14.2.17

Um Amor em Meus Braços - Capitulo 9


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O Dr. Semplis olhou para Joe.

— A recepcionista me disse que vocês, agora, são oficialmente monsieur e madame Du Lac. Foi bem rápido. Parabéns.

— Depois de nossa primeira visita aqui, no mês passado, decidi que gostava da ideia de ser marido de Demi. Felizmente, consegui convencê-la.

O médico olhou para Demi, deitada na mesa de exames.

— O casamento lhe fez bem. Mal dá para saber que você é a mesma mulher desidratada que seu marido trouxe carregada para a clínica.

— O remédio funcionou, junto com muito mimo.

Durante o mês anterior Joe fizera tudo para deixá-la confortável. Quando voltava do trabalho, no final de cada dia, ele lhe dedicava tanta atenção que ela quase conseguia acreditar que ele estava feliz por vê-la.

Às vezes, comiam fora ou saíam para caminhar. Divertiam-se com Giles, o amigo dele, e sua esposa. Geoff e Percy passaram a realizar visitas constantes depois que ele se recuperara da pneumonia e pudera dirigir até Rennes.

Os dias dela eram preenchidos por jardinagem leve. Louise lhe ensinava como cozinhar alguns pratos franceses de que Joe gostaria. No final das contas, Demi sabia que sua vida era idílica. Na superfície...

Mas desde a noite do casamento, quando ela pedira a Joe para ser paciente com ela, ele satisfizera seus desejos impecavelmente! Ela temia que algo que fizesse pudesse levá-lo a rejeitá-la de vez, e não conseguia suportar aquela ideia.

E se ele jamais se voltasse para ela? E se chegasse um momento em que ele buscasse em outra mulher a intimidade que Demi lhe negava? As coisas ficariam piores se ela tentasse tomar a iniciativa naquela noite? Queria o amor de Joe, estava louca para tê-lo, mas ele não lhe dera sinais de que também estivesse.

Para ser justa com ele, ela sabia que Joe tinha outras coisas com que ocupar seus pensamentos. Desde a noite em que Corinne desaparecera do hospital, não se ouvira mais falar dela. Não entrara em contato com Geoff. Enquanto seu paradeiro permanecesse um mistério, Demi não conseguiria relaxar totalmente, e sabia que seu marido também não.

Ele jamais falava sobre Corinne. Aquilo, por si só, criava suspeitas em Demi. Seu humor sombrio quando pensava que ela estava dormindo não a enganava.

— Vou começar o ultrassom agora. Se tivermos sorte, descobriremos se é um menino ou uma menina que você tem aí. Às vezes, o bebê não coopera.

Joe puxara um banquinho para o lado dela. Sorrindo enquanto a olhava nos olhos, ele segurou sua mão.

— É agora, ma belle.

Ela assentiu.

Era o primeiro gesto de ternura que Joe realizava desde o casamento. Sem dúvida, queria dar ao médico a impressão de que era um marido apaixonado.

Joe fingia tão bem que havia momentos em que Demi tinha medo de esquecer que o casamento deles era apenas no papel.

Ele levantou a mão dela para beijar a palma. Uma sensação de prazer percorreu-lhe o corpo, fazendo com que ela se sentisse leve.

— Está empolgada, chérie?

— Só pensava nisso — ela confessou.

— Eu, também.

Quando o médico afastou as cobertas para iniciar o procedimento, ela sentiu o olhar intenso de Joe se fixar em sua barriga,

Era estranho que ele a visse daquele jeito quando jamais haviam se tornado íntimos ou algo assim. Nas últimas duas semanas, ela percebera que começava a florescer. Já ganhara alguns quilos e não era mais uma visão que atraísse o olhar de um homem que poderia ter qualquer linda mulher que desejasse.

O médico movia o instrumento, concentrado na tarefa. Na semiescuridão da sala de exames as rápidas batidas do coração do bebê reverberaram, abafando todos os outros sonos. Demi queria perguntar se estava tudo bem.

— Qual é o veredito, doutor? — Joe perguntou.

Demi passara a achar a impaciência de seu marido cativante. Era um homem de ação. Para ele, a distância mais curta entre dois pontos era uma linha reta, não importava o obstáculo.

— Até agora, tudo me parece bem. O bebê está do tamanho certo. Está crescendo no local certo. O coração parece forte e perfeito.

