31.8.15

Faça Meu Jogo - Capitulo 1



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Dia das Bruxas – 31 de outubro
DEVERIA TER sido um voo de rotina.
Voar de Pittsburgh para Chicago era o itinerário mais simples que a empresa Clear-Blue Airlines tinha. No Learjet 60, o tempo de viagem seria inferior a uma hora. O tempo estava perfeito, o céu parecia saído de um desenho infantil feito com giz de cera. Azul como um ovo de pisco-de-peito-ruivo, com algumas nuvens brancas fofinhas para definir a cena, e nem uma gota de umidade no ar. Refrescante, não tão frio, provavelmente era o dia de outono mais belo do ano.
Os funcionários da torre de controle estavam alegres, a manutenção do Lear impecavelmente benfeita, uma maravilha. O humor de Demi Bauer estava bom, principalmente porque era uma de suas comemorações favoritas: halloween, o dia das bruxas.
Ela devia ter imaginado que algo iria estragar tudo.
– Como assim cancelado, Sra. Rush? – perguntou ela, franzindo a testa enquanto segurava o celular firmemente ao ouvido. Em pé, à sombra do jato na pista, se apoiou na lateral da escadaria retrátil e ela cobriu a outra orelha com a mão para abafar os ruídos das aeronaves nas proximidades. – Tem certeza? Ela está falando sobre essa viagem há séculos.
– Desculpe, garota, você vai ter de ficar sem seu encontro com suas amigas mais velhas este mês – disse Ginny Tate, a espinha dorsal da Clear-Blue. A mulher de meia-idade fazia de tudo na empresa, desde agendamento de compromissos, passando pela contabilidade, pela encomenda de peças, até a manutenção do site da empresa. Ginny era tão boa em discutir com chefões do aeroporto obcecados sobre todos os planos de voo quanto em garantir que tio Frank, fundador a companhia aérea, tomasse sua medicação para o colesterol todos os dias.
Em suma, Ginny era quem mantinha a empresa funcionando para que tudo que Demi e tio Frank, agora sócios com 60 e 40 por cento da empresa respectivamente, precisassem fazer fosse voar.
E assim estava ótimo para eles.
– A Sra. Rush disse que uma de suas amigas pegou uma gripe e ela não quer viajar, para o caso de ter se contaminado e cair de cama também.
– Ah, que droga – murmurou Demi, realmente lamentando a notícia. Porque ela ficara ansiosa para ver o grupo divertido de mulheres mais velhas novamente. A Sra. Rush, uma viúva idosa e herdeira de uma fortuna do ramo do aço, era uma de suas clientes regulares.
A mulher rica e suas companheiras, cujas idades variaram de 50 a 80 anos, faziam viagens de fim de semana “só para meninas” a cada dois meses. Sempre solicitavam Demi como piloto, e o grupo praticamente a adotara. Ela havia levado as senhoras a Las Vegas para jogar nos cassinos. A Reno para jogar nos cassinos. Ao Caribe para jogar nos cassinos. E a alguns spas entre um cassino e outro.
Demi não tinha ideia do que o grupo havia planejado para o Dia das Bruxas em Chicago, mas sabia que teria sido divertido.
– Ela me pediu para lhe dizer que lamenta muito, e disse que, se precisar, ela vai inventar uma viagem dentro de algumas semanas só para vocês colocarem o papo em dia.
– Você sabe que ela não está brincando, não é?
– Eu sei – respondeu Ginny. – O dinheiro não para na carteira dela, não é? As notas de cem pratas têm molas: ela as coloca lá dentro e elas começam a tentar saltar direto para fora.
Definição bastante precisa. Desde que perdera o marido, a mulher se entregara à missão de desfrutar do máximo possível de sua fortuna. O Sr. Rush não viveu o suficiente para usufruir integralmente dos resultados de seu trabalho, portanto, em memória a ele, sua viúva ia colher cada fruta e espremer até a última gota de suco possível pelo restante da vida. Sem arrependimentos, que era o seu modus operandi.
A Sra. Rush era o mais diferente possível das pessoas com quem Demi havia convivido. A própria família em Stubing, Ohio, era o epítome das cidades do interior: trabalho duro, saudável, uma mentalidade “foco no trabalho até o último dia da sua vida”.
Eles nunca souberam muito bem o que fazer com ela.
Demi tinha começado a se rebelar por volta do primeiro ano do ensino fundamental, quando liderou uma revolta estudantil para que tirassem o feijão fava-de-lima da merenda escolar. A partir daí, foi só corredeira abaixo. Assim que chegou à sétima série, seus pais começaram a procurar por internatos… os quais não poderiam bancar. E quando ela se formou no colegial, com um registro disciplinar igualado apenas por um cara que tinha acabado na prisão, eles praticamente desistiram dela para sempre.
Ela não sabia dizer por que saíra do prumo para caçar problemas. Talvez porque problema fosse uma palavra tão malvista na casa dela. O caminho proibido sempre fora muito mais emocionante que o direto e correto.
Havia apenas um membro do clã Bauer igual a ela em tudo: tio Frank. Seu lema era Viva até seu tanque de combustível esvaziar; e aí continue vivendo. Você vai poder descansar durante sua longa soneca sob a terra quando finalmente sair da pista da vida.
Viva ao extremo; arrisque; vá aos lugares; não fique esperando por nada que você deseja, saia e encontre o que quer, ou faça acontecer. E nunca permita que ninguém o detenha.
Essas foram lições que Demi levou a sério durante sua adolescência, ouvindo as histórias malucas do tio Frank, irmão de seu pai, o qual todo mundo na família reprovava tanto. E eles reprovavam principalmente o fato de Frank parecer ter um estacionamento particular diante da capela de casamento mais próxima, pois já havia se casado quatro vezes.
Infelizmente, ele também caminhava pelos corredores dos tribunais de divórcio com a mesma frequência.
Ele podia não ter sorte no amor, mas era o tio mais leal que já existira. Demi surgira à porta dele em Chicago três dias depois de sua formatura do ensino médio, e nunca mais quis saber do passado. Nem seus pais deram a entender que desejavam que ela devesse fazê-lo.
Ele a recebeu, adaptou o estilo de vida de playboy à presença dela, embora não precisasse. O pai de Demi podia até odiar os hábitos malucos do irmão, mas ela não dava a mínima para a vida sexual do tio.
Desde o primeiro dia, ele assumira um papel meio paterno e começara a perturbá-la para que frequentasse uma faculdade. E também se certificara de que ela visitaria os pais de vez em quando. No entanto, também mostrara o mundo a ela. Abrira os olhos dela de tal forma, que Demi não quis mais fechá-los, nem mesmo para dormir nos primeiros dias.
Ele dera o céu a ela… e asas para explorá-lo, ensinando-a a voar. Por fim, ele a levou como copiloto em sua pequena companhia aérea regional de fretamento, e juntos triplicaram o tamanho da empresa e quadruplicaram seu faturamento.
Entretanto o sucesso veio com um custo, é claro. Nenhum dos dois tinha muita vida social. Até mesmo o mulherengo tio Frank virou praticamente um tipo de muito-trabalho-nenhuma-diversão, uma vez que havia expandido seu negócio para o norte, o sul e a costa leste há dois anos.
Quanto a Demi, além de ter uma vida dos sonhos intensa, quando não estava voando, ficava tão entediada como qualquer solteira de 29 anos poderia ser. Prova disso fora sua decepção por não conseguir passar um dia com um grupo de senhoras que reclamavam de tudo, desde seus filhos preguiçosos até os pelinhos que cresciam nas orelhas de seus maridos. Bem, exceto a Sra. Rush, que nitidamente lembrava às amigas para agradecer pelos pelinhos nas orelhas de seus maridos enquanto elas ainda tinham maridos com pelinhos nas orelhas para serem gratas.
– Bem, tanto planejamento para um Dia das Bruxas divertido – disse ela com um suspiro.
– Querida, se sentar-se em um avião para ouvir um monte de velhinhas ricas resmungando sobre suas últimas injeções de colágeno é a única coisa pela qual você está ansiosa…
– Eu sei, eu sei. – Soava patético. E ela realmente precisava fazer algo a respeito. Fosse investindo em uma vida social de verdade novamente em vez de se atirar no trabalho 14 horas por dia e passar as outras dez pensando em todas as coisas que faria caso tivesse tempo.
Até mesmo imaginando essas coisas.
Ela fechou os olhos, desejando distanciar aquele pensamento. Sua vida de sonhos podia ser rica e intensa. Mas definitivamente não era adequada para o horário de trabalho.
O problema era que desde que Demi percebera o quanto era perigosa para o coração dos homens, ela realmente perdera a vontade de ir atrás deles.
Seu último relacionamento terminou mal. Muito mal. E ela ainda não havia superado a tristeza por causa dele.
– Que pena. A Sra. Rush teria adorado sua fantasia.
– Ai, Deus, nem me lembre – disse Demi com um gemido.
Ela só usara a tal roupa em prol das senhoras. A Sra. Rush havia pedido a ela para relaxar naquela viagem.
Engolindo em seco, Demi olhou ao redor, esperando que ninguém estivesse perto o suficiente para vê-la naqueles trajes. Ela precisava entrar depressa no avião e trocar de roupa, porque ao passo que seu uniforme à moda antiga teria feito suas passageiras gargalharem de alegria, ela não queria particularmente ser vista por qualquer um dos funcionários ou carregadores de bagagem na pista. Isso sem mencionar o fato de que, mesmo que o clima estivesse ótimo, era outubro e ela estava congelando.
