13.8.15

Dois Pequenos Milagres - Capitulo 6

— É melhor eu fazer algumas ligações — disse ele, quan­do eles se sentaram para tomar café, na manhã seguinte. — Avisar Andréa.

— E quanto à sua mãe? Ele fez uma careta.

— Ah, sim. Ela também.

— Vou pegar o seu telefone — disse ela, e correu para o andar de cima para apanhar o celular na segurança de seu quarto. Ela voltou para baixo e o entregou a ele. — Você parece ter algumas chamadas perdidas que escapa­ram ao radar de Andréa — disse ela.

— Preciso lidar com algumas dessas chamadas.

— Não duvido. Você tem uma hora — disse ela. E, pe­gando os bebês no colo, levou-os para cima, deu-lhes ba­nho e os vestiu.

— Vocês vão conhecer a sua avó hoje — ela lhes con­tou com um sorriso. — Ela vai adorar vocês. — Mas Linda poderia não ser muito simpática com a nora, Demi perce­beu com tristeza, e seu sorriso desapareceu. Um ano in­teiro, mais de um ano na verdade, sem contato com Joe enquanto ele procurava por ela não poderia ter causado uma boa impressão em sua sogra, e Demi lamentava por isso. Mas como ela poderia ter mantido contato sem infor­mar Joe de seu paradeiro? Não poderia, e aquilo a fez sentir outra pontada de culpa. Joe podia não ser o mais razoável dos maridos, mas nunca escondera nada dela, e Demi estava começando a perceber o quanto agira errado ao não contar a ele que estava grávida.

— Oh, Ava, não! — gritou ela, estendendo o braço e segurando a menininha antes que ela caísse para trás. — Quando foi que você aprendeu a ficar de pé? Você vai ser uma pestinha, não é? — Ava sorriu e deu uma gargalhada, e, segurando a beirada do cobertor nas mãozinhas gordas, levantou-se novamente. — Você é uma encrenqueira — disse Demi, e percebeu que Libby estava engatinhando pela porta e indo em direção ao topo das escadas. — Libby! — chamou ela, e correu atrás da filha, encontrando Joe sentado no primeiro degrau com a menina nos braços, es­fregando o nariz no dela e rindo.

— Acho que você precisa de um portãozinho — ele disse, e ela assentiu.

— Preciso, sim. Eu comprei um, mas não encaixa. Não é largo o suficiente. Eu estava mesmo pensando em pro­curar outro.

— Vou me encarregar disso — disse ele, e, levantando-se, ergueu Libby no ar, jogando um beijo para a filha.

Céus, Joe jogando beijos? Talvez houvesse esperança, afinal de contas...

Andréa era incrível. Rápida, eficiente, velha demais para Joe, caso Demi estivesse preocupada, e quase tão temida quanto um peixe carnívoro; mas ela só precisou olhar uma vez para os dois, naquela manhã, e sorriu.

— Ótimo — disse ela para Joe. — Você finalmente está parecendo um ser humano. Você precisava mesmo de umas férias.

— Estou ficando louco — disse Joe com sinceridade, mas Andréa simplesmente sorriu para ele, e voltou sua atenção para Demi.

— E então, ele está se comportando? Demi revirou os olhos.

— Mais ou menos. Ele continua a tentar roubar o celu­lar de mim.

— Bem, era de se esperar. Ele joga duro, e você deveria saber disso.

— Mas não se trata de um jogo.

— Não, e eu acho que ele sabe disso. Se não soubes­se, não estaria aqui com você. Agora, se eu puder to­má-lo emprestado por algum tempo, há várias coisas urgentes que ele precisa resolver, e então você poderá tê-lo de volta.

— Você pode vir — ele disse a Demi. — Ver com seus próprios olhos o que estamos fazendo.

— Ficaremos bem — disse ela, decidindo confiar nele, e acomodou-se em uma cadeira em seu antigo escritório, com os bebês a seus pés, olhando ao redor.

Era estranho como tudo lhe parecia distante, e ao mes­mo tempo familiar. Nada mudara realmente, apenas ela; e ela mudara a ponto de não ser mais reconhecida, aparen­temente, se o olhar sem expressão do homem que colocou a cabeça para dentro da porta significava alguma coisa.

