unidos, Demi me enviou um comunicado dizendo que ao saírem do avião o marido havia morrido subitamente de um coágulo de sangue no cérebro.

O quê?

— Ela me agradeceu por tê-los deixado vir ao château ver a biblioteca. O marido dissera que fora o ponto alto da viagem. Naturalmente, fiquei triste por ela, e mandei flores. Disse que se ela quisesse fazer uma visita ao château, seria bem-vinda.

"Para minha felicidade, ela respondeu há duas semanas e perguntou se poderia vir tirar fotos da floresta. Queria incluir algumas imagens extras no livro que o marido havia escrito."

"Preciso lhe dizer, Joe, se eu pudesse ter uma filha, iria querer uma exatamente como Demi."

Uma filha...

A mente de Joe teve que inverter completamente a linha de pensamento. De repente, certas coisas pareceram claras, como o pai permitindo que ela ficasse no quarto verde. Ele jamais o oferecera a ninguém, nem a Corinne.

— Ela tem a bondade da sua mãe — o pai continuou, alheio ao choque de Joe. — É uma qualidade muito rara.

De fato, tão rara que Joe não vira qualquer evidência dela durante o ardente encontro na cozinha antes de seus instintos primitivos terem assumido o controle para puni-la por algo que não fizera.

De qualquer forma, ele não tinha o direito de ter agido como um bruto.

— Assim que voltar, vai publicá-lo como um tributo especial a ele. Agora que você está em casa, talvez possa mostrar a ela alguns locais importantes que só eu e você conhecemos. Desde que ela chegou, tenho estado doente demais para acompanhá-la.

Joe baixou a cabeça, massageando os músculos tensos na nuca. Levando em consideração a maneira repreensível como tratara a hóspede de seu pai até então, duvidava que ela fosse falar novamente com ele, ainda mais estar disposta a passar algum tempo em sua companhia.

O que diabos o levara a reagir tão violentamente a Demi Fallon? Encontrara várias mulheres mais belas e exóticas em sua vida. Sentiu-se nauseado ao pensar em uma em particular...

A sra. Fallon dissera que recebera permissão para estar na propriedade. Quando ela olhara para ele, pela primeira vez, com aquela expressão assombrada, como se estivesse a quilômetros de distância, por que ele não reconhecera o olhar sofrido? Por que não acreditara nela?

Como poderia explicar seu comportamento na cozinha quando ele próprio não entendia?

De fato, não pensava que o pai se envolveria com uma mulher tão jovem, então, que emoção oculta incitava a crueldade de Joe em relação a uma hóspede inocente? Parecia que ele havia interpretado de maneira totalmente errada o comentário de Henri.

Claramente, ele se tornara tão empedernido com a vida que estava mais desacostumado à sociedade civilizada do que imaginava. Aparentemente, não estava mais capacitado a voltar ao mundo que seu pai habitava. Ele se levantou da cadeira.

— Papa? Tenho coisas a fazer, mas voltarei.

Joe precisava falar com Demi antes que ela fosse para a cama. Era hora de consertar as coisas, se ainda não fosse tarde demais. Algo lhe dizia que se ele não o fizesse ela poderia ir embora do château antes do amanhecer. Ele não queria aquilo em sua consciência.

— Vá em frente, mon fils. Esperarei por você.

— Tente dormir

— Acho que conseguirei, agora que sei que você vai permanecer em casa. Corinne ficará muito feliz quando voltar da viagem e souber que você veio de vez para casa.

Joe baixou o olhar para o pai, doente demais para lidar com qualquer coisa desagradável. Mas, quando melhorasse, a verdade teria que ser dita.

Percy seguiu Joe até a porta apenas. Ele parecia não significar muita coisa para o cachorro. Joe não o culpava por preferir a companhia do pai à sua. A natureza de Joe parecia ter sido inexplicavelmente vil ao ser confrontada com uma provocação inocente.

Depois de ir à própria suíte para pegar a câmera, ele subiu de dois em dois os degraus até o terceiro andar e parou do lado de fora do quarto de Demi, ouvindo. Mesmo se ela estivesse na cama, ele não podia mais deixar que se passasse mais tempo sem tentar consertar o estrago.

Ele bateu na pesada porta com as costas da mão.

— Demi? Sou eu, Joe. Preciso falar com você. Se precisar se vestir primeiro, eu espero.

Ele logo ouviu:

— Se eu decidir não abrir, você irá arrombar a porta?

Ninguém merecia aquele comentário mais do que ele.

— Meu pai se importa muito com você. Vim pedir desculpas.

Depois de um longo silêncio:

— Desculpas aceitas. Aquilo fora fácil demais.

— O suficiente para abrir a porta?

— Com certeza, não é necessário.

Ele cruzou os braços.

— Imagino que você não queira que eu veja a mala que está fazendo. Se sua partida for tão precipitada, meu pai jamais me perdoará. Como já estou na pior, como vocês, americanos, costumam dizer, você não iria querer complicar as coisas para mim, iria?

— "A pior" já seria boa até demais para você.

Os lábios dele se contorceram. Por mais bondade que o pai visse nela, a mulher era espirituosa.

— Está certa. Acho que você não acreditaria que estou sofrendo de síndrome de choque pós-traumático...

— Acredito, mas você exagerou, É mais parecido com seu alter ego do que eu imaginava.

— Quer dizer que um dia eu vou me encontrar com Lancelot no inferno?

— Se a armadura lhe serve...

— Como você sabe se não já estive lá?

— Pensei nisso. Só alguém que já esteve no inferno poderia ter me tratado como você me tratou.

A flecha atingiu o alvo em cheio. A descontração dele desapareceu.

— Não há perdão?

— Não sei. Vou pensar a respeito.

Ele inspirou asperamente.

— Vou deixar sua câmera na frente da porta. Se quiser ficar por mais algum tempo, juro sobre o túmulo da minha mãe que não lhe farei mal.

Depois de um curto silêncio:

— Como sei o quanto seu pai a amou, vou levar isso em consideração.

Ela sabia como dar o golpe de misericórdia. Demi Fallon tinha muitas facetas. Era o tipo mais perigoso de mulher.

— Sinto muito pelo seu marido. Eu não sabia.

— Achei que Lancelot possuísse poderes especiais.

Ele fechou apertadamente os olhos por um momento.

— Cometi muitos atos indevidos e abdiquei da maior parte dos poderes.