O uniforme da Clear-Blue que ela usava normalmente era bem cortado e profissional, muito sério. Calça azul-marinho, blusa branca engomada, feito para inspirar confiança e fazer o cliente esquecer que a piloto estava na casa dos 20 e tantos anos. A maioria dos clientes gostava disso. No entanto, as senhorinhas daquele grupo sempre perturbavam Demi sobre seu senso de moda. Insistiam que ela ficaria muito sensual se tirasse aquelas roupas masculinas e ficasse mais feminina.
Ela olhou para si novamente e teve de sorrir. Não dava para ficar muito mais feminina do que naquele uniforme antigo de comissária de bordo, com botas brancas de verniz e a hot pant que se agarrava ao bumbum e cobria as coxas com uma camada muito fina de tecido.
Parecida saída diretamente de um comercial da Southwest Airlines de 1972.
Para uma fantasia, até que não era ruim se analisasse bem. Ao comprar as roupas vintage on-line, ela realmente teve sorte. A blusa psicodélica estava um pouco apertada, mesmo que não fosse especialmente abençoada no quesito seios, e ela não conseguia fechar o botão do colete de poliéster que complementava o traje. Mas o short acetinado se encaixava perfeitamente, e as botas eram tão lindas que ela sabia que teria de usá-las novamente sem o traje.
– Agora, antes que você vá, e fique preocupada achando que seu dia foi uma perda de tempo total – disse Gina, voltando a soar profissional mais uma vez –, quero que saiba que a viagem não foi em vão. Agendei um passageiro para retornar a Chicago que vai fazer valer a pena.
– Sério? Um passageiro repentino de Pittsburgh, em pleno sábado? – perguntou ela. Aquele não era exatamente um destino visado como Orlando ou Hartsfield International. A Sra. Rush era o único cliente que eles buscavam regularmente naquela parte da Pensilvânia, e a maioria dos empresários não utilizava voos fretados nos fins de semana.
– Sim. Quando a Sra. Rush telefonou para cancelar, ela me contou que um empresário local precisava de uma carona de última hora para Chicago. Ela o colocou em contato conosco, esperando que você pudesse ajudá-lo. Eu disse a ele que você estava lá e que não teria problema algum em trazê-lo com você.
Perfeito. Um voo remunerado, e ela poderia voltar para casa a tempo de comparecer à festa anual de Dia das Bruxas de sua melhor amiga, Jazz.
Daí Demi repensou. Sinceramente, era muito mais provável que ela fosse acabar ficando em casa, devorando um saco de balinhas de goma e caramelos de chocolate enquanto assistia a filmes de terror antigos. Porque Jazz, Jocelyn Wilkes, a chefe dos mecânicos da Clear-Blue e amiga mais próxima que Demi já tivera, era uma doida cujas festas sempre tinham penetras e por vezes terminavam com a presença da polícia. Demi simplesmente não estava no clima para uma grande festa em uma casa com uma tonelada de estranhos.
Para ser sincera, ela preferia muito mais um quartinho com apenas dois convidados. Uma pena que, ultimamente, o único convidado em seu quarto era do tipo que precisava de pilhas e vinha com um manual assustadoramente ilustrado com instruções em coreano.
– Dem? Está tudo bem?
– Com certeza – disse ela, expulsando os pensamentos loucos da cabeça. – Ainda bem que ganho meu sustento atualmente.
Ginny riu baixinho ao telefone.
– Você ganha seu sustento todos os dias, garota. Eu não sei o que Frank faria sem você.
– O sentimento definitivamente é mútuo.
Ela falava sério. Demi odiava pensar em como sua vida poderia ser como se ela não tivesse fugido do mundinho claustrofóbico e fechado no qual morava com a família que tanto a reprovara e se esforçara para mudá-la.
Demi tinha tanto em comum com seus pais frios e reprimidos e sua irmã completamente subserviente quanto tinha com… bem, com as aeromoças ripongas dos anos 1970 que provavelmente usaram aquele uniforme em alguma ocasião. Quando entrou na fila para adquirir seu genes, certamente recebeu muito mais dos genes ousados, livres e “não suporto estabilidade” do que os genes dos pais sisudos e conservadores.
Tinha vários ex-namorados que comprovariam isso. Um deles ainda telefonava para ela quando estava bêbado, apenas para lembrá-la de que havia partido seu coração. É. Valeu. Bom saber.
Mesmo isso, no entanto, era melhor que pensar no último sujeito com quem ela se envolvera. Ele havia se rendido ao amor. Ela havia se rendido ao “isso é melhor que dormir sozinha”. Ao descobrir isso, ele tentou fazê-la sentir algo mais encenando uma overdose. Demi ficou apavorada, acometida pela culpa, e então, quando ele admitiu o que havia feito e por quê, ela ficou totalmente furiosa em vez de sentir compaixão.
Para piorar, ele teve a coragem de pintá-la como a vilã da história. Seus ouvidos ainda doíam com suas acusações de que era uma bruxa fria e sem coração.
Melhor fria e sem coração do que um mentiroso, psicopata e manipulador. Mas também era melhor ficar sozinha do que arriscar se envolver com outro.
Então seu vibrador coreano era a opção.
Algumas pessoas eram feitas para o compromisso, família, essa coisa toda. Outras, como tio Frank, não. Demi era exatamente como ele; todo mundo dizia isso. Incluindo o próprio tio Frank.
– É melhor você ir. O passageiro deve chegar em breve.
– Sim. Eu definitivamente preciso trocar de roupa antes que algum sujeito atraente e sensual me pergunte se quero ficar chapada e fazer amor, e não guerra, em uma manifestação pela paz – respondeu Demi.
– Por favor, não por minha causa.
Aquilo não veio de Ginny.
Demi congelou, o telefone encostado no rosto. Ela demorou um segundo para processar, mas seu cérebro finalmente acompanhou sua audição, e ela percebeu que de fato tinha ouvido uma voz estranha.
Masculina. Grave, rouca. E bem pertinho.
– Preciso ir – murmurou ela ao celular, desligando-o antes que Ginny pudesse responder.
Em seguida movimentou o olhar, espiando um par de sapatos masculinos a menos de meio metro de distância de onde ela estava, à sombra do Lear.
Usando aqueles sapatos estava um homem vestindo calça cinza escura. E muito bem nelas, Demi teve de reconhecer quando ergueu o olhar e viu as longas pernas, os quadris estreitos, a barriga lisa.
Caramba, ele era bonito. Ela sentiu a garganta apertada, a boca seca. Ela se obrigou a engolir em seco enquanto continuava olhando.
Camisa branca, desabotoada no pescoço forte. Braços grossos contra o tecido que os limitava. Ombros largos, um deles coberto pelo paletó pendurado ali, o qual pendia dos dedos másculos.
E então o rosto. Ah, e que rosto.
Queixo quadrado, bochechas com covinhas. Testa alta, cabelo bem preto jogado para trás pela brisa de outono que sobrava por debaixo da aeronave. E ele tinha uma boca incrivelmente maravilhosa, a qual estava curvada em um sorriso. Um sorriso bem largo que sugeria uma gargalhada contida à espreita daqueles lábios sensuais. Ela desconfiava que, por trás dos óculos escuros, seus olhos também estivessem rindo.
Rindo dela.
Maravilha. Um dos homens mais
bonitos que ela já vira em toda sua vida tinha acabado de ouvi-la resmungando
sobre caras lindos e amor livre. Tudo isso enquanto ela parecia Marcia Brady do seriado A Família Sol-Lá-Si-Dó em um teste para ser animadora de torcida.
– Acho que eu devia ter colocado minha calça boca de sino e minha camisa tie-dye com estampas do símbolo da paz – disse ele.
Ela franziu a testa fingindo reprovação.
– Seu cabelo é curto demais e não é grosso o suficiente. – Fazendo um “tsc”, ela acrescentou: – E cadê o bigode?
O sorriso sexy não era nada comparado à risada sexy. Encrenca em dose dupla de qualquer ângulo que você
analisasse.
– Odeio admitir isso, mas não sou fã de Bob Dylan. E acho que realmente não sou capaz de me render aos efeitos terapêuticos do LSD.
– Mas que droga! Se não souber tocar “Blowin’ in the Wind” no violão, temo que terei de jogar você nos motores daquele 747 bem ali.
Ele ergueu as mãos, as palmas expostas.
– Paz! Eu realmente gostei das roupas, maninha – disse ele. – Isso é a maior brasa, mora?
– Uau, você parece o Austin Powers agora.
Estremecendo como se ela o tivesse estapeado, ele murmurou:
– As gatas realmente vão atrás dos rapazes com peito cabeludo?
– Não esta aqui – admitiu ela, com uma risada, já gostando daquele estranho, apesar de seu constrangimento inicial. – Obviamente, se você tiver um calendário, sabe que hoje é Dia das Bruxas.
– É, eu ouvi isso em algum lugar. Isso explica por que passei por um grupo de Hannah Montanas e Bob Esponjas
andando pela rua enquanto eu vinha para cá.
– Não sei se é mais triste a criançada
ter de pedir doces durante o dia, ou você saber quem são Hannah Montana e Bob Esponja.
– Sobrinhos – explicou ele.
A maneira carinhosa com dissera as palavras fez Demi suspeitar de que ele gostava de crianças, fato que geralmente indicava uma boa índole. Ponto para o gostosão.
Correção, mais um ponto para o gostosão. Ele já havia marcado cerca de um milhão de pontos só por ser incrivelmente sexy.