— Oh, desculpe-me. Eu estava procurando por Andréa — disse ele.

Ela sorriu para o rosto familiar.

— Olá, Stephen — disse Demi, e ele olhou com mais atenção para ela.

— Demi?

— Eu mesma — disse ela com leveza, imaginando se deveria se sentir lisonjeada ou não, e Stephen deu uma risada alta.

— Ora, como você está? Eu pensei... — ele se inter­rompeu, claramente incerto do que dizer, e pela primeira vez ela se perguntou sobre o impacto público que seu de­saparecimento tivera na vida de Joe.

— Andei ocupada — disse ela secamente, e ele olhou para as meninas, e deu outra risada.

— Estou vendo. É incrível. Eu não fazia ideia.

Joe também não, mas ela não iria discutir sua vida pessoal com um dos funcionários dele, mesmo que ele ti­vesse sido seu amigo um dia, e fosse um dos braços direi­tos de Joe que ele mais confiava.

mais confiável.

— Então, como está Yashimoto?

— Espantado. Você sabia que Joe está vendendo a empresa de volta para ele?

Foi a vez dela olhar para Stephen com atenção.

— Está?

— Sim, aparentemente. Eu não pude acreditar. Ele lu­tou tanto para virar o jogo, e agora parece estar se entre­gando. Ainda assim, a empresa está em situação muito melhor agora, e Yashimoto fará um trabalho bem melhor com os conselhos de Joe. E ele está feliz. Mas é Joe que eu não consigo entender. Pensei que você estivesse sabendo de tudo, já que estava tão envolvida com o acor­do inicial.

Ela sacudiu a cabeça.

— Joe e eu não conversamos mais sobre negócios.

— Não. E uma boa ideia, não levar o trabalho para casa. Isso não se parece com Joe, mas filhos mudam as pessoas. Você sabia que tivemos um menininho?

Ela sorriu.

— Não, não sabia. Parabéns, e certifique-se de passar bastante tempo com ele.

— Farei isso. Por enquanto, é melhor eu ir para a reunião.

— Eu acho que eles estão no escritório de Joe.

— Obrigado. Foi ótimo vê-la de novo.

Ele fechou a porta e a deixou lá, pensando na bomba que ele jogara em seu colo. Quando Joe decidira vender a empresa de Yashimoto de volta para ele? No dia ante­rior? Hoje? Ou muito antes, e ela não soubera simples­mente porque eles não discutiam negócios, como dissera a Stephen?

Ela não fazia ideia, mas estava confusa da mesma forma. Aquilo significaria que ele a estava levando a sério e diminuindo seus compromissos de trabalho? Ou era algo que ele já estava planejando? Ela precisava saber, porque a diferença era crucial. Não queria começar a pensar que ele estava fazendo mudanças importantes em sua vida, quando ele poderia estar apenas seguindo um de seus in­críveis palpites.

Oh, bem. Ela descobriria mais tarde. Enquanto isso, ti­nha coisas mais importantes com que se preocupar, por­que dentro de pouco tempo estaria reencontrando sua sogra, e estava se sentindo curiosamente apreensiva.

Ela não precisava ter se preocupado.

Linda Gallagher olhou apenas uma vez para ela e as meninas, levou a mão à boca e irrompeu em lágrimas.

— Oh, Demi, minha menina querida... minha querida, minha querida! — E, sem dar mais uma palavra, tomou-a nos braços e abraçou-a com força.

Demi tentou controlar as próprias lágrimas e a abraçou de volta, e, quando as duas se separaram, Linda começou a soltar exclamações de surpresa para os bebês, e choran­do nos braços de Joe, apertando-o contra si até que Demi pensou que as costelas dele fossem se partir.

— Entrem, entrem, todos vocês. Richard? Olhe, é o Joe, e ele trouxe a Demi, e...

E ela começou a chorar de novo.

— Demi?

Richard, o novo companheiro de Linda, a observou por um momento, deu um sorriso tímido e beijou-lhe o rosto.