— Ah, graças a Deus! — ele disse com leveza.

Joe apertou seus dedos. Ela sentiu que as emoções dele estavam envolvidas demais para que percebesse a pressão que estava exercendo, mas não se importou. Aquele era um dos momentos inesquecíveis da vida.

O médico fez um som satisfeito com a garganta.

— Que nome disseram que dariam à criança?

Demi lhe disse as escolhas de nomes.

— Dêem uma olhada nesta tela aqui e digam olá a Geoff.

— Um menino!

Ela não sabia muito bem o que estava olhando, mas não importava. As lágrimas encheram seus olhos.

— Oh, Joe... Vamos ter um garotinho.

Ele se inclinou e a beijou ternamente na boca.

— Um filho. Vamos batizá-lo Geoffroi-Richard Fallon Malbois Du Lac.

Comovida pela menção deliberada dele ao marido dela, Demi segurou-lhe o belo rosto.

— Ele será o garotinho mais sortudo do mundo por ter você como pai.

Enquanto ele beijava as pontas dos dedos dela, o médico a cobriu com o lençol.

— Quando estiverem prontos, aqui estão as impressões do bebê. Continue o que você está fazendo para se manter saudável. Vejo vocês no mês que vem.

Ele pôs as imagens sobre a barriga dela. Depois de ligar a luz, saiu da sala.

Demi piscou para se acostumar à claridade. Joe já havia se levantado. Ele andou de um lado para o outro, estudando as fotos com um olhar de felicidade que ela jamais vira antes.

— Consigo ver o perfil dele, as mãos e as pernas. Tem ideia de quanto isso é incrível?

Incrível mesmo! Coisas sensacionais haviam acontecido desde que ela chegara à Bretanha.

Demi se sentou e colocou as pernas para fora da mesa. A túnica já batia mais alto, deixando seus membros expostos. Tendo capturado a atenção dele, o olhar de Joe os percorreu e continuou até alcançar-lhe o rosto. Ela se apressou a cobri-los e mal conseguia tomar fôlego com as sensações físicas que a invadiam.

Ele se aproximou.

— Tome. Veja você mesma.

Com um braço era volta dos ombros dela, ele usou a outra mão para lhe entregar as fotos. Juntos, eles as examinaram detalhadamente.

— Tenho trabalhado no livro do bebê que você me deu. Há uma página especial para elas.

— Isso pede uma comemoração. Depois que se vestir, vamos voltar para Rennes e escolher a mobília de bebê para o nosso filho.

— Mal posso esperar. Mas, primeiro, vamos parar no château e mostrá-las ao seu pai.

Ele acariciou-lhe o braço.

— Sabia que diria isso. Ele adorará.

— Espero que sim — ela afirmou. — Geoff precisa se animar. Ele faz uma cara feliz, mas sei que está preocupado com Corinne. Para dizer a verdade, eu também estou. Ela pode estar tramando qualquer coisa.

Joe a ajudou a descer.

— Vamos fazer uma promessa e não pensar mais nela. Este é nosso dia. Prefiro me concentrar no bebê.

Era mais fácil dizer do que fazer.

— Eu, também.

— Vou esperar você na recepção.

Ela assentiu.

— Vou me apressar.

— Não tenha pressa. — Ele guardou as fotos antes de desaparecer porta afora. Naquele dia, usava uma camiseta esporte em tom pastel verde e uma calça jeans que moldava suas poderosas coxas. Os joelhos dela ficaram fracos só de olhar para ele.

Meia hora depois eles estavam, sentados no terraço de Geoff, almoçando com ele.

— Quando Joe nasceu, não havia ultrassom. Precisamos ser pacientes e esperar para ver o que Deus havia nos dado.

— Fico feliz por não precisarmos fazer isso. Com esta noticia, podemos preparar o quarto para um menino imediatamente. Há tantas coisinhas lindas para bebês.

— Minha esposa guardou a túnica e a touca do batizado de Joe. Gostaria de dar a vocês para o de Geoff.

— Isso seria adorável!

Joe olhou surpreso para o pai.

— Eu não sabia disso.

— A caixa está na prateleira do meu armário. Guardei lá durante todos esses anos na esperança de que fosse usada novamente.

Quando Demi se levantou para dar um beijo em Geoff, Henri apareceu. Ele foi até Joe.

— Há um homem à porta querendo vê-lo.