Ela também observou que ele mencionara sobrinhos… ou seja, nada de filhos. Solteiro?
Ele olhou para os outros aviões pequenos nas proximidades e para os poucos funcionários do aeroporto correndo para lá e para cá em meio ao transporte das bagagens.
– Então… ninguém mais foi convidado para a festa a fantasia?
Só ela. Não era sortuda?
– Era para eu ter buscado uma passageira regular nossa, e ela me fez prometer que eu usaria fantasia. Este definitivamente não é meu traje de trabalho habitual.
– Droga. Cá estava eu pensando que, de repente, tinha conseguido permissão para entrar em um clube supersecreto.
Esse é o verdadeiro motivo pelo qual voos fretados são tão populares. Você está dizendo que realmente é só para não enfrentarmos as longas filas da segurança e termos alguma flexibilidade de viagem? Não é por causa das calças coladinhas e botas de vinil?
Ela balançou a cabeça.
– Temo que não. Mas não se esqueça, você também bebe mais que meio copo de refrigerante quente e come mais que quatro biscoitos.
– Bem, está certo então, eu topo.
Demi suspirou, de repente, reconhecendo aquilo que tinha conseguido esquecer. Por apenas um
minuto ou dois, fora capaz de se convencer de que um estranho de passagem a havia notado e se aproximado.
De passagem por uma pista particular, protegida pela segurança?
Acho que não.
Ele não era um transeunte aleatório, ela sabia.
– Ai, diabos. Você é meu passageiro.
– Se você estiver indo para Chicago, acho que sou. – Ele estendeu a mão. – Joe Campbell.
Amaldiçoando a sra. Rush, o Dia das Bruxas e aquela loja on-line de roupas vintage, Demi apertou a mão dele.
– Demi Bauer.
O primeiro contato trouxe uma onda de calor, um lampejo de prazer inesperado e um pouco surpreendente. O aperto de mão durou um segundo demais, talvez tenha sido uma insinuação além de apenas uma saudação informal entre estranhos. E ao passo que o cumprimento fora totalmente adequado, de repente, ela se flagrou pensando em todos os contatos que não tinha há muito tempo, em todos os jeitos impróprios com que a mão forte e máscula poderia deslizar sobre seu corpo.
Luxúria instantânea. Foi genuína.
Quem diria?
Ela o encarou, tentando enxergar seus olhos por trás dos óculos de sol, se perguntando se as pupilas dele tinham se dilatado com interesse imediato do jeito que provavelmente acontecera com as dela. Perguntando-se o que ela faria caso ele retribuísse o interesse.
Controle-se.
Demi infelizmente recuou a mão, deixando-a cair junto à lateral do corpo e deslizando-a pelo quadril coberto de cetim. Seus dedos tremiam enquanto roçavam a pele nua da coxa e ela desconfiava que suas palmas estivessem úmidas.
Obrigando-se a respirar fundo para se acalmar, ela conseguiu dar um sorriso.
– Bem, obrigada por escolher a
Clear-Blue Air. Nós…
– Amam voar, e demonstram isso?
LEVOU UM segundo, então ela captou o antigo slogan. O sorriso desapareceu. Ele era gostoso demais para também ser tão perspicaz e sedutor. Ela só conseguia lidar com um de cada vez, então a coisa toda ficou um pouco mais perturbadora quando tudo foi embrulhado em um pacote extremamente sexy.
Você pode dar conta dele. Pare de suar. Basta ser profissional.
Profissional. Sendo que ela estava vestida para uma manifestação de paz e amor junto ao grupo de hippies locais, e aquele sujeito era tão lindo e adorável. Até parece.
– Vai ser uma viagem rápida – disse ela, apontando para as escadas e recuando para que ele pudesse subi-las primeiro.
De jeito nenhum ela iria primeiro, não com o comprimento daquele short maldito. Suas polpinhas ficariam muito bem protegidas, contanto que ela não se movimentasse muito. Se Demi subisse a escada com Joe atrás dela, no entanto, tudo ficaria imprevisível. Ele
teria uma boa visão, e não seria de Londres, ou da França. Porque o short idiota era grudado ao corpo demais para poder usar até mesmo a calcinha mais sumária por baixo, a menos que fosse um modelo fio dental, o qual ela sequer possuía.
– Espere – disse ele, fazendo uma pausa no último degrau. – Você não vai dizer “Voe comigo” ou, pelo menos, “Bem-vindo a bordo”?
Ela não o fez. A palavra que ela murmurou suavemente foi muito menos acolhedora. E tinha menos letras… cinco, para ser exata.
Ele balançou a cabeça e fez um “tsc”.
– Não exatamente os céus amigáveis. Ainda não captou o espírito desta manhã?
– Mais uma piadinha com slogan de companhias aéreas e você vai a pé para Chicago – disse ela.
Ele assentiu uma vez, então colocou os óculos escuros no alto da cabeça. O movimento revelou olhos azuis que combinavam com o céu. E, sim, eles lhe ofereceram uma piscadela. Droga.
– Entendido. Só, hum, me prometa que vai dizer “Café ou chá?” pelo menos uma vez, sim? Por favor?
Demi tentou lançar um olhar de reprimenda para ele, mas a piscadela foi
certeira em acabar com seu
aborrecimento. Algo irresistível bem no fundinho dela a fez sorrir e pedir:
– Pare de flertar. Comece a viagem.
Ele imediatamente entendeu a vaga referência que ela fez.
– Saquei. – Com um sorriso, acrescentou: – Estou começando a desconfiar que vou experimentar algo de muito especial no ar.
Ela resmungou.
– Você percebe que fica parecendo um nerd completo por conhecer todos esses slogans?
O insulto o pegou de jeito.
– Nerd, é? – Então ele jogou a cabeça
para trás e riu. Um bom humor inato fluía daquele homem sexy que, embora vestido como empresário, não era como qualquer um que Demi já tivesse transportado antes. – Algo me diz que esta vai ser uma viagem inesquecível – disse ele, com calor e vivacidade surgindo daqueles olhos azuis profundos.
Só restou a Demi respirar fundo bem lentamente enquanto subia no avião, pensando na risada e naquela piscadinha, se perguntando por que ambas a tinham feito derreter por dentro. Enquanto ela observava seu passageiro desaparecer no jatinho, também se
questionava sobre a viagem que estava prestes a realizar.
Eles tinham café e chá, e ele era bem-vindo. Mas e quanto a ela? Bem, ela sequer pensara em flertar com um cliente antes. Falta de profissionalismo. Mesmo tio Frank, o garanhão original em pessoa, iria matá-la. Ele jurava nunca misturar negócios com prazer.
E, no entanto, quantas vezes ela de fato conhecera alguém que fosse sensual, engraçado e divertido? Considerando sua condição a respeito de qualquer coisa que se assemelhasse a namoro, talvez um casinho de uma noite com alguém de fora da cidade, alguém que
ela nunca iria ver de novo, fosse a situação perfeita.
De repente algo dentro dela sentiu vontade de arriscar, de ousar um pouco. Talvez fosse culpa do estilo brincalhão e perigoso daquela data festiva: Demi sempre adorara o Dia das Bruxas. Podia ser culpa da mudança fortuita de passageiros, saindo do grupo de velhinhas lelés para um rapaz
extremamente sexy. Talvez fosse culpa do traje. O short estava comprimindo sua intimidade “aberta alerta e pronta para negócio”, a costura fazendo coisas indecentes em suas partes femininas repentinamente latejantes.
Quanto tempo fazia desde que ela havia feito coisas indecentes, ou decentes, aliás, com um homem sexy? Não desde que concentrara todas as energias na expansão da Clear-Blue Air, no mínimo. Demi não tinha tempo nem para um almoço com um namorado em potencial, quanto menos para qualquer coisa como os momentos de luxúria que ela tanto apreciara em sua juventude. Do tipo que se prolongava por fins de semana inteiros e que envolviam não sair da cama, exceto para pegar algum tipo de comida sensual que pudesse ser espalhada e lambida em cima do corpo gostoso, nu e salpicado
de suor de alguém.
Fechou os olhos, a mão agarrando o corrimão com firmeza. Seu coração acelerou no peito e ela tentou se obrigar a andar. Mas não conseguia nem subir nem descer de volta também. Não fisicamente, nem mentalmente.
Ela estava realmente cogitando isso?
Deus, não tinha sequer verificado a mão esquerda de Joe Campbell para se certificar de que ele estava disponível. E não fazia ideia se ele estava realmente atraído por ela, ou se era apenas um flerte irresistível. Mas algo dentro dela lhe dizia para tentar alguma coisa com aquele completo estranho.
Era loucura, algo que Demi nunca havia cogitado. No entanto, agora, neste momento, ela estava definitivamente pensando no assunto. Se ele estivesse disponível… ela teria coragem de fazê-lo? De seduzir um estranho? De ter uma aventura anônima com um sujeito aleatório, como algo saído de um filme da madrugada na TV a cabo?
Ela não sabia, mas parecia bom. Dada a loucura atual de sua vida… seu horário de trabalho, viagens, compromissos com o tio e com a empresa dele, além de sua aversão a qualquer coisa que ainda se assemelhasse a “acomodação” conforme
ela sempre soubera, essa ideia toda de aventura soava muito boa.
A viagem a Chicago foi curta, então Demi precisou decidir rapidamente.
Embora, de fato, desconfiasse que a decisão já estivesse tomada. E quando ela colocou o pé no primeiro degrau e começou a subir, de repente teve a sensação de que estava prestes a embarcar na viagem da sua vida.