— É bom vê-la de novo. E você tem estado ocupada.

— Um pouco — disse ela. — Sinto muito por jogar uma bomba dessas no colo de vocês. Parece ser um dia cheio delas.

Porque Joe decidira vender a empresa para Yashimoto naquela manhã, pelo que ela descobrira. Então, ele estava mesmo levando Demi a sério, e tomando medidas extre­mas para mudar as coisas.

Joe estava tomando conta dos bebês, carregando um sob cada braço e entrando em casa ao lado da mãe, que paparicava as meninas, dava gritinhos de alegria e enxu­gava as lágrimas; e Richard a ajudou a tirar as cadeirinhas do carro e levá-las para dentro, para que as crianças pu­dessem se sentar e almoçar.

— Estou tão feliz por você estar aqui — disse Richard baixinho, ao fechar a porta. — Linda sentiu muitas sauda­des suas, e Joe tem sido... bem, difícil nem sequer come­ça a descrever.

Ela sacudiu a cabeça.

— Eu lamento muito.

— Não, não se preocupe comigo. Mas Linda provavel­mente merece uma explicação, quando você estiver pron­ta para lhe dar uma, e... bem, isso é entre você e Joe, re­almente. Mas é ótimo ver você de novo, e ver Joe feliz. E um pai. Isso não é algo que pensássemos ver um dia.

— Não, nenhum de nós imaginava isso.

Bem, não enquanto ele estivesse casado com ela, pelo menos, com os problemas médicos dela. Mas, aparente­mente, milagres aconteciam, e ela tivera dois. Três, se o fato de Joe estar mudando sua vida fosse algo em que confiar. Ela ainda não tinha certeza, mas só o tempo pode­ria dizer.

Enquanto isso, Demi seguiu Richard até a sala de estar e encontrou Linda no chão, encostada no sofá, e Libby su­bindo no colo da avó, enquanto Ava ia direto para a mesa de canto, sobre a qual havia um vaso de plantas.

— Não, acho que não — disse ela, desvencilhando os dedinhos da filha das pernas de cerejeira da mesa. — Você precisa ser amarrada, mocinha. Venha dizer "oi" para a sua avó. — E, virando Ava para o outro lado, ela a conduziu pela sala segurando-lhe os dedinhos, enquanto a menina tentava valentemente se manter em pé sobre as perninhas.

— Ela vai andar logo — disse Linda, sacudindo a cabeça. — Como Joe. Ele era um pesadelo. E esta aqui não vai ficar muito atrás — disse ela, segurando Libby, que estava tentando subir em seus ombros e chegar ao sofá. — Como você consegue dar conta das duas?

Demi deu uma risada cansada.

— Oh, eu não tenho ideia. Está ficando pior a cada dia. Eu pensei, quando estávamos na UTI depois da minha ce­sariana, que não poderia ficar pior...

— Você fez uma cesariana?

A expressão no rosto de Joe era de choque, e Demi percebeu que não lhe contara nada a respeito do nasci­mento das gêmeas.

— Sim — disse ela suavemente. — Eu precisei. As aderências estavam muito sérias e eles não me deixaram nem pensar em ter um parto normal, especialmente com 33 semanas.

O rosto dele estava cinzento. Ela não imaginava por que a ideia de uma cesariana o chocara tanto, mas ele obvia­mente estava perturbado, e ela percebeu que fizera mais uma coisa errada. Oh, Joe.

— Ei, está tudo bem, estamos todas bem — ela garan­tiu a ele, mas Joe continuava pálido.

— Você deveria ter me telefonado — disse Linda, gen­tilmente. — Eu teria ido ajudá-la.

— E contado a Joe?

O rosto de Linda se contorceu, e ela engoliu em seco, mordendo os lábios.

— Desculpe-me. Não é da minha conta.

— Não é você — disse Demi rapidamente. — Nós está­vamos tendo problemas...

— Você estava tendo problemas. Eu estava focado de­mais na minha própria vida para perceber — disse ele, sua sinceridade e honestidade surpreendendo-a mais uma vez.