— Que coisa triste...

Ela parecia estar falando sério. Foi então que ele percebeu que se expusera demais, e detestava ficar naquela posição.

— Vou embora agora para passar a noite com papa. Não deixe que meu comportamento descortês a impeça de fazê-lo feliz. Se você desaparecer sem explicação, não posso prometer que ele não vá ter uma recaída.

Por mais que ele esperasse que ela relaxasse o suficiente para abrir a porta para que pudesse falar diretamente, tinha a sensação de que aquilo não aconteceria. Ele se comportara como um canalha, e colhia as consequências.

— Dors bien, Demi — a voz dele sussurrou antes dele se virar e voltar rapidamente para o segundo andar.

Perturbado pela lembrança da sensação dela em seus braços quando a beijara, ele percebeu que seria uma longa noite...

*********
Feliz com o sol da manha que atravessava as nuvens e era filtrado pelas copas das árvores, Demi foi até o lado oposto do lago onde estivera lendo na noite anterior.

Talvez tivesse sorte e algum dos animais da floresta, seguindo uma antiga trilha de caça até a beira d'água, aparecesse no local onde ela planejava tirar fotos.

Depois de uma boa noite de sono, o que a surpreendeu, levando-se em consideração seu atormentado estado mental da noite anterior, ela percebeu que a pior coisa que poderia fazer seria fugir. Geoff não entenderia. E como ela não poderia explicar, decidiu superar a ocorrência do dia anterior e se comportar como uma adulta.

Joe provara ser um homem com uma alma marcada. Usando o mais elementar dos métodos, ele criara para si a missão de mostrar a mulher vil e interesseira que pensava que ela fosse.

No que dizia respeito a seu pai, seus instintos protetores eram exagerados. Combinados com sua desconfiança inata das mulheres, ele deveria ter ficado engasgado com aquele pedido de desculpas pelo modo como a tratara. Provavelmente, era a primeira vez que fazia aquilo.

Mas, vindo de uma família com um título de nobreza e uma grande fortuna, ele tinha motivos para alimentar tantas suspeitas, sem dúvida. O que ele levara ao extremo.

Ainda assim, devolvera-lhe a câmera e prometera que ela não teria nada mais a temer dele. Ela acreditara nele.

Quanto à reação dela à virilidade dele, não era culpa de Joe. Era a própria reação incontrolada a ele que Demi temia. Deveria ter imaginado que chegaria o dia do despertar, quando perceberia que estava sozinha novamente, c vulnerável. De alguma forma, não esperara que acontecesse ali, ou que fosse o filho de Geoff a torná-la consciente de sua feminilidade de uma forma que nenhum outro homem jamais fizera.

Richard fora o único homem com quem dormira, e ele não tivera pressa; quisera conhecê-la muito bem antes de se tornarem íntimos.

Atormentada pelos pensamentos que pareciam girar em um redemoinho sem saída, ela procurou uma árvore caída onde pudesse se sentar enquanto esperava que um veado ou algum outro animal surgisse.

Na verdade, estava cansada, apesar de ter dormido bem. Desde que comera um pedaço de omelete, mais cedo, ela se sentia um pouco nauseada. Eram sinal de gravidez, mas aquilo era impossível. Como tinha aqueles sintomas desde antes do contato com Geoff, não acreditava que pudesse ser gripe.

O que mais poderia ser se não o resultado de sua tristeza?

Assim que voltasse aos Estados Unidos precisaria encontrar um trabalho que significasse algo para ela, e seguir em frente. Mas naquele momento a ideia de tomar qualquer decisão parecia inútil para ela.

Demi olhou à volta. Alguns coelhos e esquilos corriam por ali, mas os animais maiores não estavam à vista. Talvez tivessem saído durante a alvorada e estivessem descansando enquanto digeriam o café da manhã.

Uma soneca rápida lhe pareceu uma boa ideia também. Talvez devesse voltar ao château e retornar mais tarde. Quando o pensamento surgiu em sua mente, ela percebeu algo se movendo na água, em sua direção, com a velocidade de um torpedo. Algo comprido e esguio.

Quando ela se levantou de um pulo, alarmada, uma cabeça escura surgiu de um amontoado de lírios. Demi pôs a mão no pescoço. Joe! Enquanto caminhava pela água rasa, ele abriu um radiante sorriso para ela.

— Bom dia — disse aquela voz grave com o forte sotaque francês que ela achava tão sedutor.

Cercado pelos lírios rosa e brancos, ele era a Imagem de uma absurda beleza masculina. Aparecer daquele jeito fez com que ele parecesse parte do encanto do lugar.

— Achei que cruzar o lago nadando seria o melhor jeito de anunciar que estava vindo. Depois de nosso primeiro encontro, a última coisa que eu queria era assustá-la novamente.

Tudo nele fazia com que ela perdesse o chão, mas aquilo era problema dela, não dele,

— Você se movimenta como um animal e nada como um peixe. Se eu o vir voar, terei certeza de que Merlin assombra este bosque.

Os olhos azuis dele se escureceram com alguma emoção que ela não compreendeu.

— Por que não vem comigo? Vou lhe mostrar alguns dos segredos do château que ninguém conhece. Terá que nadar até eles, mas não se preocupe. O lago não é fundo.

O coração dela balançou cora a ideia de ficar sozinha com ele daquele jeito.

— Não tenho roupa de banho.

— Agora, tem. Corinne, a enteada do meu pai, guarda algumas extras para as amigas. — Ele jogou uma pequena sacola plástica que estivera segurando para ela. Ela caiu aos pés de Demi.

Ela se abaixou e a abriu. Dentro havia um biquíni vermelho-cereja. Ela achou estranho que Joe não tivesse se referido a Corinne como a mulher com quem pretendia se casar. Mas como a vida pessoal dele não era da conta dela, não disse nada.

— Há vários lugares por aí onde você pode se trocar. Vá colocá-lo logo. Eu espero — ele disse antes de desaparecer por baixo dos lírios.

Por mais que ele não gostasse, ela percebeu que Joe se esforçava para se demonstrar hospitaleiro. Geoff queria mostrar a ela a propriedade e deveria ter mandado o filho fazê-lo. Seria falta de educação se ela recusasse.

Se dissesse não, aquilo só provaria que ela ainda não o perdoara. Na verdade, considerando sua ultrajante visão das mulheres, ele poderia pensar que ela vira algo além de um castigo naquele beijo raivoso.