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Angels amanhã começa a maratona, como eu faço curso a tarde vou deixar programado pra vocês. Quero muitos comentários. 
xoxo

30.8.15

Faça Meu Jogo - Prólogo


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Dia de Colombo – 12 de outubro

– SABE QUAL é o seu problema?

Joe Campbell sequer olhou para cima quando a porta de seu escritório foi aberta, e a voz familiar de sua tia-avó mandona e extremamente intrometida invadiu a calma manhã de outubro que havia sido relativamente tranquila até então. Porque aquela era uma pergunta um tanto capciosa.

Hum. Problema? Que problema? Ele tinha um problema?

Ser forçado a aceitar um emprego para o qual não estava pronto, não tinha planejado, sequer desejava? Isso meio que era um problema.

Ser empurrado para o tal cargo porque seu pai havia morrido inesperadamente, com apenas 55 anos? Além de ser uma tragédia completa, certamente era um problema.

Lutar contra concorrentes que tinha imaginado que o consideravam um bobalhão quando ele entrara em cena para administrar uma grande cervejaria aos seus 20 e poucos anos? Problema.

Lidar com funcionários de longa data que não gostaram das mudanças que ele estava implementando no negócio da família? Problema.

Terminar um relacionamento porque a mulher não tinha gostado que ele, um sujeito hedonista, agora tivesse tantas responsabilidades? Problema.

Caminhar na corda bamba com os membros da família que passaram de lhe implorar para manter tudo do jeito que estava, e se ressentiram por todos os seus esforços para ocupar o lugar de seu pai dignamente? Tremendo problema.

– Você me ouviu?

Ele finalmente deu total atenção à tia-avó Jean, que sempre cedera à vontade de abrir todas as portas fechadas que encontrava. Ele teve de sorrir quando flagrou seu chapéu vermelho e casaco chamativo cheio de lantejoulas. Envelhecer graciosamente nunca passara pela cabeça de sua tia. Muito menos guardar suas opiniões para si.

– Ouvi – respondeu ele.

– Bem, você sabe qual é?

O que ele não sabia era por que ela estava perguntando. Porque ela não queria uma resposta. Perguntas retóricas como aquela sempre davam abertura à saraivada de investidas “que não são da sua conta” à vida particular de todo mundo por parte da senhorinha.

Ele se recostou na cadeira.

– Seja o que for, tenho certeza de que você está prestes a me dizer.

– Insolente – censurou ela fechando a porta. – Você está entediado.

Sério mesmo?

– Você tem 29 anos e está sufocando. Há dois anos não tinha uma folguinha, um tempinho para respirar.

Ele permaneceu quieto, em silêncio. Cauteloso. Porque até agora sua tia-avó dogmática e excêntrica estava totalmente, cem por cento correta.

Sufocante. Essa era uma boa palavra para descrever sua vida atual. Um adjetivo adequado para a sensação frequente de que um peso insuportável havia pousado em seu peito e o estava segurando no lugar, incapaz de se mexer.

Conforme tia Jean dissera, seu tempinho para respirar tinha sido roubado, seu ímpeto, detido. Todo pensamento fervoroso estava congelado, atrelado ao momento em que uma estrada escorregadia e uma curva sem visibilidade mudaram tudo que ele e sua família conheciam sobre suas vidas anteriores.

– Você precisa de um pouco de emoção. Uma aventura. Há quanto tempo não faz sexo?

Joe tossiu com a mão em concha o ar que havia acabado de inspirar e que se alojara em sua garganta.

– Tia Jean…

Ela resmungou:

– Ah, por favor, poupe-me. Você precisa transar.

– Nossa, você não pode assar bolos, tricotar ou fazer qualquer outra coisa, como uma tia-avó normal?

Ela o ignorou.

– Você transou desde que aquela estúpida da Tate tentou obrigá-lo a escolher entre ela e sua família? – Sem esperar por uma resposta, ela continuou: – Você precisa fazer algo além de lidar com sua mãe triste, suas irmãs briguentas e o delinquente juvenil do seu irmão.

Ele endureceu, a reação foi um reflexo.

– Ah, não fique indignado, você sabe que é verdade – rebateu ela. – Amo todos eles tanto quanto você, somos uma família. Mas até mesmo maçãs da mesma árvore ficam bichadas às vezes.

A mulher amava suas metáforas.

– Eis aqui como você pode resolver isso.

– Eu sabia que em algum momento você ia me dizer o que fazer.

Ela o ignorou.

– Você simplesmente deve arranjar uma aventura.

– Está bem, entendi. Uma aventura chegando – disse ele revirando os olhos deliberadamente. – Devo telefonar para o Disque-Loucura ou simplesmente visitar o site vamosficarpirados.com?

– Você não está tão velho a ponto de eu não poder dar uns cascudos.

Ele sorriu.

– Naquela vez em que você me deu uns cascudos, quando eu era criança, coloquei sapos na sua poncheira pouco antes de uma festa.

Um brilho de diversão iluminou os olhos dela.

– Então faça isso de novo.

Joe franziu a testa.

– Perdão?

– Seja louco. Faça algo divertido. Largue essa pose de empresário cauteloso e seja o rebelde durão que você já foi certa vez.

Rebelde durão? Ele? O sujeito recentemente eleito Empresário Jovem do Ano?

– Até parece…

Ele não sabia o que soava mais estranho: ele ser aquela pessoa, ou sua tia-avó idosa usando o termo rebelde durão. Daí, novamente, ela havia acabado de perguntar sobre a última vez que ele tinha transado, uma pergunta que Joe não queria nem contemplar na própria mente.

Ela o encarou.

– Não pense que me esqueci de quem precisei salvar da prisão durante as férias da faculdade. E do sujeito que acabou levando duas meninas para o baile de formatura. Ou que contratou uma stripper para aparecer na casa do diretor do colégio.

Ah, aquele rebelde durão. Joe tinha esquecido tudo a respeito dele.

– O mundo já foi seu parque de diversões. Vá brincar nele novamente.

Brincar? Ser livre, isento de responsabilidades?

Joe olhou para os arquivos em sua mesa. Havia uma montanha de formulários de compras, requerimentos, folhas de pagamento, cópia de anúncios publicitários, documentos jurídicos… Tudo necessitando da atenção dele. Da assinatura dele. Do tempo dele.

E também havia sua agenda pessoal, repleta de obrigações familiares: consertar o carro da irmã, conversar com o treinador do irmão… cumprir funções paternas das quais não imaginara que fosse se encarregar por pelo menos mais uma década.

Tudo era responsabilidade dele. Não em uma década. Agora.

Não era a vida que ele tinha imaginado para si. Mas era a vida que ele tinha. E não havia nada que ele pudesse fazer a respeito.

– Esqueci-me de como se faz isso – murmurou ele.

Ela ficou calada por um longo instante, e então a senhora, cujo nível de energia contradizia sua idade, riu baixinho. Havia certo tom naquela risada, tanto dissimulado quando sorrateiro.

– O que quer que você esteja pensando em fazer, esqueça.

Ela fingiu um olhar de mágoa.

– Eu? O que eu poderia fazer?

Ele era esperto para ser enganado pelo discurso de senhora-boazinha. Ela usava desse subterfúgio desde sempre, e tinha sido a ruína de muitos dos membros mais ingênuos da família.

– Vou deixar um bilhete avisando que se eu for sequestrado por uma trupe de palhaços de circo, a polícia deverá falar com você.

Ela fez um “tsc”.

– Ah, meu garoto, palhaços de circo? Isso é o melhor que você consegue inventar? Estou magoada… você me subestimou.

– Tia Jean…

Ignorando-o, ela se virou em direção à porta. Antes de sair, no entanto, olhou para trás.

– Eu tenho a maior confiança em você, querido. Não tenho dúvidas de que, quando o momento certo se apresentar, você vai aceitar o desafio.

Soprando um beijinho breve e tilintando as pulseiras caras que decoravam seu braço magro, ela saiu. Joe estava livre para voltar ao trabalho. Mas, em vez disso, passou alguns minutos pensando no que sua tia-avó Jean dissera.

Não tinha dúvidas de que ela estava certa sobre o fato de ele estar entediado. Reprimido. Sufocado. Mas sua solução de pirar um pouquinho não era a resposta. Não para a vida que ele estava vivendo agora. Não quando tanta gente contava com ele. Sua família. Seus funcionários. Seu falecido pai.

Além disso, não fazia diferença. Nenhuma oportunidade para brincar, conforme ela dissera, se apresentava para ele há muito tempo. Há mais de dois anos. A palavra nem mesmo fazia mais parte de seu vocabulário.