— Demi comentou comigo ontem que eu sou apenas 11 anos mais novo do que papai, quando ele morreu. E eu não quero ter o mesmo destino.

— Ótimo — disse Linda, seus olhos se enchendo de lágrimas. — Ele era um homem bom, o seu pai, mas não sabia quando parar, e eu andava tão preocupada com você. Talvez isso tenha sido exatamente o que você precisava para cair em si.

— Bem, esperemos que sim — disse Demi baixinho.

— Linda, eu gostaria de aquecer um pouco de comida para elas. Elas vão começar a gritar daqui a pouco; tive­ram uma manhã bem longa.

— Claro que sim. Venha até a cozinha; os homens po­dem cuidar das crianças por um minuto.

E, Demi pensou realisticamente, aquilo daria a Linda a chance de ralhar com ela pelo que fizera. Mas ela não o fez, pelo menos não logo; Linda simplesmente colocou a chaleira no fogo, a comida dos bebês no micro-ondas, e então se virou e deu um abraço em Demi.

— Oh, eu senti sua falta — disse ela, soltando-a. — Eu compreendo que você não podia entrar em contato comigo, se achava que não devia falar com Joe, mas eu senti saudades.

— Eu senti sua falta também — disse ela com um nó na garganta. — Teria sido bom ter uma mãe, quando elas es­tavam no hospital. Eu tinha Jane, mas ela acabara de ter seu próprio bebê, e era difícil para ela.

O rosto de Linda tinha uma expressão perturbada e, de­pois de um momento, ela disse:

— Você se importa se eu lhe perguntar algo? Por que você não disse a ele que estava grávida? Foi por causa de Debbie?

— Debbie? — perguntou Demi, uma sensação ruim de presságio invadindo-a. — Quem é Debbie?

O rosto de Linda era uma mistura de emoções confli­tantes.

— Ele não lhe contou? — disse ela por fim, e Demi sa­cudiu a cabeça.

— Eu não sei nada a respeito de alguém chamada Debbie. Quem é ela? Não me diga que ele está tendo um caso...

— Não! Pelo amor de Deus, não, nada desse tipo. Oh, meu Deus... — Ela cobriu a boca com a mão e olhou para Demi, e então sacudiu a cabeça e agitou as mãos como se estivesse procurando uma saída. — Humm... eu sinto muito, eu não devia ter dito nada. Não sou eu quem deve lhe contar essa história. Você vai ter que perguntar ao Joe. Oh, meu bom Deus, eu não posso acreditar que ele não lhe contou.

— Isso tem algo a ver com o fato de Joe não querer filhos? — perguntou Demi, observando Linda cuidadosa­mente, mas ela obviamente achava que já tinha dito o bas­tante, e sacudiu a cabeça, erguendo a mão.

— Não, eu sinto muito, querida. Não posso lhe contar nada. Você vai ter que conversar com Joe, mas... vá com cuidado. Naquela época... não, você vai ter que perguntar a ele, não posso lhe dizer mais nada. — Ela se endireitou, com os potes de comida dos bebês nas mãos, e deu um sorriso. — Venha, vamos alimentar as meninas. Eu nunca pensei que seria avó, e não pretendo perder nem mais um minuto.

Eles tiveram uma tarde maravilhosa. Depois do almo­ço, que Linda preparara depois de uma visita rápida ao supermercado mais cedo, quando Joe telefonara para di­zer que lhe fariam uma visita, eles levaram os bebês para um passeio em Hampstead Heath.

— Deveríamos ter trazido Murphy — disse ele, mas Demi apenas riu.

— Eu acho que não. Ele está melhor em casa. Ele seria um pesadelo com toda essa lama, e a casa da sua mãe não é exatamente projetada para cachorros, com todo aquele carpete branco.

— Tudo bem — disse Joe com um sorrisinho. — Tal­vez você esteja certa.

— Claro que eu estou certa. Eu estou... — Ela se inter­rompeu, e ele a observou, pensativo.

— Sempre certa? — arriscou ele, e Demi sacudiu a ca­beça, e as lágrimas que ela evitara derramar antes daquela semana encheram seus olhos pela centésima vez.