— Quem é?

— É do tribunal e quer lhe entregar alguns documentos.

Joe não pareceu surpreso, mas uma desagradável sensação se insinuou. Ela conseguiu perceber pelo jeito como sua mão, que descansava sobre a coxa, se cerrara em punho sob a mesa. Alarmada, perguntou:

— O que está acontecendo?

Os olhos dele encontraram rapidamente os dela.

— Apenas alguns negócios a respeito do litígio sobre uma propriedade. Com licença por um minuto. Não vou demorar.

Ele estava mentindo, mas ela não quis dizer nada na frente de Geoff.

— Enquanto meu filho está ocupado, vou encontrar aquela caixa para você.

Ser deixada sozinha pelos dois homens deu a ela tempo demais para se preocupar. Já vivia com Joe havia tempo demais para reconhecer determinados sinais. Quem quer que estivesse à porta, trazia más notícias. Demi podia sentir isso. Quando estivesse sozinha novamente com o marido, descobriria a verdade.

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— O que acha, Demi? Ficamos com a madeira natural ou o verde-provença?

O vendedor aguardava a resposta dela.

Eles reduziram as escolhas até que apenas duas restavam. Ela estivera observando Joe enquanto olhavam a mobília para o bebê. Os olhos dele não saíam do conjunto que o vendedor chamava de Goupil.

Incluía um berço, uma penteadeira com puxadores dourados, uma mesa para o bebê e uma pequena cadeira de balanço. As laterais dele tinham a forma de uma raposa bastante matreira, pintada a mão com cores vivas. Demi não precisava perguntar qual conjunto chamara a atenção do marido.

— Vamos levar o da raposa.

— Uma bela escolha, madame.

Apesar do que havia na mente de Joe que o deixara tão sério desde que haviam saído do château, ele olhou com gratidão para ela.

— Tem certeza?

— Eu adorei.

Joe assentiu para o homem.

— Gostaríamos que fosse entregue imediatamente. — Ele foi até o balcão para pagar e em seguida sugeriu que fossem à Galerie Bouffard para comprar o restante das coisas do bebê.

Demi se lembrava de ver o nome da loja nas sacolas quando ele lhe comprara alguns presentes um mês antes. Parecia que a mulher atraente do departamento infantil se lembrava de Joe. Na verdade, não tirava os olhos dele! Ela não parecia se importar com o fato de Demi ser casada com ele.

Apesar de Joe não ter feito nada para atrair a atenção da vendedora, Demi sentiu uma pontada de ciúme. Não conseguia acreditar em sua reação.

— Em que posso ajudá-lo desta vez?

Pelo que Demi podia ver, a mulher atrevida estava se esforçando ao máximo para conquistá-lo. Aquilo fez o lado possessivo de Demi assumir o controle; outra surpresa, já que ela não era uma mulher possessiva. Ou ao menos não achava que fosse, até então.

— Gostaríamos de um lençol, um forro e um cobertor para berço. Por acaso você teria algo com desenhos de raposa?

— Temos uma coleção de Renard, a raposa, da versão em desenho animado de Robin Hood. Tem um mobile com todos os animais da floresta.

— Podemos vê-la, por favor?

— Bien sûr. — Os olhos dela se dirigiram a Joe, avaliando-o. — Un moment.

A mulher usava um vestido que delineava sua silhueta alta e graciosa. Demi se sentiu um pudim de baunilha em comparação a ela, e olhou rapidamente para o outro lado.

— Demi? O que houve?

— Nada.

— Sou seu marido, lembra? Conheço seu humor.

Ela ergueu a cabeça.

— Se quer saber, estou surpresa com o atrevimento de certas mulheres,

Um sorriso largo transformou Joe em um homem tão maravilhoso que ela sentiu seu corpo derreter.

— Ignore-a.

— Se eu não consigo tirar os olhos dos quadris elétricos dela, não sei como você conseguirá.

Ele soltou uma gargalhada profunda e máscula. Então, se acalmou,

— Hoje, meus olhos tiveram uma visão maravilhosa na sala de exames que me deixou cego para todo o resto. Queria que não precisássemos esperar tanto até a chegada do bebê.

Joe queria um filho. Sem dúvida, torcera para que fosse um menino. Agora que seu desejo seria realizado, ele não queria nem precisava de mais nada. Nem de ninguém...? Como a primeira nevasca de inverno depois de um glorioso e cálido outono, o pensamento a acertou em cheio no coração.