E, francamente, Joe não via possibilidade de aquilo mudar tão cedo.

~

Hey gente, fic nova no ar. Se tiver bastante comentário faço maratona.
Pra quem perguntou de "A Sexóloga", ela está parada no momento.
xoxo

28.8.15

Dois Pequenos Milagres - Epilogo

Ava e Libby, e todos os convidados, estavam reunidos no jardim de rosas do chalé, para vê-los fazerem seus votos.

Os amigos queridos estavam lá, assim como a mãe dele, Linda, e Richard; Jane e Peter com os filhos; John Blake e seu companheiro; Andréa, com a filha e o gen­ro; e Stephen, Dana e o filhinho deles; além das outras pessoas do trabalho que conseguiram ir até lá, como Gerry, de Nova York, e o Sr. Yashimoto, de Tóquio. As meninas usavam vestidinhos lindos e, apesar de estarem sob os cuidados de uma babá, eram mimadas por todos os convidados.

Demi usava seus diamantes, o maior como um pingente em uma correntinha curta e dourada e os outros dois como brincos. Havia rosas em seus cabelos para lembrar a ambos que a vida deveria ser apreciada.

Eles estavam juntos afinal, frente a frente, debaixo do arco de rosas em seu jardim, enquanto John Blake pedia a atenção de todos os presentes. Aquela não era uma ceri­mônia formal, eles queriam que tudo fosse muito simples: apenas duas pessoas que se amavam falando uma para a outra sobre a verdade em seus corações, tendo como tes­temunhas seus entes queridos.

Demi não estava nervosa, pois tudo aquilo parecia tão certo, tão belo e perfeito. Joe ali na sua frente segurando suas mãos, os olhos fixos nos dela, o amor que ele sentia por ela transparecendo em cada pequeno gesto, mais bri­lhante que qualquer diamante.

— Prometi que iria amar você — disse ele —, mas eu não sabia o que isso realmente significava até que a perdi. Prometi que a honraria e depois não valorizei sua presen­ça ao meu lado. Prometi que iria apreciar a sorte de tê-la em minha vida e não notei que estava partindo o seu co­ração. Mas, agora, sou capaz de entender isso tudo. Sou capaz de apreciá-la, de dar valor à pessoa incrível que você é, e juro, perante nossos entes queridos, nunca mais cometer esses erros. Vou cometer outros, provavelmente, ser falível que sou, e peço desculpas adiantadas. Mas es­pero nunca mais feri-la ou desapontá-la. Espero nunca mais magoá-la, Demi. E prometo que sempre terei tempo de parar e sentir o perfume das rosas com você. E vou amá-la sempre, sempre, com todo meu coração, enquanto viver.

Ele enfiou a mão no bolso de seu paletó e tirou de lá um anel de diamante que era o perfeito complemento para o pingente e os brincos.

— Ah, Joe! — disse ela, quase sem fôlego.

— Eles são da mesma pedra, devem ficar juntos — dis­se ele de forma simples. — Como nós, juntos pela eterni­dade. Eu amo você, Demi.

Ela sorriu, então respirou fundo e disse:

— Eu também o amo, Joe. Sempre o amei, mesmo quando pensei odiá-lo. Tomei de você algo que jamais poderei devolver, o nascimento de nossas filhas. E sinto muito por isso. E juro, perante nossos entes queridos, que agora finalmente aprendi que posso e devo confiar em você, não importam as circunstâncias, que sem você não sou nada. Você é minha vida, meu amor, meu coração, Joe. E eu sempre, sempre o amarei.

Ambos com lágrimas nos olhos, eles sorriram para o futuro que os aguardava e para essa nova vida que acabara de começar. Joe tomou Demi nos braços e, ainda sorrin­do, selou os votos deles com um terno beijo, cheio de pro­messas felizes.

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Mais um final chegou. Obrigada a todas as meninas que acompanharam.
Uma nova história está vindo.
xoxo

26.8.15

Dois Pequenos Milagres - Capitulo 10

John não deu um retorno para Demi sobre a cotação de valor para a casa. Talvez ele não tivesse conseguido en­contrar seu amigo, ela pensou, ou talvez tivesse outras coisas na cabeça. O amor tinha um jeito de distrair uma pessoa de suas prioridades, e ela deveria saber bem disso. Ela deixara Joe distraí-la a semana inteira. Desde a noite da segunda-feira, quando ele finalmente voltara de Londres, ele andava distraindo Demi com seu sorriso sexy e pregui­çoso e com suas promessas.

— O que está errado? — perguntara ela a Joe, familiar demais com as mudanças de humor dele para confiar na­quela. — Conheço essa cara; você está tramando alguma coisa.

E ele sorrira, aquele sorriso malicioso e sensual, baten­do na lateral do nariz.

— Sábado — prometera ele.

— Então, você está aprontando alguma.

— Seja paciente — dissera ele, e se recusara a dizer mais alguma coisa.

Mas não era só isso. Quando ele lhe dissera que iria sair para correr, ela olhara da janela do quarto para o vale, e o vira parado, com a mão junto ao ouvido.

Segurando um celular.

Mas ela estava com o celular de Joe, como ditava o acordo deles; portanto, ele deveria ter conseguido outro, e o estava usando em segredo. Trapaceando? Ou preparan­do uma surpresa? Mas, se fosse esse o caso, por que ele não podia simplesmente lhe contar, já que ela já sabia, e usar o telefone da casa fora do alcance de seus ouvidos?

Porque aquilo não tinha nada a ver com ela, nada a ver com o sábado. Sábado, obviamente, era o Dia dos Namo­rados. Seria bastante atípico de Joe se lembrar de uma data como aquela, mas talvez Andréa lhe tivesse avisado, e ele tivesse encomendado flores, ou algo assim. Eles não iriam sair para jantar, por causa das gêmeas. A menos que ele tivesse contratado uma babá, e ela não ficaria nada feliz com isso, a menos que verificasse os antecedentes da garota primeiro; e já era a tarde de quinta-feira, e não ha­veria tempo de pedir referências e entrevistá-la. E, de qualquer forma, levá-la para jantar não explicaria o moti­vo para aquele ar de excitação reprimida, que Joe sempre tinha quando a adrenalina lhe corria nas veias. Ela deveria saber; já tinha visto aquilo centenas de vezes, quando ele estava prestes a fechar um acordo, acertando detalhes complicados com negociações delicadas. Joe era bri­lhante, e aquilo lhe dava vida, mas também trazia um lado dele com o qual era impossível conviver. E Demi tinha uma sensação horrível de que tudo estava acontecendo de novo.

Demi quase telefonou para Andréa, mas pensou melhor. Ela perguntaria diretamente a Joe. Eles estavam chegan­do ao fim do prazo de duas semanas, na segunda-feira, e ela esperaria para ver o que ele faria no sábado, e qual seria a famosa surpresa que ele estava planejando. E, se Joe achasse que poderia simplesmente pedir a ela que voltasse para ele, e continuar como antes, bem, ela teria que lhe dizer "não".

Oh, Deus. Ela não queria pensar sobre aquilo. Ela se sentia doente só de pensar, mas algo definitivamente es­tava acontecendo, o que a fazia se sentir ainda pior. Além de tudo, ele não havia falado em procurar uma nova casa, ou em se mudar, ou em algo do tipo desde a segunda-fei­ra; e, para ser honesta, ele não falara sobre nada daquilo então, apenas telefonara para um corretor, e ela descobri­ra aquilo acidentalmente. Fora só no final de semana an­terior que ele estivera todo animado, procurando proprie­dades na Internet.

E, desde então, não houvera nada sobre casas novas ou tentar equilibrar o trabalho e a vida; mas ele a paparicara a semana inteira, mimando-a durante o dia, preparando-lhe bebidas, brincando com as gêmeas, levando o ca­chorro para passear. E, todas as noites, ele a levara para a cama e fizera amor com ela até que Demi não conseguisse mais pensar direito. E, tola que era, ela ficara mais que feliz com tudo aquilo.

Na terça-feira, ele levara Demi e as gêmeas para a praia novamente, para outra caminhada pelo litoral, e desta vez eles haviam levado Murphy. O cão ficara ensopado com a água do mar, mas parecera se divertir muito. E Joe não se importara em carregar o animal molhado e coberto de areia no banco de trás do carro.

Era curioso. Ele teria ficado louco, antigamente, só de pensar naquilo. E, na quarta-feira, ele aspirara o pó da casa inteira e lavara o chão da cozinha, e depois eles passaram a tarde no jardim, trabalhando nas roseiras, enquanto as crianças dormiam. O tempo estava lindo novamente, e eles conseguiram adiantar bastante o trabalho, arrancando er­vas daninhas, plantando novas mudas e organizando os canteiros. E, naquele dia, ele a mandara tomar café com Jane mais uma vez, enquanto lavava as roupas dos bebês.

Todas aquelas atitudes eram inéditas. Seria porque ele a amava, ou porque estava tentando atraí-la de volta para sua vida sem ter que fazer as mudanças necessárias? Ela ficou parada ali, observando-o a distância, falando ao te­lefone, e se perguntou se ele a mandara tomar café com Jane duas vezes naquela semana só para tirá-la de seu ca­minho. E se ele, cada vez que levara o cachorro para pas­sear, ficara secretamente falando ao telefone, planejando uma nova fusão ou aquisição.