Esquecendo sua irritação por ora, ela foi para trás de um pinheiro e trocou de roupa. Mas o biquíni ficou justo. Atraída pela sensação de aventura que o cercava, apesar de seu ar de cinismo, Demi tirou os tênis e os arrumou em uma pilha junto com as outras coisas. Em seguida, caminhou até a beira d'água. Ele acenou para ela de uma curta distância.

Com o coração batendo acelerado, ela entrou na água fria e calma, e foi na direção dele. Depois de algumas braçadas, Demi se recuperou do choque inicial e percebeu que a temperatura era revigorante.

O intenso olhar pedia que ela chegasse mais perto.

— Siga-me — foi tudo o que ele disse antes de nadar até o meio do lago, onde deu um salto mortal para trás, como se fosse um especialista, mergulhando nas profundezas.

Com menos habilidade, Demi o imitou, feliz pelo rabo de cavalo que evitava que o cabelo lhe caísse nos olhos. Assim que chegou até Joe, ele apontou um objeto no fundo do lago. Ela olhou para baixo.

Parcialmente oculto entre as plantas, havia uma espada e um escudo de cavaleiro. Alguns raios do sol iluminavam seus contornos metálicos. Naquele mundo submerso, qualquer coisa parecia possível. Demi queria ficar mais tempo ali e inspecionar os objetos, mas estava fora de forma demais e ficou sem fôlego. Ela começou a se sentir em pânico.

Joe devia ter percebido a preocupação dela, pois a envolveu com um braço e eles subiram rapidamente para a superfície. A subida a deixou um pouco tonta. Dessa vez, ela se agarrou ao poderoso corpo dele para conseguir inspirar.

Diferentemente da última vez, ele não a empurrou para longe, como se tivesse sido ela a tomar a iniciativa.

— Você está bem?

Ela sentiu o tom rouco da voz dele ressoar por todo o seu corpo.

— Sim. Só um pouco sem fôlego. — Os corpos roçavam um no outro em um emaranhado de membros. — De onde vieram aquela espada e aquele escudo?

— Anos atrás, meu pai os colocou lá para surpreender a mim e a meus amigos. Decidimos deixá-los lá.

Ela sorriu.

— Parece o tipo de coisa que Geoff faria. Tem sorte de ter um pai tão maravilhoso.

Depois que ela falou, seus lábios roçaram sem querer na cicatriz ao lado do pescoço dele. A marca começava na base do pescoço e entrava pelos cabelos pretos atrás da orelha dele. O bronzeado de sua pele fazia com que ela sobressaísse em um tom branco-róseo.

— Espero que o homem que lhe fez isso não possa machucar mais ninguém — ela sussurrou, com medo de tocar a cicatriz com os dedos, já que poderia ser sensível.

Ele fechou os olhos.

— E seu lhe dissesse que foi uma mulher? Um soldado do sexo feminino?

A imagem de Joe em um combate mortal contra uma mulher conseguiu deixá-la perturbada de diversas formas. Todos os outros pensamentos lhe abandonaram a mente.

— Parece um ferimento recente. D-dói? — ela gaguejou.

— Não.

— Que bom.

— Acha mesmo? — Havia ceticismo em sua voz.

— Que você não sinta dor? — ela perguntou, exasperada. — Claro!

Envergonhada pela conversa íntima e pela proximidade dos corpos, ela se afastou e começou a boiar sozinha.

Ele se aproximou.

— Depois do modo como a tratei na noite passada, você tem dos os motivos para me desprezar.

— Está certo, mas aquilo foi ontem, e você disse que estava arrependido. Vamos esquecer, certo? Seu pai está muito feliz por você ter voltado. Alguns homens e mulheres não voltam da guerra, ou, se voltam, perderam membros ou...

— Ou outras coisas inomináveis? — ele provocou. — É verdade. — Os olhos dele continuavam a buscar os dela. — Infelizmente, a guerra não é o único lugar onde acontecem perdas. Há quanto tempo era casada?

— Seis anos.

— Ainda é tão jovem...

— Quase 28 anos. Não exatamente a criança que você imaginou que tentava se atirar para o seu pai — ela o lembrou.

Ele a observou à luz frágil.

— Homem nenhum a confundiria com uma criança. Mas, de fato, achei que fosse mais jovem.

— Foi o que percebi.

— Acho que você sabe que conquistou meu pai.

Joe não gostava de medir as palavras. Ele a seguira para o lac por um motivo definitivo.

Demi decidiu ser franca também.

— Imagino que você não esteja feliz com isso.

— Não — ele respondeu em um tom impertinente.

Ao menos ela poderia contar com a honestidade brutal dele.

— Só preciso que me dê até a tarde de amanhã c depois ele será todo seu.

Ele se afastou dela.

— Sabe tão bem quanto eu que ele não quer que você vá embora.

— Geoff tem o filho de volta. É tudo com que se importa.

— Nem tudo — Joe resmungou de forma obscura.

Ela balançou a cabeça para espantar uma abelha que zumbia à sua volta.

— Sei que ele tem grandes planos para você.

Talvez tenha sido uma nuvem bloqueando o sol, mas o rosto dele ficou sombrio.

— Sabia que tem a pele mais suave que já senti?

A mudança inesperada na conversa foi feita de maneira tão honesta e franca que um calor se espalhou pelo corpo dela. Ela começou a nadar para longe dele, mas ele a rodeou preguiçosamente.

— Fui o primeiro homem a beijá-la desde o seu marido, não fui?

O calor da raiva tomou a face dela.

— Não se preocupe. Não quero uma reprise.

Obviamente, ele não acreditou nela, mas o leve traço de provocação na expressão dele foi a gota d'água.

— Nem todas as viúvas recentes estão desesperadas para pular na cama com o primeiro homem disponível. Mesmo quando ele é tão atraente quanto você. Menos ainda quando ele tem toda essa bagagem emocional que você possui, como se fosse um manto negro que o cobre.

Sem hesitar, ela disparou para a margem, onde deixara as roupas. Ele igualou as braçadas dela, mas Demi sabia que ele poderia ter chegado à margem bem antes dela.