— Aqui está. — A predadora voltara.

Demi achou a coleção adorável, especialmente o cobertor. Ele retratava um castelo e um bosque, e todos os animais, incluindo a raposa, em maravilhosos tons de verde, dourado e vermelho, contra um fiando creme.

— Vamos levá-lo.

A mulher olhou para Joe com um sorriso sedutor.

— Algo mais em que esteja interessado?

— Não — Demi falou por ele. — Já temos tudo de que precisamos. — Ela enfiou a mão na bolsa e pôs dinheiro suficiente sobre o balcão.

Joe não interferiu na conversa, e ela ficou grata por isso. Quando a mulher empacotara tudo, Demi pegou as alças.

— Obrigada pela ajuda.

— A votre service. Volte sempre.

— Não enquanto você ainda estiver aqui — Demi resmungou, apenas para si mesma. Joe devia tê-la ouvido. Quando as portas do elevador se fecharam, ela o ouviu rir até chegarem ao primeiro andar.

Ele a acompanhou porta afora.

— Quero comprar mais uma coisa. A livraria fica à direita.

Curiosa para saber o que ele buscava, Demi o seguiu por um corredor de livros e, depois, por outro, até chegarem à seção infantil. Os aguçados olhos dele procuravam entre os nomes dos autores.

— Ah... Samivel. Era este que eu queria. — Ela o observou puxar um grande livro da prateleira. — Quando chegarmos em casa, vou traduzi-lo para você. — Ele parecia empolgado. — Você vai adorar. — Ela podia sentir a ansiedade dele.

Depois que ele pagou, saíram da loja. Com o braço envolvendo a cintura dela de modo possessivo, ele a acompanhou até o carro, estacionado depois da esquina.

Ela o olhou furtivamente.

— Obrigado pelo dia maravilhoso.

Ele pôs a mão sobre a dela e apertou com delicadeza.

— Ainda não terminou.

Apesar dele fazer aquilo com frequência, ultimamente o corpo dela sentia o toque dele como uma descarga de eletricidade. Demi não conseguia falar. Todos os seus esforços estavam concentrados em abafar as emoções que a dominavam naquele instante.

Eles passaram pelas famosas casas de madeira de Rennes, parte da colorida história da cidade. Perto do final da avenida Motte de Madame eles jantaram em um restaurante especial. Ele ficava nos limites do parc do velho laranjal. Ela adorava os momentos que passavam juntos.

— Há muito o que ver aqui. Depois que o bebê nascer, vamos poder levá-lo para passear no carrinho o quanto quisermos.

Contanto que os três fizessem tudo juntos, ela não tinha do que reclamar.

Eles atravessaram o rio até os arredores da cidade. Quando chegaram em casa e viraram na entrada de carros, ele disse:

— Está na hora de descansar na cama. Foi um dia intenso.

Ele deu a volta para abrir a porta para ela e a seguiu para dentro de casa com os pacotes.

— Vamos subir?

A cada passo nos degraus o coração dela batia mais rápido. Como de costume, ela foi ao banheiro e vestiu uma de suas novas camisolas e um robe. Quando voltou para o quarto, percebeu que Joe havia posto os embrulhos em uma das cadeiras com encosto.

Demi o viu ainda vestido, recostado contra o travesseiro e com o livro nas mãos. Estava descalço. Podia ser um ritual noturno para ela se deitar na cama com ele, mas, ultimamente, a cada vez que fazia isso, achava mais difícil suportar a proximidade dele.

Desde a noite em que ele perguntara se podia beijá-la e ela negara, ele a vinha tratando como se fosse uma querida irmã. Demi não podia culpá-lo por nada, mas, ainda assim, seu nível de frustração estava transbordando.

O olhar dele se dirigiu ao dela.

— Está pronta para a história de ninar, madame Du Lac?

— Sou toda ouvidos. — Ela arrumou o travesseiro para apoiar sua cabeça e se virou de lado para encará-lo. A combinação do calor do dia com o corpo em forma dele tornou a percepção que Demi tinha dele ainda mais potente.

— Este era meu livro preferido quando criança. O meu deve estar em algum lugar do château, mas queria que nosso filho tivesse um só dele.

Demi fez um som impaciente.