Demi deu um suspiro profundo e se afastou da janela. Se era aquilo que ele queria dizer com diminuir as operações...

Ela pensou nos planos para as cocheiras, guardados si­lenciosamente na gaveta do estúdio, e se sentiu traída. Eles poderiam ter tido tanto, ela pensou, mas ele não estava jogando de forma justa. Ele desobedecera às re­gras, e não estava levando as coisas a sério. E ela não poderia esperar até a segunda-feira. Ela não poderia espe­rar até o sábado. Queria respostas agora. Naquela noite.

A campainha tocou, e ela foi para o andar de baixo para atender a porta.

— Entrega para o Sr. Gallagher — um entregador de capacete lhe informou. — Assine aqui, por favor.

— Claro.

Ela assinou, fechou a porta e colocou o pacote na mesa da cozinha. Em seguida, preparou uma xícara de chá e se sentou, olhando para a encomenda, desconfiada.

O que seria aquilo?

Era um pacote pequeno e muito leve. Parte do plano de sábado? Ou algo a ver com negócios?

Não havia nada no pacote que revelasse o remetente, mas a procedência era Londres. Isso foi tudo o que ela conseguiu deduzir, por causa do número de telefone da empresa de entregas, na placa da motocicleta do entrega­dor. E mesmo aquilo poderia estar errado.

Ela não podia abrir o pacote. Ou ver o que tinha dentro, pensou ela, cheia de suspeitas.

Precisou se controlar para não sacudi-lo.

— Demi?

— Estou na cozinha.

Ele entrou, com o cachorro enlameado ao seu lado, e Murphy correu para ela, esfregando-se contra sua perna.

— Oh, seu monstro, você entrou no rio! — gritou ela, e Joe o puxou para sua caminha.

— Desculpe-me por isso. Murphy, fique quieto. Está tudo bem?

Ela olhou nos olhos dele, desafiadoramente.

— Eu não sei, diga-me você. Sobre o que foi aquele telefonema?

Droga.

Droga, droga e droga. Ela deveria tê-lo visto. Oh, dia­bos. Ele pensara estar fora do alcance das vistas dela, mas começara a andar, como sempre fazia quando estava pen­sando, e deveria ter se aproximado novamente de casa. E ela o vira.

— Desculpe-me. Era Andréa.

— Eu acho que não. Ela deveria entrar em contato com você através de mim.

— Era urgente.

— E você simplesmente tinha outro celular?

Ele sentiu uma onda de calor lhe subir pelo pescoço, e desviou os olhos.

— Demi, muita coisa está acontecendo. Eu não queria...

— O quê? Obedecer às regras? Não minta para mim, Joe!

— Eu não estou mentindo. Estou tentando resolver as coisas.

— Pensei que você tivesse uma equipe para fazer isso por você.

— Eles precisam de orientação.

— Precisam? Ótimo para eles. Você recebeu uma en­trega. Eu assinei o recebimento. — Ela olhou decisiva­mente para a mesa, e ele viu um pequeno pacote sobre ela.

O último elemento de seu plano. Ele o deixou ali. Do jeito que as coisas iam, ele talvez não precisasse do pacote.

— Obrigado. Olhe, Demi, eu sinto muito pelo telefo­nema...

— E quanto a esta manhã? Você também estava falan­do ao telefone?

A verdade deveria estar escrita no rosto dele, porque ela deu um suspiro exasperado e se levantou.

— Eu não posso fazer isso, Joe. Não posso viver com as suas mentiras. Ou damos tudo de nós a esta tentativa, ou não damos. E você não está dando o seu melhor, então, é isso. Sinto muito. Quero que você vá embora. Agora.

Oh, inferno. Ela estava à beira das lágrimas, e todos os planos dele estavam voando pela janela. Joe xingou bai­xinho e estendeu a mão para ela, mas ela se afastou e cor­reu para as escadas. Ele ouviu a porta do quarto dela bater às suas costas, e, um segundo depois, o som horrível, do­loroso, dos soluços de Demi.

E então uma das gêmeas começou a chorar.

Droga.

Justo quando as coisas pareciam estar indo tão bem.

*****

Ele correu para o andar de cima, foi para o quarto das crianças e tirou Ava do berço.

— Shhh, querida, está tudo bem. Venha cá, não acorde a Libby. — Mas Libby estava acordada, e começou a choramingar, e ele a pegou no colo, também. Joe carre­gou as gêmeas para o andar de baixo e lhes preparou uma mamadeira, dando-lhes um pedacinho de banana para mastigar enquanto isso, e procurou algumas fraldas secas perto do fogão.

Ele não queria levá-las de volta para cima, mas também não iria embora; não enquanto Demi ainda estivesse cho­rando, e nem quando ela parasse. Joe podia ouvi-la em seu quarto, e os soluços dela o estavam dilacerando. Ele queria ir até ela, mas não podia deixar as crianças sozi­nhas. As duas eram aventureiras demais, e provavelmente aprontariam alguma, cairiam e se machucariam, e ele ja­mais se perdoaria se isso acontecesse. Mas os soluços de Demi eram agonizantes, e ele não podia deixá-la sozinha por mais tempo. Joe correu para o andar de cima, bateu na porta do quarto e entrou.

— Demi, por favor, deixe-me explicar — disse ele.

— Não há nada para explicar. Você teve sua chance. E a desperdiçou.

— Foi só um telefonema!

— Dois, pelo menos — disse ela, sentando-se na cama e virando-se, seu rosto lavado em lágrimas. — E estes são apenas os que eu descobri!

— Tudo bem, foram três, na verdade. Mas, até onde eu sei, cuidar dos negócios para que a família não seja preju­dicada não é uma ofensa mortal...

— Não distorça as minhas palavras.

— Não estou distorcendo. Só estou dizendo que foram apenas alguns telefonemas. Não posso parar de trabalhar para sempre, só porque você decidiu que não quer mais participar dos negócios! Você sabia o que eu fazia, e o que o meu trabalho envolvia, antes de se casar comigo.

— Mas nós temos os bebês, agora.

— E você me abandonou antes de saber que estava grá­vida, portanto não as envolva nisso. Elas não têm nada a ver com isso — estourou ele. E, de repente, Joe percebeu que não aguentaria mais, e que talvez ela estivesse certa.

— Eu fiz tudo o que pude para fazer isso funcionar, e o que você fez? Você me espionou, não confiou em mim, no meu empenho de fazer o melhor por nós, e se recusou a se comprometer. Bem, eu sinto muito, não posso mais conti­nuar com isso, e como obviamente nada será suficiente para você, talvez você esteja certa. Talvez eu deva vol­tar para Londres e recuperar o que sobrou dos meus negó­cios. E não precisa se mudar desta casa — completou ele, apontando um dedo na direção dela para maior ênfase.

— Vou pedir ao meu advogado que entre em contato com você. Tomarei as devidas providências para que você fi­que numa posição confortável, mas não por você. Isso é pelas crianças. E eu as verei, e farei parte das vidas delas. Mas não farei parte da sua, e você vai ter que conviver com isso, e eu também.

Sem dar mais uma palavra, ele foi para o quarto, atirou suas coisas na mala e desceu as escadas.

As gêmeas estavam brincando no cercadinho, e olha­ram para ele, sorrindo.

— Papa! — gritou Ava, levantando-se, e ele respirou fundo, controlando o soluço que ameaçava escapar-lhe do peito.

— Adeus, meninas — ele sussurrou baixinho e, abaixando-se, deu um beijo em cada uma, acariciou a cabeça de Murphy e saiu. As chaves do carro utilitário estavam na cozinha, mas ele jogou a mala no carro esporte, bateu a porta e saiu pela estrada antes que se enfraquecesse e voltasse, implorando a ela para mudar de ideia...

Ele se fora.

Ele realmente se fora. Entrara em seu lindo e sexy car­ro, apanhara suas roupas e se fora sem olhar para trás. E ele estava certo. Ela fora terrivelmente injusta, esperando que somente ele fizesse todas as mudanças, desistisse de tudo para que ela não precisasse abrir mão de nada. E, agora que ela possuía tudo, exceto ele, se sentia arrasada.

E, como Demi não sabia mais o que fazer, telefonou para Andréa e lhe contou tudo.

— Oh, Demi! Oh, não! Oh, eu não acredito! Ele não lhe contou o que estava planejando?

— Planejando? Pensei que tivesse algo a ver com o Dia dos Namorados.

— Oh, bem, talvez fosse então que ele estivesse plane­jando lhe contar tudo. Você conhece Joe; ele gosta de fa­zer tudo a seu próprio modo. Mas, Demi, você precisa lhe dar uma chance de se explicar. Você não faz ideia do que ele abriu mão por você... tanto! Estamos todos espantados. Você precisa ouvi-lo, precisa lhe dar uma chance. Ligue para ele. Anote o telefone novo dele e ligue para ele agora. Se ele aparecer por aqui, farei com que ligue para você.

Mas Joe não atendeu, nem telefonou, e ela não podia deixar as coisas assim.

— Venham, meninas — disse ela, e, agasalhando-as com seus macacõezinhos e casacos, ela as colocou no car­ro, acomodou Murphy na traseira e seguiu para Londres, com o pacote que havia sido entregue para ele no banco da frente, junto com os planos para as cocheiras.