Saindo atabalhoadamente da água, ela correu para o pinheiro, ansiosa para se vestir. Os olhos dele e seus comentários pessoais a haviam feito se sentir exposta até a alma. Apesar de Joe não ter feito nada de errado, atingira um ponto fraco. Ela estava ciente demais dele para se sentir confortável, e ele sabia!

Demi jamais conhecera um homem como Joe. Durante toda a sua vida ela só se relacionara com o marido e seus colegas, professores engajados em um meticuloso mundo de lenda e prosa, longe dos mortíferos campos da guerra.

Enquanto o marido passara a vida buscando histórias das aventuras de um famoso cavaleiro em tempos passados, Joe estivera vivendo uma perigosa aventura atrás da outra, no presente.

Como seria a luta mano a mano, ainda mais com alguém do sexo oposto? Demi não conseguia imaginar, mas, ainda assim, Joe retornara do campo de batalha com cicatrizes para provar que sobrevivera às atrocidades graças à pura coragem e à vontade indômita.

Uma vida que poderia ser encerrada a qualquer momento só poderia mesmo fazer um homem mudar. Apesar de admirar o serviço heróico prestado por Joe a seu país, o instinto de autopreservação de Demi lhe dizia para manter distância dele, ainda que fosse filho de Geoff.

Ou exatamente por isso...

Depois de colocar a calça c o top de algodão, ela enfiou a roupa de banho molhada na sacola. Ao pegar a câmera, saiu de seu esconderijo determinada a evitar Joe até que fosse embora para o aeroporto na tarde do dia seguinte. Geoff lhe garantira que um dos empregados a levaria de carro quando estivesse pronta.

Mas a preocupação foi inútil. Ao olhar para o lago ela percebeu que Joe havia desaparecido. Agora que fizera sua boa ação, proporcionando a ela um empolgante momento relacionado ao famoso Lancelot, tinha coisas mais importantes a fazer.

Durante todo o caminho de volta ao château, ela disse a si mesma que estava feliz por ele ter desaparecido. Além de estar cansada, aquilo a poupou de ter que evitar mais discussões sobre sua vulnerabilidade e, ainda por cima, comentários pessoais sobre a pele dela. Aqueles assuntos estavam fora dos limites.

O que ela queria era dormir. Durante aquelas horas, inconsciente, ela estaria livre de certos pensamentos que a atormentavam desde a noite anterior.

21.11.16

Um Amor em Meus Braços - Capitulo 1


~

...Lancelot possui tudo o que deseja, quando a rainha busca voluntariamente sua companhia e seu amor, e quando ele a toma em seus braços, e ela o toma nos dela. A diversão deles é tão agradável e doce, enquanto se beijam e acariciam um ao outro, que na verdade tal maravilhosa felicidade os domina como nenhuma outra de que já se ouviu falar ou se conheceu.

Com um suspiro dolorido, Demi Fallon fechou o livro que lia, impossibilitada de ler devido à luz que desaparecia. Era melhor assim, já que não conseguia suportar continuar lendo aquela história tão assombrosamente bela.

Talvez nunca mais.

Apesar de o poeta francês Chrétien de Troyes ter escrito a história de Lancelot em 1171, sua descrição do amor do famoso cavaleiro por Guinevere era tão comovente naquele instante quanto no momento em que fora feita.

Que mulher não teria inveja da rainha que inspirava tamanho amor no principal cavaleiro da Távola Redonda?

Qualquer mulher desejaria ser amada com um amor tão avassalador e poderoso.

Irritada consigo mesma pela preocupação com o maior dos cavaleiros do mundo cristão, Demi fez seus pensamentos se voltarem para Richard, o marido que ela sepultara três meses antes.

— Teria me amado mais se eu tivesse sido capaz de lhe dar um filho? — seu coração insistia.

Desde o funeral ela revivera em sua mente o conturbado casamento, se perguntando se sua inesperada infertilidade havia sido tão dolorosa para ele que alguns de seus sentimentos por ela simplesmente haviam desaparecido.

Com apenas 21 anos, contra os 31 dele quando haviam feito os votos, quem teria imaginado que ela desenvolveria um problema de reprodução tão prematuramente na vida de casada?

A prima de sua tia não pudera ter filhos, mas aquilo não parecia ter afetado o amor entre ela e o marido. Haviam adotado duas crianças. Mas Richard se recusava a falar de adoção. Queria um filho de seu próprio corpo, não do de outra pessoa.

Sabendo que ele assim se sentia, Demi não o pressionara a respeito do assunto. Mas dali em diante o relacionamento deles sofrera sutis mudanças. Ele se tornara cada vez mais distante, mergulhando no trabalho, mantendo-se alheio à dor de Demi, ou evitando se relacionar com ela, por ser a sua própria grande demais.

O ato de amor entre eles parecia ter se tornado algo secundário para ele. No ano anterior, ele se comportara mais como um amigo que como um amante, com raros momentos íntimos com Demi, que ela própria fora forçada a provocar.

Ela esperara que fossem superar aquela mágoa, que seria algo temporário. Com certeza, em seu devido tempo, ele iria querer um filho, e se revelaria disposto a considerar a adoção.

Demi estivera convencida de que, se tivessem dado os passos para iniciar o procedimento de adoção imediatamente a ansiedade por se tornarem pais teria lhes devolvido a alegria e ajudado a colocar o lado físico do relacionamento de volta nos eixos. Mas aquele momento nunca chegara. E já era tarde demais.

Oh, Richard...

Lágrimas quentes formaram desceram lentamente pelo rosto dela.

A tia lhe prometera que aquele período de luto passaria.

— Um dia, você encontrará alguém especial que irá querer se casar com você e adotar crianças.

Demi não acreditava naquilo, não quando se lembrava das outras coisas que não haviam acontecido em seu casamento. Com dez anos de diferença entre eles, ela sofrera com a possibilidade de não ser boa o suficiente.

O mundo acadêmico de Richard era cheio de homens e mulheres brilhantes. O que ela poderia oferecer quando sequer era capaz de lhe dar o filho que ambos queriam?

Por que ele se casara com ela?

No momento em que ela se perguntou, percebeu que a tristeza fazia com que perdesse a perspectiva. Perdera o apetite semanas antes.

Com 37 anos, ele era jovem demais para morrer. Devastada com o falecimento prematuro, que acabara com todas as esperanças dela de criarem uma família, Demi se levantou, exausta, de onde repousava, contra um tronco de árvore.