— Eu sinto muito.

— Ei, pare com isso. Estamos tendo um dia feliz. — Ele estendeu a mão e, depois de um instante, ela entrela­çou os dedos com os dele e os apertou, mas havia uma parte dela que se perguntava se ele estava fazendo um tea­tro, por causa de sua mãe. Mas ele não continuou seguran­do a mão dela por muito tempo, porque o carrinho ficou preso e ele teve que ir ajudar Richard a erguê-lo para subir os degraus; então, sua mãe lhe tomou o braço e começou a conversar com ele, e Júlia ficou sozinha com Richard e os bebês.

— Ele está com uma aparência melhor.

— Tinha que estar. Joe estava acabado, quando che­gou na segunda-feira. Eu fiquei chocada. Eu já havia con­vencido a mim mesma de que ele não se importava...

— Não se importava? — Richard deu uma risada abafa­da. — Oh, não. Ele se importava. Eu nunca vi um homem tão torturado. Ele ficou arrasado quando não conseguiu encontrá-la. Eu realmente acho que ele imaginou que você estivesse morta.

Oh, Deus. Ela fechou os olhos por um segundo e trope­çou, mas Richard segurou-lhe o braço, apertando-o afetuo­samente.

— Vocês vão resolver tudo juntos — ele disse, confortando-a. — Dê tempo ao tempo.

Ela estabelecera um prazo de duas semanas, e quase um terço daquele prazo já se passara. Era quinta-feira agora, e ele aparecera na segunda. Então, restavam mais dez dias. Aquilo seria suficiente para convencê-la de que ele muda­ra? Ou para ele saber na que estava se envolvendo?

Ela não sabia. Mas Yashimoto estaria fora da jogada muito em breve, e aquilo significava que não haveria mais viagens a Tóquio. Se Joe pudesse fazer o mesmo com as operações de Nova York, e só tivesse seus negócios no Reino Unido para administrar, talvez tudo ficasse bem.

Enquanto isso, contudo, ela precisava encontrar um meio de perguntar a ele sobre Debbie. E, até que Demi sou­besse exatamente quem ela era e o que significava para ele, não fazia idéia do que o futuro lhes reservava. Ela só sabia que, se Linda estivesse certa, Debbie era extrema­mente importante.

Se ao menos ela soubesse o que exatamente estava per­guntando a ele...

— Pobrezinho do Murphs. Nós o abandonamos, não é, amigo?

Joe cocou as orelhas do cachorro e lhe acariciou o flanco, e Murphy se aconchegou a ele, batendo a cauda no chão entusiasticamente.

— Acho que isso quer dizer "estou com fome" — disse Demi, ironicamente, e ele riu e apanhou a tigela do animal.

— Você está com fome? — perguntou ele, e Murphy bateu a cauda com mais força. — Devemos alimentá-lo?

— Humm, sim. Mas, se você puder levá-lo para uma caminhada primeiro, seria ótimo. Eu vou dar banho nas meninas.

— Tem certeza de que não precisa de ajuda?

— Estou bem. Vá, vá logo.

Joe levou o cão para uma caminhada pelo rio, apenas por alguns minutos, porque estava escurecendo rápido, e, quando eles chegaram em casa, as luzes já estavam acesas e Demi estava na cozinha, preparando o jantar das meninas.

— Chá? — ofereceu ele, sabendo agora que ela gostava de tomar chá quando alimentava as gêmeas, e Demi sorriu em agradecimento, sentando-se no sofá com os bebês. Ele colocou o chá, misturado com água fria, ao alcance dela e se sentou com sua xícara do outro lado da mesa, observando-a alimentar as filhas enquanto Murphy perseguia sua tigela pelo chão de cerâmica.