— Você já me deixou curiosa a ponto de achar que vou explodir se você não me contar sobre o que é.

Ele virou o livro para que ela pudesse ver a capa.

Goupil, por Samivel.

O desenho da raposa era tão maravilhoso que Demi o pegou e se descobriu devorando cada página de desenhos do livro.

— Oh... olhe as árvores gigantes e os cogumelos...

Todas as criaturinhas da floresta, em tempos medievais, haviam sido desenhados com tamanha energia e originalidade que ela ficou encantada.

— Não me admira que aquela cadeirinha tenha chamado sua atenção. Isto é fantástico. O autor criou um clima que atrai você. Mesmo que não entenda a história.

— Eu costumava admirar esses desenhos por horas. Ainda me perco neles — ele murmurou.

— Consigo entender por quê. Goupil é uma palavra engraçada,

— Era a palavra original em francês para raposa. A história de Goupil Renard surgiu no final do século XII. Sabia que ele se tornou tão popular que um abade do século XIII reclamou que os sacerdotes do mosteiro preferiam decorar as paredes das capelas com animais do mundo de Goupil em vez de com imagens da Virgem?

— O quê? — Demi soltou uma gargalhada.

Joe gargalhou também

— É verdade — ele disse, esfregando seus belos olhos azuis. — Goupil foi criado para zombar de nossa percepção do cavaleiro heróico e da tradição dos nobres. Desenvolvi uma afeição por ele por causa de sua esperteza e seu charme.

"Ele está sempre combatendo Ysengrin, o lobo burro e ganancioso, e Hersent, sua esposa infiel." Mas ele também prega peças para humilhar outros animais da floresta. Apesar de suas intenções às vezes maliciosas, Goupil sempre consegue sua simpatia.

"A história equilibra atributos animais e humanos. Nosso filho só a apreciará quando for mais velho, mas vai adorar os desenhos."

— Ele vai adorar a cadeira. — Ela ergueu o olhar para ele. — Vai ler para mim agora?

Durante a meia hora seguinte ela ficou ali, envolvida não apenas pela história, mas pela voz de Joe. Ele era um narrador nato, que conhecia o conto tão bem que dava ênfase em certas partes, fazendo a história ganhar vida. Demi não queria que ele parasse nunca.

— Eu a fiz dormir? — ele sussurrou.

— Não. Não deixe que meus olhos fechados o enganem. Você é o melhor contador de histórias do mundo.

— É mesmo?

— Sim.

— Ninguém nunca me disse isso antes.

Ela abriu um olho.

— Você já leu para alguém?

— Não que eu me lembre.

— Terá um trabalho em tempo integral depois que Geoff chegar. Eu jamais conseguiria competir com você e esse sotaque.

— O que o sotaque tem a ver?

— Você ficaria surpreso. — Ele não acreditaria se ela lhe dissesse quão sedutor ele soava apenas por ser francês.

Ele mudou de posição, ficando mais perto dela.

— Quer que eu a deixe em paz para que possa dormir?

Ela pensou que Joe fosse perguntar algo muito mais pessoal, e sentiu uma forte decepção por ele não ter feito isso.

— Não. Na verdade, estou bem acordada e queria saber o que foi aquela interrupção no château hoje. Você não enganou nem a mim nem a seu pai. Tinha a ver com Corinne, não tinha? Você estava com medo de dizer e me deixar preocupada?

Os dedos dele brincaram com uma mecha de cabelos cacheados que caíra no pescoço dela. Aquilo fez as chamas se espalharem pelas veias de Demi.

— Nós não íamos pensar nela hoje. Lembra?

— Você está evitando responder minha pergunta. Vou ficar muito mais ansiosa se você não me contar o que está acontecendo.

— Demi...

— Por favor, não me pergunte novamente se confio em você, Você sabe que confio. Agora que estamos casados, você não precisa carregar esse fardo sozinho. Confie em mim. Pode me usar como uma caixa de ressonância,

"Já faz um mês que estamos esperando que ela faça alguma coisa. Agora que ela fez, preciso saber o que foi. Não sou uma criatura frágil."

As sombras escureceram as feições dele.

— Se eu achasse isso, jamais a teria envolvido em algo tão arriscado. Infelizmente, a situação piorou. Estou pensando em mandar você de volta aos Estados Unidos imediatamente, por precaução.

— Contra o quê? — ela gritou. No instante seguinte, se apoiou nos cotovelos para encará-lo.