Uma boa noite de sono era do que ela precisava para se recuperar o suficiente para terminar o projeto do falecido marido sobre a lenda arturiana. Mais uns dois dias para capturar em filme um veado ou um javali selvagem, do tipo que se vê tecido em tapeçarias, e sua coleção de fotografias estaria completa. Infelizmente, teria que retornar a New Haven sem qualquer imagem da donzela do lago.

Demi estava na Bretanha havia quase uma semana. Já descobrira que a Forêt de Broceliande se tornava um mundo encantado depois que o sol se punha. Maravilhada com o dossel de 30 metros de altura, ela achava o local secreto e tranquilo, a não ser pelas criaturas da floresta que perambulavam por entre as bétulas e as castanheiras.

Esperava que a qualquer minuto personagens de Camelot surgissem furtivamente de seus esconderijos naquele cenário mágico e lhe revelassem suas histórias.

Quando Demi pendurou a alça do estojo de sua câmera no ombro, pensou ter ouvido um farfalhar de arbustos causado pela brisa. Ou talvez tivesse sido uma criatura da floresta, mas sua imaginação estivera ativa demais nas últimas horas.

Um pouco assustada, ela olhou à volta, o que fez com que os cabelos lhe envolvessem o rosto.  

— Oh! — ela gritou.

De trás dos abetos, no final do lago em forma de pera, chamado simplesmente de Le Lac, surgiu uma figura esguia e solitária de uniforme militar. Ele quase a matou de susto com sua presença cruamente máscula, totalmente característica do século XXI.

Cada centímetro de seu corpo forte de homem moderno emitia uma energia animalesca. Não ficaria surpresa se ele tivesse uma faca e uma arma de fogo, mas ela sentia que aquele corpo alto era uma arma letal por si só. Sem dúvida, quando ele dormia, um dos olhos permanecia aberto.

Se a estivesse seguindo, deveria ter um radar embutido. Demi estremeceu. O inimigo dele não perceberia sua presença até que fosse tarde demais.

A pele que se esticava sobre as feições aquilinas enrijecidas fora castigada por um sol equatorial inexistente na França. Ao crepúsculo, ela percebeu os olhos de um azul ardente. Eles a observavam abaixo de sobrancelhas pretas e uma cabeça com cabelos pretos bem curtos.

Jamais encontrara um homem tão ferozmente belo!

Por um louco momento ela pôde visualizá-lo em uma armadura reluzente enquanto se ajoelhava diante de Guinevere, sendo iluminado pelos céus. Então, ele falou, em uma voz profunda e áspera, estilhaçando a ilusão em mil pedaços.

— Você está invadindo propriedade alheia — ele disse, primeiro em francês e, em seguida, em um inglês com forte sotaque.

Seu acento hostil pegou Demi desprevenida. Aquele não era um jovem príncipe disfarçado que dominara a arte das maneiras de um cavaleiro. Não houve "Bonsoir" ou "Je m 'excuse" ou "Je regrette". Aquilo a assustou.

Aquele homem perigoso, provavelmente com trinta e poucos anos, e agressivamente másculo, a encarava como se tivesse algum problema pessoal com ela.

A menos que ele tivesse conseguido ler o título na frente do livro dela, Demi não conseguia entender como ele soubera que deveria falar com ela em inglês. Ela o segurou com mais força.

— Na verdade, tenho permissão para estar aqui — ela explicou em um tom baixo.

Os olhos dele se estreitaram antes que ele tomasse a câmera dela. A ação foi rápida demais, como um relâmpago, para que ela pudesse evitar, Ele enrolou a alça em volta de um pulso másculo com pelos escuros, o que tornava impossível para ela recuperá-la, Não que ela fosse tentar. O instinto lhe dizia que ele conhecia golpes com os quais ela sequer sonhara.

— Ninguém tem permissão para estar aqui. Seja quem você for, sugiro que se retire.

— O caseiro me falou onde eu poderia tirar fotografias da vida selvagem.

O músculo do maxilar dele se contraiu.

— Pode pegar sua câmera de volta com o guarda de segurança do portão, pela manhã. Caso esteja mentindo, eu não voltaria aqui se fosse você.

Ele correu um olhar insolente pelo formato do rosto e do corpo dela mais uma vez, fazendo-a lembrar que era uma mulher, com curvas femininas. Mas, diferente dos outros homens, ele parecia não obter prazer com aquilo. Na verdade, parecia o oposto.

— Lembre-se, você foi avisada — ele acrescentou, antes de se mover rapidamente até desaparecer em meio à folhagem.

Ainda tremendo com a combinação do tom intimidador e da avaliação íntima dele, que não deixava nada escapar, ela precisou de um minuto para retomar o controle das pernas antes de voltar para o Château Du Lac. Não deveria ler ficado tanto tempo ali. A noite já se aproximava rapidamente, tomando difícil vislumbrar o caminho através da densa vegetação rasteira.

O caseiro do château, que fornecera a ela um mapa esboçado da vasta propriedade Du Lac, não lhe dissera que havia contratado outro homem para patrulhar a área à noite. Justiça fosse feita, ele provavelmente não imaginava que ela fosse ficar até depois do pôr do sol tirando fotografias.

Mas, claro, não era o que ela fazia naquele momento. Havia algo em ler a história de Lancelot exatamente na floresta onde ele crescera que apelava para o lado fantasioso da natureza dela. Ao menos até que as palavras do poeta tivessem tocado no ponto certo, perturbando-a profundamente, onde ela detestava admitir que o casamento não fora tudo o que ela esperava.

A adrenalina do inesperado encontro com o hostil estranho mantinha seu coração acelerado. Quando ela chegou ao caminho de brita que levava até a entrada principal do château do início do século XIII, foi acometida pela fraqueza. Ela se viu forçada a parar para recuperar o fôlego.

Depois de correr pela densa floresta na ânsia de voltar, a imponente estrutura de três andares com suas torres arredondadas surgiu como uma agradável visão. As luzes internas ressaltavam o vermelho profundo das granadas engastadas na rocha de xisto a partir da qual fora construída. Era como deparar com um raro tesouro brilhando no coração de uma escura floresta.

Uma grande e bem-treinada equipe mantinha o château e os jardins imaculados, mas ela não viu carros. Se não fosse pelo brilho das luzes nas janelas, não se saberia que havia alguém ali.