— Eu deveria comprar uma tigela com fundo de borra­cha — disse ela tristemente, e Joe riu, bebericando o chá, olhando para a mulher e as filhas e pensando que sua vida jamais fora mais complexa e desafiadora... ou mais plena. Famílias felizes, ele pensou, e imaginou o quanto aquilo iria durar. Ele fizera o seu melhor; Yashimoto fizera o acordo do século. Mas Joe não se importava, e aquilo na verdade o fazia se sentir bem, porque o homem trabalhara muito duro para reerguer sua velha empresa e, com um pouco de ajuda, ele ficaria bem agora. Só que aquela era apenas a ponta do iceberg, obviamente. Havia uma infini­dade de outros investimentos que ainda precisavam de sua intervenção, e, com a atenção desviada, quem poderia di­zer o que aconteceria com eles? Ele precisara agir rápido naquela manhã, porque não estivera presente em uma determinada negociação, e Stephen estava ocupado em Tóquio, e por algum motivo Andréa não o chamara. Oh, bem, tudo estava solucionado agora, mas ele não tinha certeza de poder fingir por muito mais tempo que seu im­pério era capaz de manter-se sozinho.

— Você está com fome? — perguntou ele a Demi, observando enquanto ela tirava Libby do peito e colo­cava a menina no sofá.

— Morrendo de fome. Por quê? O que você tem em mente?

Ele riu.

— Nada com alho. Eu estava pensando que poderia ir até o pub buscar algo para comermos.

— Oh, isso seria ótimo. Eles fazem um prato maravi­lhoso com muçarela e manjericão, um tipo de torta. E fa­buloso. E pudim de caramelo açucarado.

— Isso parece horrível — disse ele com uma gargalhada.

— Não, é maravilhoso. Você precisa experimentar.

— Posso experimentar um pouco do seu.

— Se sobrar alguma coisa.

— Oh, vai sobrar — disse ele, tomando Ava dos braços dela e fazendo uma careta ao ouvir o arroto ensurdecedor. — Eu a convencerei.

— Você pode tentar — disse ela, mas seus olhos brilha­vam, e ele sentiu uma súbita pontada de desejo. Droga. Depois da conversa da noite anterior, não havia a menor possibilidade de Joe se aproximar dela, e era melhor não pensar no assunto.

— Vamos, sua pestinha. Vamos levar você lá para cima e trocar suas fraldas e colocá-la na cama, para que sua mãe e seu pai possam ter uma conversa civilizada.

— É melhor deixá-las aqui, então — disse Demi, às suas costas, e ele se virou e viu o sorriso provocante dela, sentindo o desejo percorrer seu corpo novamente, como uma lança em brasa. Aquela seria uma longa, longa noite.

Ela acendeu o fogo enquanto ele ia ao pub buscar o jan­tar deles, e, quando Joe chegou em casa, a lenha já estava ardendo alegremente por detrás da grade, e a mesa esta­va posta.

— Estou sentindo cheiro de lenha queimada? — per­guntou ele, entrando na cozinha, e ela assentiu.

— Eu acendi a lareira. Pensei que poderíamos jogar outra partida de xadrez, ou assistir a alguns DVDs dos bebês.

Ela viu o sorriso dele desaparecer.

— Tudo bem. Seria ótimo — disse ele, fazendo uma tentativa corajosa de sorrir de novo, mas ela não se deixou enganar. Da primeira vez em que assistiram a um DVD dos bebês, ele se aborrecera. Mas por quê?

— Joe?

— Você gostaria de uma pequena taça de vinho? Ainda há um pouco do branco, e eu comprei uma garrafa de vi­nho rose.

— Oh. Rose seria ótimo. Obrigada — disse ela, deixan­do o assunto morrer por enquanto.

*****

Ela o estava observando.

Ele a ignorou, entregando-lhe os pratos com as tampas, e abrindo o vinho com habilidade. Enquanto ele servia duas taças e se sentava de frente para ela, Demi se ocupou com a comida. E, ao sentir o cheiro do pudim de caramelo que vinha de cima do fogão, Joe imaginou que tivesse escapado. Por enquanto. Mas aqueles DVDs eram um campo minado, que o faziam sentir-se incomodado, e ele não tinha certeza de conseguir assistir a um vídeo filmado na UTI, e ver o quão perto elas chegaram de...

— Uau, isso estava delicioso. Obrigada, Joe.