Só por precaução.

Joe foi direto para o escritório, mas, depois de esta­cionar o carro, permaneceu sentado por vários minutos antes de perceber que não podia continuar daquela for­ma. Não assim. Não com um controle tão frágil das pró­prias emoções. Então, voltou para o apartamento, abriu a porta para o terraço e ficou ali, com as mãos enfiadas nos bolsos do jeans de que jamais precisaria novamente, olhando tristemente para as águas turvas do Tâmisa, lá embaixo. O Tâmisa não se parecia nada com o riacho pequenino e cristalino que corria paralelo ao jardim do "Chalé das Rosas". Aquele era um rio de verdade, com peixes, salamandras e aves, com texugos, raposas e coe­lhos bebendo de suas águas à noite, e garças pescando durante o dia. E ele nunca viveria ali com ela, agora. Nunca teria a chance de sair pela porta do escritório às 5h da tarde e caminhar pela estrada até sua casa, sendo rece­bido por seu cachorro e abraçado por suas filhas e sua linda, amada mulher.

Oh, droga. Ele não iria chorar. Aquilo já passara. Ele havia chorado todas ás noites, durante um ano inteiro, e não o faria novamente. Estava acabado. Terminado.

Ele tomou um banho, vestiu algo que seu alfaiate reco­nheceria e jogou o jeans no lixo.

Não, aquilo era uma estupidez. Ele precisaria do jeans quando estivesse com as meninas, pensou, e os jogou na cesta de roupa suja, saindo de casa em seguida.

Joe não sabia para onde estava indo, ou por que, mas não podia mais ficar ali, pensando nela.

Ele não estava lá, mas o carro dele estava. Demi falara com o administrador do prédio e estacionara em uma vaga de visitante. Ele não a reconhecera, mas reconhecia o de­sespero quando o via, e ela parecia bem desesperada. O rapaz ainda lhe ajudou a tirar o carrinho dos bebês do car­ro, desdobrá-lo e colocar as crianças nele, e segurou o ca­chorro até Demi estar pronta para subir.

— Ele está esperando a senhora?

— Não, mas eu tenho a minha chave. Está tudo bem. Obrigada pela sua ajuda.

Durante a subida pelo elevador, o coração de Demi esta­va martelando, mas, ao chegar ao apartamento, ela viu que estava vazio. Ele estivera em casa, entretanto. Ela po­dia sentir o cheiro do sabonete dele, e sua mala estava jogada sobre a cama, o conteúdo espalhado por toda parte. A geladeira estava vazia, exceto por algumas garrafas de vinho branco e um pouco de alface murcha em um saco plástico. Ele nunca comia? Ou talvez tivesse desligado a geladeira antes de ir para Nova York, que era o que ele deveria ter feito na segunda-feira anterior. Céus, apenas dez dias antes. Parecia muito, muito mais tempo. Talvez ele tivesse ido fazer compras?

As meninas estavam impacientes e Murphy estava cor­rendo pelo apartamento, farejando tudo. Ela o soltou no terraço, e esperou que ele tivesse o bom-senso de não pular. Por favor, Deus. Ela jamais poderia telefonar para John Blake e contar-lhe aquilo.

Voltando para dentro de casa, Demi olhou ao redor na sala de estar, que parecia um campo minado. Se ela tirasse as meninas do carrinho, elas se meteriam em todo tipo de encrenca. A mesinha de centro de vidro, para começar, tinha pontas afiadas e duras, e havia todo tipo de coisa na sala que as gêmeas poderiam apanhar. Controles remotos, fones de ouvido, vasos altos, peças de decoração que po­deriam cair em cima delas e matá-las facilmente. E o piso de madeira encerada era muito pouco adequado para duas garotinhas aventureiras. Portanto, elas ficaram onde esta­vam, no carrinho, e Demi aqueceu o jantar delas no micro-ondas, alimentando-as ao mesmo tempo. Em seguida, ela as tirou do carrinho, uma de cada vez, amamentou-as e trocou suas fraldas.

Ela estava colocando Libby de volta no carrinho quando ouviu a porta da frente se abrir, e os pés de Joe para­ram bem na frente de sua linha de visão. Demi apertou o cinto de segurança da garotinha e se sentou nos calcanha­res, encontrando os olhos dele, vazios e sem expressão.

— Que diabos você está fazendo aqui?

Ela não sabia. Só sabia que estivera errada, e disse a única coisa que parecia fazer algum sentido:

— Eu sinto muito.

Por um instante, ela pensou que ele fosse se virar para ir embora, mas Joe deu um passo em sua direção.

— Pelo quê? Quero dizer, especificamente?

— Por ter sido uma idiota egoísta, irracional e exigen­te? — disse ela com os olhos cheios de lágrimas. — Por me recusar a me comprometer? Por esperar que você fi­zesse todas as mudanças? Por não confiar em você, nem lhe dar a chance de se explicar? Eu não sei — continuou ela, a voz trêmula. — Eu só sei que não posso viver sem você, e sinto muito se o magoei, sinto muito se arruinei tudo para você. Andréa me disse que não podia acreditar...

— Você andou falando com Andréa? Ela assentiu.

— Ela me deu o número do seu celular, o número novo. Eu tentei telefonar, mas estava desligado.

— A bateria descarregou, e eu não estava com o carre­gador no carro. Então... o que ela lhe contou?

— Nada. Só o quanto todos ficaram chocados com o que você tinha feito, mas eu não sabia o que você tinha feito, porque você não me contou, e ela também não, e eu ainda não sei, Joe. Que diabos você fez de tão horrí­vel por minha causa? O que eu o fiz fazer? Por favor, conte-me!

Ele deu um suspiro trêmulo.

— Você não me fez fazer nada. Eu escolhi fazer. Eu quis fazer. Eu só estava desabafando, porque tudo deveria ser tão maravilhoso, e mais uma vez parece que eu fiz tudo errado. — Ele se virou e foi até a porta, abrindo-a e saindo para o terraço. — Murphy? — disse ele, parecendo surpreso, e o cachorro agitou a cauda e lambeu as mãos de Joe, que se abaixou, abraçando o animal enquanto Demi observava e esperava.

— Oh, Joe, por favor, diga-me o que você fez — sus­surrou ela, e, como se tivesse ouvido, ele voltou para dentro e sentou-se, puxando o cachorro pela coleira e segurando-o.

— Isso não vai funcionar. Não há nenhum lugar para as meninas dormirem, o cachorro vai destruir a casa em um minuto, e eu já a vendi... e, de qualquer forma, eu quero me sentar com você e discutir isso direito. Vamos para casa.

— Casa? — Ele vendera o apartamento? Joe deu um sorriso cansado.

— Sim, Demi. Casa.

Foi uma viagem terrível, e apenas aquela palavra a mantivera sã. Não que algo ruim tivesse acontecido, mas Demi estava com os nervos à flor da pele o tempo todo, ansiosa para chegar em casa e descobrir o que ele havia feito, do que ele estava falando, e se, depois de tudo o que fizera e dissera, ela ainda tinha uma chance. A palavra "casa" continuava a ecoar em sua mente, entretanto, e o fato de que ele vendera o apartamento a sustentara duran­te todo o trajeto de volta ao chalé.

Eles colocaram as meninas na cama, trancaram o ca­chorro na cozinha e foram para a sala de estar. Estava frio, e Joe acendeu a lareira e apagou as luzes. E, sentando-se no chão, encostado ao sofá, ele a puxou para si e passou os braços em torno dela.

Demi podia sentir o calor do corpo dele de um lado e o brilho do fogo do outro; a mão de Joe acariciava seu ombro ritmicamente. Mas ela também podia sentir que ele tremia, e soube que Joe não estava nem perto de sentir a calma que aparentava.

— Tudo bem. Vamos imaginar que é a noite de sábado e eu acabei de cozinhar o jantar para você.

— Oh, Joe...

— Shhh. E estamos aqui, com café e chocolates, e foi um dia adorável, e as meninas estão dormindo. Certo?

— Certo.

— E eu vou lhe fazer uma proposta, e quero que você pense sobre ela, e me dê uma resposta quando tiver tido tempo de examiná-la e certificar-se de que vai ser boa para você. Certo?

— Certo — ecoou ela, novamente. — Então... qual é a proposta?

— Bem, em primeiro lugar, John está vendendo a casa.

— Eu sei. E...

— Shhh. Escute. E eu obtive uma cotação de preço.

— Quando?

— Na terça-feira, enquanto estávamos na praia, e hoje, enquanto você estava tomando café com Jane. Falei com dois corretores. E falei com John, passei as informações para ele, e concordamos a respeito do preço.

— Mas...

— Shhh. Você vai ter sua chance de falar em um minu­to. Bem, John me disse que consultou um arquiteto no passado, e que falou com ele sobre uma possível conver­são dos prédios. Na verdade, ele disse que já tinha alguns planos desenhados, e que achava que eles estavam no ar­mário do estúdio, mas ele está trancado, e eu não pude olhar. De qualquer modo, isso é irrelevante, porque os planos provavelmente, estarão obsoletos, mas teoricamente os membros do conselho municipal estão dispostos a dar um parecer favorável para a conversão dos prédios em escritórios, e eu posso transferir o escritório de Londres para cá. E vendi minha parte da operação de Nova York para Gerry.