Os olhos de Joe tinham um brilho de dor que ela não poderia confundir com outra coisa.

— Se eu lhe contar, arriscarei perder sua confiança.

Ela balançou a cabeça.

— Isso jamais aconteceria.

— Você não faz ideia do que eu tenho a dizer. É minha palavra contra a de outra pessoa.

— Se estiver falando de Corinne, já conversamos sobre isso.

— Não é Corinne.

— Então, quem?

Os olhos dele assumiram uma expressão sombria.

— Lembra-se da mulher que me fez esta cicatriz?

— Como poderia esquecer? — ela perguntou com o coração batendo loucamente, com medo do que estava prestes a ouvir. — Por favor, continue — ela implorou.

— Depois que eu a deixei de vez, ela moveu um processo me acusando de estupro, e conseguiu que duas amigas dela testemunhassem dizendo que haviam visto tudo acontecer. Fui levado a um tribunal militar.

"Depois de um mês de interrogatório brutal, fui enviado de volta ao serviço por falta de provas, porque um dos oficiais sob meu comando conseguiu provar que estava com uma das amigas dela naquela noite. Ela não poderia ter visto o que supostamente acontecera."

"Aquela prova diminuiu o crédito do depoimento das outras testemunhas falsas. Além disso, o promotor de justiça que me defendia levou um cirurgião que certificou que o corte que ela fizera no meu pescoço era preciso demais para ter sido feito por uma mulher que lutava contra um estuprador."

"Quando deixei o serviço, não recebi uma medalha de mérito porque sempre estive sob suspeita. Em meu país, presume-se que você seja culpado até que prove que é inocente."

Os olhos dela se encheram de lágrimas.

Sem se dar conta, ela o envolveu com os braços.

— Eu sinto muito — ela sussurrou com o rosto nos cabelos dele, molhando-os. Querendo acabar com a dor, ela não conseguiu evitar beijar o rosto e o pescoço dele. — Você sofreu demais. — Ela chorou contra os olhos e a face dele. — Não é justo. Não com você.

Demi encontrou a boca de Joe.

Querendo provar que acreditava nele, ela o beijou diversas vezes. Beijos curtos, beijos demorados.

— Sei que você é inocente, Joe. Eu sei.

De início ela não achou que o estivesse convencendo. Então, houve uma mudança gradual nele até que ele começou a retribuir os beijos. De repente, foi Demi quem se sentiu engolida.

— Você tem ideia de quanto essas palavras significam para mim? — A voz dele estava trêmula. Ele a apertou com força contra si, revelando uma sede profunda que representava muitas coisas.

Ela se viu tomada pela emoção do desejo que os dominava. Por um momento, perdeu a cabeça. A maravilhosa sensação da boca dele provando a dela se tornara uma necessidade permanente.

Ele a provou profundamente até que os dois parecessem se devorar Demi queria que aquele êxtase continuasse e jamais terminasse.

E aquilo acontecia porque ela percebera que se apaixonara irremediavelmente por ele. Mas não era inocente o suficiente para achar que o desejo dele correspondia à intensidade do seu sentimento.

Joe a beijara por pura necessidade masculina, mas fora ela quem dera início a tudo. Ele se sentia grato por alguém acreditar nele. Mais do que isso, ela carregava a criança da qual ele planejava se tornar pai.

Todos aqueles sentimentos e emoções juntos não significavam necessariamente amor. Ele jamais dissera aquilo. Na verdade, quando propusera o casamento, tomara cuidado para que ela compreendesse que ele não fora motivado pelo amor.

As poucas e imperfeitas mulheres do passado com as quais ele tivera o azar de se envolver haviam cometido o terrível erro de fingir que tinham o amor de Joe. Quando foram obrigadas a encarar a verdade, não foram capazes de lidar com ela, e ainda tentavam crucificá-lo.

Demi não era nem um pouco parecida com elas. A maioria das mulheres não era.

Ela provaria que ele podia confiar nela para honrar seu compromisso e que ela jamais se transformaria cm outra pessoa.

Quando Joe permitiu que ela tomasse fôlego, ela se afastou do corpo dele. A expressão no belo rosto dele se alterou para uma atitude de alarme.

— O que há de errado, Demi? Eu machuquei você por acaso?

Ele se referia ao bebê, claro.