Ele afastou os pensamentos sombrios e sorriu para ela. Demi estava adorável naquela noite, os cabelos soltos sobre os ombros e uma expressão quente e gentil nos olhos. Se ao menos...

Não, ainda não. Ela lhe pedira um tempo. Mas, se Joe conseguisse se aproximar dela, talvez pudesse conven­cê-la a voltar para ele.

— Foi um prazer — disse ele. — Agora, que tal você me deixar arrasá-la no xadrez de novo?

— Tudo bem. Se você não se importar em ser derrota­do. Eu me lembrei de como a sua mente funciona.

— Mais rápido do que a sua — comentou Joe, e ela estirou a língua para ele, levantando-se.

— Vamos ver, não é?

— Vamos. Melhor de três?

— Você acha que será preciso?

— Não. Duas vezes serão mais que suficientes para que você saia correndo e chorando com o rabinho entre as pernas — retrucou ele, seguindo-a, com o cachorro em seus calcanhares.

Aquilo foi um erro, porque ele estava quase vencendo pela segunda vez quando Murphy se levantou e contornou a mesa; aproveitando sua chance, Demi chamou por ele alegremente, e a cauda de Murphy bateu no tabuleiro, der­rubando todas as peças.

— Oh, mas que pena, vamos ter que começar de novo — disse ela com um sorriso malicioso, mas ele não estava convencido.

— Eu me lembro da posição de cada uma das peças — disse ele, começando a recolocar as peças no tabuleiro.

— O seu cavaleiro não estava ali.

— Estava, sim.

— Não. Estava aqui. O seu bispo estava ali.

— Besteira. Como o meu bispo teria chegado ali?

— Vamos enfrentar os fatos, Demi. Eu acabei com você — disse ele, recostando-se no sofá e apoiando um torno­zelo no outro joelho. — Admita.

— Nunca.

— Eu nunca imaginei que você fosse uma trapaceira — disse ele suavemente, e ela parou e olhou para ele.

— Eu não estava trapaceando! Eu só estava brincando, Joe. Tentando deixar a atmosfera mais leve.

Ele engoliu em seco.

— O que há de errado com a atmosfera?

— Eu não sei, mas, desde que mencionei os DVDs, você está agindo de forma estranha. Por que você não quer vê-los?

— Eu quero.

— Tudo bem, vamos lá! — disse ela baixinho. — Este aqui é o próximo; os bebês no hospital. Nós estáva­mos começando a vê-lo na outra noite, quando você se afastou.

— Coloque o DVD, Demi — disse ele com a voz rouca, a mão esquerda segurando com força a base da taça de vinho. E, antes que ele soubesse o que ela iria fazer, Demi já colocara o DVD no aparelho e tomara a mão esquerda de Joe nas suas, aconchegando-se contra seu ombro.

— Tudo bem, aquela é Ava. Ela era mais forte. Ela nas­ceu primeiro e, embora fosse menor, era mais desenvolvi­da, e agora está mais pesada que Libby. E ali está Libby. Ela precisou de mais ajuda para respirar, e houve alguns dias em que... em que pensamos que iríamos perdê-la — disse ela, um pouco trêmula, e Joe percebeu que ela es­tava lutando tanto quanto ele. Seus dedos apertaram os dele, e ele apertou os dela de volta; tanto para confortá-la quanto para acalmar a si mesmo.

— Elas parecem tão pequenas.

— Elas eram mesmo. Gêmeos são sempre menores. E elas não tiveram muito espaço. E, levando isso em consi­deração, elas se desenvolveram bem, mas, quando elas nasceram, o meu útero estava no limite e corria o risco de uma ruptura. Eu precisei de duas operações para melhorar as aderências, mas finalmente não havia mais nenhum espaço e os médicos tiveram que fazer o parto. Mas eu aguentei o máximo que pude.

— Parece horrível — disse ele, franzindo a testa ao pensar em tudo aquilo. Deveria ter sido tão doloroso. Por que diabos ela não lhe avisara? Embora só Deus soubesse como ele poderia tê-la ajudado, assombrado por seus pró­prios fantasmas.