Ela olhou para ele, confusa.

— Você vendeu a operação de Nova York?

— Não posso ir andando para lá, portanto é muito longe — disse ele, com um pequeno sorriso. — Esse era o meu parâmetro. E não posso ir andando até Londres, portanto estou transferindo o escritório para cá e trazendo todos que querem vir. Stephen, a mulher e o bebê, Andréa, a filha e o marido, e vários outros membros da equipe. E os que não quiserem vir terão boas cartas de referência e um generoso pacote de transferência para poderem se re­estruturar.

Ela olhou para ele, atônita. Não era de admirar que Andréa estivesse chocada.

— Nova York Tóquio? Ele deu um sorriso cansado.

— Ah, bem, Yashimoto e eu já havíamos conversado a respeito disso, e eu já estava disposto a vender. De alguma forma... — Ele se interrompeu e engoliu em seco, e seus dedos apertaram-lhe o ombro com um pouco mais de for­ça. — De certo modo, depois de todos os problemas que o acordo nos causou, eu nunca me senti bem a respeito dele. E eu reergui a empresa dele, e ela está indo bem, então eu fui bem-sucedido. E não perdi dinheiro; apenas não o ar­ruinei quando vendi a empresa de volta para ele.

Demi inclinou a cabeça e olhou para Joe.

— Você realmente iria vendê-la de volta para ele? Por­que eu estava me sentindo tão mal a respeito disso tudo, depois de todo o trabalho que você teve, preparando-se para a fusão, e agora Nova York também...

Ele sacudiu a cabeça, pressionando um dedo contra os lábios dela para silenciá-la, e sorriu.

— Está tudo bem. Estou feliz. Então, tudo depende de você, agora. Andréa diz que virá me ajudar com a transfe­rência, mas não pode trabalhar em horário integral, por­que sua filha é deficiente física e está para ter o primeiro bebê. Portanto, isso só vai funcionar se você dividir as tarefas com ela. Mas a vantagem é que você terá o controle da minha agenda — completou ele, com um sorriso. — Então, o que me diz, senhora Gallagher? Quer tentar? Ou ainda lhe parece muito? Porque, se você realmente quiser, eu largo tudo, me aposento e vou aprender tecelagem, se isso for preciso para que eu possa ficar com você e as meninas. Porque eu percebi hoje, depois de deixar você, que não poderia fazer isso, não poderia deixá-la, porque a amo demais.

O sorriso dele desapareceu por um instante, e ela perce­beu que ele estava sendo totalmente honesto. Demi ergueu a mão e lhe acariciou o rosto com ternura.

— Oh, Joe. Eu o amo, também. E você não precisa aprender tecelagem. Eu adoraria voltar a trabalhar com você. Sinto saudades. Eu só não podia continuar fazendo apenas isso, excluindo todos os outros aspectos da minha vida, mas uma divisão de tarefas... isso soa interessante. E gosto da idéia da agenda.

Ele deu uma risada trêmula, e apertou-lhe o ombro gen­tilmente.

— Eu pensei mesmo que você gostaria. — Joe a aper­tou ainda mais contra si, ergueu-lhe o queixo e beijou-a, lenta e ternamente. Então, levantou a cabeça e sorriu para ela. — Há só mais uma coisa, mas não sei onde está o pacote que foi entregue mais cedo. Espero que ainda este­ja com você.

— Está no carro. Eu vou buscá-lo.

E, levantando-se, ela correu até o carro, apanhou o pe­queno pacote e os planos, que estavam no banco da frente, e levou tudo para dentro, ajoelhando-se ao lado dele.

— Aqui está. E estes são os planos. Eu consegui uma cópia com o arquiteto, outro dia. Ele mora aqui no vilarejo, e eu conversei com ele. John deveria entrar em contato comigo sobre um possível preço para a casa, para que eu pudesse falar com você. E aqui está uma estimativa do preço da conversão e das reformas, também, mas isso era apenas para um escritório pequeno.

Joe franziu a testa.

— Mas... por que você está com tudo isso? Eu fiz John jurar segredo.

Ela sorriu para ele.

— Eu também, e ele não me disse uma palavra sobre você, a não ser para dizer que achava que deveríamos ficar juntos e que, se isso fosse nos ajudar, ele ficaria mais do que feliz em nos vender a casa. Foi tudo. E eu pensei que poderia lhe dar a opção de transferir parte da sua operação para cá, para você poder dividir o tempo entre Suffolk e Londres, para que você não se sentisse infeliz, e, se não desse certo, pelo menos eu saberia. Ele colocou os planos de lado.

— Eu não me sinto infeliz — disse ele firmemente. — Nem um pouco. Eu me sinto incrivelmente abençoado. Sei que foi um ano difícil, mas acabou, e agora estamos juntos, e não quero que jamais nos separemos de novo.

— Nem eu — murmurou ela. — E eu sinto muito por não ter dito a você que estava grávida. Eu deveria ter contado. Eu queria contar, mas realmente não pen­sei que você gostaria de saber. Se eu tivesse alguma ideia do que você tinha passado com Debbie, não teria hesitado.

Ele a beijou gentilmente.

— Eu sei. E a culpa foi minha. E também foi culpa minha você ter se aborrecido hoje, quando me viu escapu­lir com o telefone para falar com John. Se eu tivesse com­partilhado tudo com você... mas não, você sabe como eu sou. Eu queria fazer-lhe uma surpresa. Eu queria chegar para você, e tirar os planos da cartola como um mágico faz com um coelho, mas o tiro saiu pela culatra e explodiu na minha cara. Então, nada mais de segredos, certo? Nada mais de guardar nossos sentimentos, e nada mais de sus­peitas. Temos que confiar um no outro, mesmo que não saibamos o que está acontecendo.

Ela assentiu lentamente.

— Eu confio em você. Quero confiar em você. Era só que... eu conheço a expressão no seu rosto quando você está prestes a fechar um acordo, e você estava assim a semana inteira, e eu sabia, sabia que havia alguma coisa acontecendo. Algo grande. Algo importante.

— E estava. Eu estava planejando o nosso futuro. Não posso pensar em nada mais excitante do que isso. Aqui está. Tenho algo para você. — E ele abriu o pacote, reti­rou dele uma pequena caixa, e abriu a caixa cuidadosa­mente, retirando uma pequenina bolsa de couro amarrada por uma fita. Em seguida, virou-se, e ficou ajoelhado diante dela.

— Estenda a sua mão — disse ele suavemente, e ela a estendeu, pensando que fosse um anel. Ele nunca lhe dera um anel, exceto a aliança de casamento, e fora ela quem a comprara.

— Do outro lado. — Oh. Não era um anel, então. Es­condendo o desapontamento, ela virou a mão, e ele sacu­diu a bolsinha sobre a palma da mão de Demi, até que algo caiu dela. Alguma coisa fria e brilhante, e incrivelmente linda. Três coisas, na verdade.

— Joe?

— Você nunca teve um anel — disse ele, com a voz rouca. — Só a sua aliança de casamento, porque nós casa­mos tão depressa e tão silenciosamente que não houve tempo ou necessidade, ou... bem, não. Havia necessidade, mas eu não a via na época. Mas deveria ter visto, e deveria ter percebido que você merecia uma cerimônia mais pú­blica. Mas, como eu pareço fazer tudo errado, pensei que você deveria dar sua opinião sobre isso, e lhe comprei três diamantes. Um para nós, e os outros dois para comemorar o nascimento de nossas lindas filhas. E eu não sei o que você vai querer fazer com eles, mas pensei que poderia ser um anel, ou um par de brincos, ou um anel da eterni­dade, ou um colar... eu não sei. Você decide.

— Eles são lindos — disse ela, encantada. — Mara­vilhosos.

— São diamantes brancos perfeitos. Foram cortados em Antuérpia, da mesma pedra, e, se você quiser mais, podemos comprar alguns, para fazer outro anel, ou o que você quiser. Eles têm outros, pequeninos, também da mesma pedra. Mas pensei que poderíamos mandar fazer uma joia, para que eu possa dá-la para você em junho.

— Em junho?

— Quando as roseiras florescem — disse ele, suave­mente. — Eu sei que pode parecer um tanto sentimental, mas realmente quero renovar nossos votos. Eu quase perdi você, Demi, e foi só então que percebi o quanto você significa para mim, Eu quero uma chance de contar aos nossos amigos o quanto a amo, e como tenho sorte de ter você, e quero ficar ao seu lado no nosso jardim, sentindo o perfume das rosas.

— Oh, Joe. — Os olhos dela se encheram de lágri­mas. — Eu disse isso a você.

— Eu sei, e você estava certa. Nunca tivemos tempo de sentir o perfume das rosas, mas teremos tempo agora. Po­deremos fazer isso todos os verões, pelo resto das nossas vidas, se você me quiser.

— Oh, Joe. Claro que eu quero você. Eu o amo. Ele deu um sorriso trêmulo.

— E eu a amo, também, e sempre amarei. — E, tomando-lhe as mãos nas suas, ele a puxou para si, abaixou a cabeça e a beijou.

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Fiquei triste pelos só 2 comentários no capítulo anterior. Vai gente, vocês são melhores do que isso. Vocês não sabem quanto um comentário nos deixa feliz. Se manifestem leitores fantasmas. Quero muitos comentários para o epílogo.
xoxo