Naquela noite, nada parecia real. Talvez a cabeça dela estivesse tomada demais por Lancelot e fragmentos de sonhos. Era possível que ela tivesse apenas imaginado o encontro com o audacioso homem cuja aparência inesquecível fizera o corpo de Demi reagir.

A presença inesperada dele despertou subitamente lembranças de uma gélida prisão onde diversas emoções estiveram adormecidas naqueles últimos meses. Demi ainda não gostava de ser forçada a lidar com seus sentimentos. Na verdade, reagira negativamente a ele por ter se intrometido em seu já precário estado mental.

Antes daquele encontro, ela fora capaz de permanecer em sua zona de conforto temporário, embalada pelo plano que a levara de volta àquela mística província. Não precisava pensar para tirar fotos, apenas agir.

Depois de entrar no decorado vestíbulo, ela subiu correndo a escadaria para seu apartamento, no terceiro andar. Henri, o chefe da equipe da casa, lhe dissera que a porta da frente permaneceria destrancada até às 22h, todos os dias. Até esse horário, ela poderia ir e vir a seu bel-prazer, por ordens de Geoffroi Malbois, o Duc Du Lac, que nascera e fora criado naquela château.

No momento, o distinto proprietário lutava contra uma pneumonia. Ele a contraíra depois de um sério caso de gripe, mas fora gentil a ponto de insistir para que Demi permanecesse.

Pela governanta, Brigitte, ela veio a saber que ele instruíra que a hóspede fosse acomodada no raramente usado quarto verde. No momento em que a senhora abrira a porta dele, seu significado especial se tornara aparente.

Contra o fundo verde-claro do teto e das paredes, as imagens em tamanho real de Lancelot e Guinevere haviam sido imortalizadas. Um artista do século XIV ilustrara os encontros amorosos secretos dos dois a cada mês do ano. As gloriosas cores ainda eram vibrantes, como se tivessem sido recém-pintadas.

Na primeira noite em que Demi se deitara na imensa cama redonda ficara se deslocando para diferentes posições a fim de observar os dois belos amantes. Lembrava-se de ter pensado que nenhum homem vivo poderia igualar o esplendor de Lancelot.

Mas quando entrou no quarto naquela noite carregava consigo a imagem do estranho intrometido. Era uma imagem que ela parecia não conseguir afastar da mente, apesar do epítome de masculinidade que a olhava fixamente nos olhos em qualquer direção para a qual ela olhasse.

Primeiro, ela se trocaria. Em seguida, desceria as escadas para comer um rolinho ou outra coisa qualquer. A ideia de uma refeição não a atraia. Se o estado do duc não tivesse piorado, ela faria uma visita para lhe desejar boa noite. Ele pedira veementemente para que ela o visitasse à noite, mas Demi teria feito isso de qualquer forma.

Jamais conhecera um anfitrião mais bondoso. Por pior que se sentisse, ele irradiava um calor excepcional. Até certo ponto, aquela qualidade em particular estivera ausente no casamento dela, mas Demi não percebera até ter passado algum tempo na companhia de seu anfitrião.

Ele não fora cerimonioso e insistira para que ela o chamasse de Geoff. Tendo adquirido um peculiar interesse pelo projeto do marido dela durante a Páscoa, queria ajudá-la da maneira que fosse possível. Apesar de o duc estar doente, insistira para que ela se sentisse em casa pelo tempo que quisesse.

Das conversas com ele Demi descobrira que a vida social dele era atribulada e que ele estava envolvido em questões cívicas e ecológicas. Tinha um filho do primeiro casamento, que morava distante. A enteada do segundo casamento, que fracassara, morava com ele quando não estava viajando. Evidentemente, ele não tinha problema com falta de companhia. De acordo com Henri, sempre havia visitantes chegando e partindo, uma prova de como era querido pelos amigos.

Em retribuição à generosidade dele, sem falar em todo o resto, Demi não conseguia evitar se aproximar dele, e estava muito preocupada com seu estado físico. Desde a chegada dela no château, ele fora forçado a permanecer na cama. Nos últimos três dias, os sintomas haviam piorado. Havia enfermeiras o tempo todo, e o médico o visitara duas vezes.

Se houvesse algo que ela pudesse fazer para ajudar, faria. Depois de perder o marido para um coágulo, na flor da idade, Demi sempre levaria a sério as doenças das pessoas.

Foi bom se livrar das roupas que usara o dia inteiro, especialmente o jeans, um tanto apertado. Enquanto lia, mais cedo, desabotoara o botão de metal para se sentir mais confortável. Como ela só o usara uma vez antes de colocá-lo na mala para aquela viagem, achou que ele devia ter encolhido demais com a lavagem.

Depois de escolher uma blusa creme e uma saia, pegou roupas de baixo e correu para o moderno banheiro da suíte para se banhar e retirar as agulhas de pinheiro dos cabelos.

Mais tarde, a caminho da suíte do duc, no segundo andar, ela encontraria Henri e relataria o que acontecera na floresta. Ele resolveria o problema e daria um jeito de recuperar a câmera.

Nos dias que se seguiriam, ela tiraria fotos apenas pela manhã, para evitar outro encontro com o homem rude e insensível que a ameaçara.

********
Joe Malbois deu a Percy, o cachorro de seu pai, uma bela coçada atrás das orelhas antes de se aproximar da cama.

— Papa? Está acordado?

As pálpebras do pai se abriram, revelando olhos de um cinza pálido. A doença lhes roubara o brilho costumeiro. Ao olhar para seu filho, sem acreditar, eles se avivaram.

— Mon fils...

O coração de Joe se contraiu. A voz de seu pai estava fraca. Sem o oxigênio para ajudá-lo a respirar...

Joe lutou para não demonstrar sua preocupação na frente dele. Seu amado pai era jovem demais para estar tão doente. Sua palidez alarmou Joe.

— Quando chegou? — o homem mais velho perguntou com esforço.

— Há pouco tempo. Você estava dormindo. Não quis incomodá-lo e, por isso, fui caminhar.

Depois do choque de saber que a gripe do pai se transformara em algo pior, ele não se preparara para outro, o de esbarrar com alguém na propriedade particular deles.

— Pai? — Ele apertou-lhe a mão. — Por que não me disse que sua doença era tão séria? Por que tive que saber disso por Henri? Sabe que eu teria pego um avião e voltado logo.