— Deus, não — ela lhe assegurou. Por autopreservação, ela se pôs de pé antes que mudasse de ideia e se afastou dos braços dele. — Acho que preciso ir ao banheiro. — Era a desculpa perfeita que não o magoaria.

Quando Demi voltou para o quarto, ele estava de pé em frente à janela, olhando para o jardim. Ele virou a cabeça escura na direção dela. Sua boca formava uma expressão de dor.

— Estávamos totalmente unidos agora há pouco — a voz rouca comentou. — Então, algo aconteceu. Ainda há alguém dormindo em nossa cama?

Se ao menos ele soubesse que ela não pensava em Richard havia tempo...

— Não, Joe — ela respondeu com honestidade. — Acho que minha cabeça está nessa terrível mulher que lhe fez essa cicatriz. — Ela umedeceu os lábios nervosamente. — O que ela tem a ver com Corinne? Sei que há uma ligação.

Do outro lado da cama ele permanecia de pé, encarando-a como se fosse um adversário. Ela podia senti-lo lutando para conseguir explicar.

— O que acontece naqueles tribunais deve permanecer confidencial — ele começou. — Mesmo assim, de alguma forma, por meio de um contato militar de Odette, Corinne descobriu o que havia acontecido. Está usando essas informações no processo de estupro que moveu contra mim.

— Ela já tem tudo pronto? — Demi não conseguia acreditar.

— Corinne sempre pensa em tudo. A primeira audiência é na semana que vem,

Demi foi tomada pela raiva.

— Ela jamais vencerá.

— Não é o que ela quer. — Ele cruzou os braços. — Está fazendo isso para que a publicidade negativa arruíne a mim e a meu pai perante a sociedade.

— Não consigo entender. Geoff sabe sobre esse tribunal?

— Não. Rezei para que ele nunca descobrisse. Graças a Corinne, tudo estará no noticiário no momento em que o advogado de acusação fizer as acusações contra mim, Como minha esposa, você será perseguida pela mídia. Não pode ficar na França, Demi.

"Se o advogado que contratei conseguir realizar um milagre e impedir que esse caso vá ao tribunal, papa jamais precisará saber. Mas isso significa que terei muito trabalho a fazer em Paris. E é por isso que quero que volte para New Haven."

— Está falando sério?

— Absolutamente.

Ela sentiu o equilíbrio lhe faltar.

— Vou mandar Louise com você, para que não fique sozinha. Ela se afeiçoou muito a você no último mês.

— Oh, Joe.

— Depois que ela ajudar você a se estabelecer, vou contratar alguém para assumir o lugar dela, para ela poder voltar. Se você perdesse nosso bebê, eu não seria capaz de suportar.

De jeito nenhum ela deixaria Joe naquele momento, mas, enquanto ele insistisse em protegê-la, ela não discutiria.

— Quando quer que eu vá?

Demi devia tê-lo surpreendido, porque ele ficou em silêncio por um momento. Ela o observou esfregar o lábio inferior com o polegar, como se tivesse estado esperando uma discussão. Um olhar sombrio e distante ocupou seu rosto.

— Amanhã. Há um voo à tarde saindo de Rennes para New Haven. Vou colocar você nele e, em seguida, irei a Paris. Quando achar que é seguro, vou encontrá-la e trazê-la de volta. Se o pior acontecer e você tiver que ficar lá até que o bebê nasça, eu a visitarei quando puder.

Ele havia planejado tudo.

Bem, ela pensaria num plano próprio. Um sobre o qual ela não tinha a menor intenção de contar a ele.

— Nesse caso, vou dormir agora e descansar o máximo que puder para me preparar para a viagem de volta. Infelizmente, sou daquelas que ficam acordadas durante todo o voo.

Demi observou as mãos dele fazerem movimentos denunciadores, cerrando-as em punhos. Ela ousaria interpretar aquilo como um sinal de que ele não estava feliz com a ideia dela ir embora? Ou estaria simplesmente preocupado com a saúde dele? Provavelmente, a segunda opção.

— Enquanto faz isso, vou conversar com Louise e Jean. Bonne nuit, Demi. — Aquelas palavras significavam que ele demoraria até ir para a cama.

— Quero agradecer de novo pelo dia inesquecível. — Se ela conseguiu ouvir o palpitar na própria voz, ele, certamente, também conseguiu. — Bonne nuit, Joe.