— E foi. Eu estava tão assustada. Eu quase telefonei para você. Se você tivesse telefonado antes, eu o teria fei­to, mas meu celular foi roubado e tudo o que eu podia fa­zer era aguentar, minuto a minuto, até a crise passar.

— Eu teria vindo — disse ele com a voz rouca.

— Teria?

Ela se virou e olhou para ele, e ele olhou nos olhos gen­tis e curiosos dela por um breve instante, antes de se virar.

— Sim — disse Joe com convicção. — Teria. — Ainda que aquilo o matasse.

— Joe, eu posso lhe perguntar uma coisa?

Ele olhou novamente para ela, e seu coração começou a martelar.

— Claro.

— Quem é Debbie?

O vinho derramou por sobre a beirada da taça, molhan­do a mão de Joe e escorrendo pelo braço do sofá. Ele se levantou de um pulo e apanhou um pano, tentando dimi­nuir o estrago, até que ela o retirou de suas mãos e o pu­xou gentilmente de volta para o sofá, a seu lado.

— Joe, esqueça isso. Fale comigo. Quem é ela? Por que a sua mãe ficou tão surpresa com o fato de eu nunca ter ouvido falar dela? E o que ela fez a você, que o tornou tão fechado?

Ele olhou para ela, com a respiração entrecortada; fe­chou a boca e engoliu em seco. Ele conseguiria fazer aquilo. Ele devia aquilo a Demi, e deveria ter contado a ela anos antes.

— Ela era minha namorada — disse ele, sua voz soando estranha a seus próprios ouvidos. Tensa e incerta. Como seus sentimentos. — Ela estava grávida, mas teve pré-eclâmpsia. Eles fizeram uma cesariana de emergência, mas ela teve uma parada cardíaca ao entrar na sala de ci­rurgia, e morreu. O bebê também. Meu filho. Ele viveu por quinze horas e sete minutos. Ela estava com 26 semanas de gravidez. Foi por isso que o DVD... — Joe cerrou os den­tes, reprimindo as lágrimas, tentando se controlar. Durante um longo tempo, ela não disse uma palavra, mas então respirou fundo e perguntou:

— Ele tinha um nome? O seu bebê?

— Si... — Ele engoliu em seco e tentou novamente. — Sim. Eu o chamei de Michael. Era o nome do meu pai.

— Oh, Joe. — As lágrimas encheram os olhos dela e lhe escorreram pelas faces, e ela cobriu a boca com a mão, tentando abafar o soluço. Ele não conseguia olhar para ela. Não podia vê-la chorando por Debbie e seu filhinho, ou por ele, tão cheio de dor que não era capaz de assistir a um vídeo de suas próprias filhas sem reviver as curtas, desesperadas horas de vida de seu bebê. Ele não conse­guia olhar para o vídeo, ou para Demi, porque, se o fizesse, se deixasse que as emoções voltassem à superfície, elas o dilacerariam como antes, e ele não aguentaria.

— Oh, Joe — murmurou ela novamente, e ele sentiu os dedos dela enxugando as lágrimas que lhe escorriam silenciosamente pelas faces. — Está tudo bem, Joe, eu estou aqui — disse ela gentilmente, e ele percebeu que, longe de se sentir dilacerado, ele estava aliviado por desa­bafar, porque Demi estava a seu lado, e ele não estava mais sozinho. E, por fim, com um suspiro baixo, ele se acon­chegou nos braços dela, e, pela primeira vez em 15 anos, deixou as lágrimas correrem livremente.

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Mil desculpas pela demora, acabei ficando sem internet e atolada nos trabalhos do colégio. Mas agora já estou de volta :D
Boa leitura.
xoxo

4 comentários:

  1. Chorei junto agora.... preciso de maiiis Posta Mais!!!!

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  2. Posta mais, fic perfeita

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  3. Tadinho do Joe.... continua logo por favor!!!

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  4. Ai eu to tão anciosa para ver os dois juntos logo se amando, Joe besta de vez falar logo que ama ela e as meninas, e largar a empresa para fica com elas, mas não prefere ficar sofrendo por antecendência

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