— A pneumonia surgiu do nada. Fui pego de surpresa, mas estou melhor do que estava na noite passada. — Depois de um acesso de tosse, ele perguntou: — Vai ficar por quanto tempo desta vez?

Joe inspirou fundo.

— Vou ficar de vez.

Ao ouvir aquela inesperada notícia, a alegria iluminou o rosto do pai.

— Sério? — Ele tentou erguer a cabeça do travesseiro, mas Joe o segurou gentilmente.

— Deixei o serviço. Está terminado.

— Esperei tanto por este dia, Joe. — Ele lutou contra outro acesso de tosse. — Rezava para que voltasse são, de mente e corpo. Le bon Dieu me ouviu.

O que o pai via era apenas o exterior do homem que ele fora. Joe não queria que ele soubesse o que estava oculto.

— Agora que voltei, vamos cuidar para que se recupere. Cuidarei de tudo o que estiver deixando-o preocupado.

O pai sorriu em meio às lágrimas.

— Estou sonhando?

Joe teve dificuldade para vencer o bloqueio em sua garganta.

— Non, mon père.

Já havia passado da hora dele começar a ajudar seu notável pai, que precisava que Joe assumisse uma parte maior das responsabilidades. Não apenas o criara desde o nascimento, mas, dez anos antes, fora sábio o suficiente para dar a Joe a liberdade sem deixá-lo sentindo-se culpado. No final das contas, aquela liberdade fizera Joe voltar para casa por vontade própria.

O motivo que o levara a se afastar não importava mais. Desde aquela época, a vida lhe aplicara um golpe do qual jamais se recuperaria, fosse nos confins do mundo ou em casa. Ao menos ali ele poderia ser útil ao pai.

— A enfermeira está sinalizando que você precisa descansar. Ela disse que você já recebeu visitas demais de amigos e que elas o deixaram esgotado. Então, vou deixá-lo dormir agora.

— Não vá.

— Só quero dar uma palavrinha com a equipe, mas prometo que voltarei para passar a noite aqui. Percy vai ficar de guarda, não vai?

O cachorro rosnou em resposta.

— Sabia que ele não quer sair de perto de mim? Henri tem que forçá-lo a sair quando é necessário.

O amor de Percy pelo dono era comovente.

— Isso não me surpreende.

Dois anos antes de Joe entrar para o serviço militar seu pai encontrara um filhote mestiço abandonado, à beira da morte, na floresta. Alguém cruel devia tê-lo deixado lá para morrer, mas o pai o levara de volta para o château, para cuidar dele. Desde então, haviam se tomado inseparáveis.

— Está acomodado na suíte no fim do corredor?

— Oui.

— Nós... — Ele parou por tempo suficiente para tossir mais uma vez. — Nós temos uma visita.

Um franzir de cenho contraiu o rosto de Joe.

— Tem alguém hospedado no château?

— Sim. — Ele teria dito mais, mas outro acesso de tosse o impediu.

No que dependesse de Joe, fosse quem fosse, precisava ir embora. Seu educado pai não sabia dizer não às pessoas. O segundo casamento era prova disso. Naquele momento, ele estava doente demais para saber o que era bom para si. Joe voltara exatamente para assumir o comando.

Dando um beijo em cada lado do rosto do pai, ele assentiu para a enfermeira e saiu da suíte em busca de Henri, dedicado a seu pai. Ele o encontrou no foyer, fechando o château.

Joe se aproximou dele pela direita, já que o chefe da equipe não ouvia com o ouvido esquerdo. Quando Henri era jovem, trabalhava na cavalariça quando um acidente de caça ocorrera. Depois de receber alta do hospital, o pai de Joe o levara para o château para cuidar dele. Henri tornara-se empregado da casa desde então.

— Ouvi dizer que há um hóspede no château, Henri.

O homem mais velho se virou e assentiu.

— Oui. Uma tal madame Fallon.

O olhar de Joe buscou o de Henri.

— Alguém "especial"?

— Seu pai insistiu para que eu a acomodasse em la chambre verte.

Joe ficou atordoado. O quarto verde sempre estivera além da disponibilidade para hóspedes, para preservar seus tesouros. Aquilo significava que seu pai, com 67 anos de idade, poderia estar romanticamente envolvido.

Mesmo que aquela mulher fosse digna dele, o que Joe sabia não ser possível, seu pai fora longe demais. Joe tinha que admitir estar surpreso pelo pai não tê-la mencionado até então. Mas, depois do desastre do segundo casamento, talvez ele estivesse preocupado demais com a reação do filho para lhe revelar qualquer coisa a respeito.

— Ele a conhece há muito tempo?

— Ele a conheceu na Páscoa, mas ela só está no château há uma semana.

Joe voltara para casa naquele feriado, arriscando uma folga de 12 horas, mas ninguém a mencionara à época.

Uma semana era tempo suficiente para que seu pai se apaixonasse. Ele trincou os dentes. Que tipo de poder aquela mulher tinha sobre seu pai? Ele enterrara seu coração junto com a mãe de Joe e esperara até bem depois dos 40 anos para se casar pela segunda vez.

Aquela falsa união durara menos de um ano. Tempo suficiente para demovê-lo de uma nova tentativa. Ou, ao menos, fora o que Joe pensara...

Uma preocupação o tomou.

— O que você acha dela, Henri?

— Ela tem sido boa para seu pai.

Um elogio daqueles, vindo de Henri, a discrição em pessoa, era algo inédito. Certamente, conseguira enganar Henri também.

— Quando foi a última vez em que Corinne esteve aqui?

— No mês passado. Está de férias na Austrália agora.

Aquilo significava que ela não estava ciente das últimas informações a respeito do interesse do pai dele por outra mulher. Mal podia imaginar a reação dela quando descobrisse. Aquilo, e que Joe havia retornado...

Ele deu um tapinha no ombro de Henri.

— Obrigado por cuidar dele. Agora que ficarei permanentemente em casa, traga os problemas para mim.

O outro homem sorriu.

— É bom tê-lo de volta. Seu pai esperou muito por esse dia. Se Brigitte ainda não tivesse ido dormir, ela daria detalhes sobre o relacionamento do pai com aquela predadora.

Diferente do marido, Henri, a governanta não tinha problemas para expressar suas opiniões.

Qualquer sentimento de culpa que Joe tivesse tido por ter passado tanto tempo afastado foi bloqueado pela raiva de ter outra mulher venenosa dormindo sob o teto deles, contando os segundos para se tornar a terceira esposa.

Precisando de uma bebida, encaminhou-se, primeiro, para a cozinha, para tomar café. Por mais que quisesse algo mais forte, optaria por analgésicos em vez do álcool para acabar com a dor de um ferimento recente. No entanto, não havia remédio ou bebida que aplacassem a agonia de sonhos estilhaçados.

*******
Desde o dia em que chegara Demi recebera a informação de que poderia se servir do que quisesse da moderna cozinha, a qualquer hora. Brigitte insistira que o cozinheiro não se importaria.

Tomando suas palavras como verdade, Demi encontrou alguns brioches frescos sob uma proteção de vidro e comeu um sobre a pia, para não espalhar migalhas pelo chão de pedra. Como não estava com vontade de beber café, nem suco de fruta, acabou bebendo água.

Enquanto cuidava para não fazer barulho ao colocar a tampa de vidro de volta, alguém abriu a porta da cozinha e entrou. Ela imaginou que fosse Brigitte indo fazer chá quente com mel para o duc.

— Espero que Geoff fique melhor esta noite — ela falou por cima do ombro.

— Estamos todos esperando esse milagre.

Demi parou por um momento.

Aquela voz profunda com um pesado sotaque francês... já a ouvira antes, Na verdade, fazia pouco tempo.

Seu coração começou a acelerar antes que ela se virasse para encarar o homem que encontrara na floresta. O rápido movimento fez com que seus cabelos castanho-dourados flutuassem acima dos ombros, antes de retomarem ao local normal.

O olhar escrutinador dele a observava, analisando cada centímetro de suas curvas antes de olhar para o castanho-aveludado dos olhos dela. Como abrasadoras chamas azuis, os dele brilharam ao reconhecê-la.

Ele precisava se barbear e ainda estava usando o uniforme. O colarinho não escondia uma fina cicatriz branca no lado de seu pescoço moreno. Ela não a percebera na semiescuridão da floresta. Só de pensar em como ele a conseguira, um calafrio percorreu-lhe o corpo.

Se seus instintos não a estivessem enganando, ele não estava feliz por descobrir que a invasora que confrontara anteriormente estava dentro de seu château, servindo-se de comida.

— Quem é você? — ele perguntou, em uma voz áspera que conseguiu perturbar os nervos já sensibilizados dela.

— Demi Fallon. Parece que o caseiro não lhe informou que Geoff tinha uma hóspede.

Ele serviu uma xícara de café da cafetière para si e bebeu um pouco, observando Demi por cima da borda. O olhar dele era insolente, além de ousado. Não tinha vergonha.

Ela desviou os olhos. Um homem que vivera uma existência de vida e morte, como ele deveria ter vivido, se afastara dos modos civilizados havia muito tempo.

— Deu minha câmera para o guarda do portão?

— Não — foi a resposta imediata. — Eu a devolverei a você depois. — Ele engoliu o resto do café e pôs a xícara na pia.

— De manhã está ótimo. Agora, se me der licença, quero ver Geoff.

— Ainda não — ele resmungou.

Quando ela percebeu, ele já colocara seu corpo entre ela e a porta. A mão dele segurou-lhe o pulso para que ela não pudesse sair.

— O que há de errado com você? — ela gritou, tentando se libertar dele. Mas ele a segurava com força demais. Com 1,68m e 54 kg, ela não era páreo para ele, forte como o aço.

— Exatamente a mesma pergunta eu lhe faço — ele devolveu, puxando-a para mais perto até que ela sentisse o calor de seu corpo rígido como uma rocha. O aroma másculo dele era tão erótico quanto inesperado. — Qual é a sua idade? Uns 22 anos, comparados aos quase 70 dele?

Quando Demi percebeu o que ele insinuava, não conseguiu conter a gargalhada incrédula.

— Não que seja do interesse dos empregados, mas Geoff e eu somos amigos!

— Você gostaria que fossem mais, sem dúvida. — Ele a puxou para si até que ela ficasse comprimida contra cada linha e tendão de seu corpo, enviando chamas pelo dela. Ela gemeu, sem acreditar que aquilo estava acontecendo.

— Quando ele o nomeou seu cão de guarda pessoal? — ela gritou, ciente demais das respirações entrelaçadas, dos longos e escuros cílios dele, das linhas de experiência que delimitavam aquela boca sensual. Homem nenhum tinha o direito de ser tão atraente e, ao mesmo tempo, tão completamente agressivo.

— Desde que o segundo casamento dele não deu certo. — Ela pensou ter visto dor em meio à raiva que brilhava nos olhos dele. — Se pensa que vou deixá-lo se comprometer em um terceiro com alguém jovem o suficiente para ser sua neta, está delirando.

Ele exagerara. Ela não conseguiu evitar provocá-lo.

— Às vezes, a idade não é tão importante quanto a bondade e o amor.

Os lábios dele se retorceram de irritação.

— Especialmente quando se tem uma fortuna à espera depois que ele morrer.

— É por isso que continua neste emprego? — Ela abriu um sorriso zombeteiro. — Espera ganhar algo com isso?

No momento em que a pergunta foi lançada, ela se arrependeu da falta de controle e tentou se afastar dele, sem sucesso.

— Por que não? Se você está oferecendo... — ele falou lentamente.

Uma sensação de medo percorreu o corpo dela. Tarde demais para escapar, ela não conseguiu evitar a boca rígida que desceu sobre a dela.

Desprevenida, sua surpresa permitiu que ele aprofundasse um beijo tão íntimo e avassalador que ela ficou abalada até a alma. Por um estonteante momento as sensações que ele despertara fizeram as pernas dela vacilarem.

No exato segundo em que ela se viu segurando-se nele para não cair, ele a pegou pelos braços e a empurrou para longe.

Ela ficou enfurecida; enquanto estava sem fôlego e desgrenhada, ele apenas esteve ali, provocando-a com um sorriso diabólico, aparentemente inabalado pelo contato.

Quando ela conseguiu se soltar dele, a força que usou quase fez com que ela tropeçasse enquanto fugia da cozinha. Correu pelo hall e subiu as escadas do Château, desesperada para alcançar a segurança da suíte de Geoff.


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Depois de ficar tanto tempo sem postar, cá estou eu voltando com mais uma fic para vocês. Será que tem alguém ainda aqui?
xoxo