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...Lancelot possui tudo o que deseja, quando a rainha busca voluntariamente sua companhia e seu amor, e quando ele a toma em seus braços, e ela o toma nos dela. A diversão deles é tão agradável e doce, enquanto se beijam e acariciam um ao outro, que na verdade tal maravilhosa felicidade os domina como nenhuma outra de que já se ouviu falar ou se conheceu.
Com um suspiro dolorido, Demi Fallon fechou o livro que lia, impossibilitada de ler devido à luz que desaparecia. Era melhor assim, já que não conseguia suportar continuar lendo aquela história tão assombrosamente bela.
Talvez nunca mais.
Apesar de o poeta francês Chrétien de Troyes ter escrito a história de Lancelot em 1171, sua descrição do amor do famoso cavaleiro por Guinevere era tão comovente naquele instante quanto no momento em que fora feita.
Que mulher não teria inveja da rainha que inspirava tamanho amor no principal cavaleiro da Távola Redonda?
Qualquer mulher desejaria ser amada com um amor tão avassalador e poderoso.
Irritada consigo mesma pela preocupação com o maior dos cavaleiros do mundo cristão, Demi fez seus pensamentos se voltarem para Richard, o marido que ela sepultara três meses antes.
— Teria me amado mais se eu tivesse sido capaz de lhe dar um filho? — seu coração insistia.
Desde o funeral ela revivera em sua mente o conturbado casamento, se perguntando se sua inesperada infertilidade havia sido tão dolorosa para ele que alguns de seus sentimentos por ela simplesmente haviam desaparecido.
Com apenas 21 anos, contra os 31 dele quando haviam feito os votos, quem teria imaginado que ela desenvolveria um problema de reprodução tão prematuramente na vida de casada?
A prima de sua tia não pudera ter filhos, mas aquilo não parecia ter afetado o amor entre ela e o marido. Haviam adotado duas crianças. Mas Richard se recusava a falar de adoção. Queria um filho de seu próprio corpo, não do de outra pessoa.
Sabendo que ele assim se sentia, Demi não o pressionara a respeito do assunto. Mas dali em diante o relacionamento deles sofrera sutis mudanças. Ele se tornara cada vez mais distante, mergulhando no trabalho, mantendo-se alheio à dor de Demi, ou evitando se relacionar com ela, por ser a sua própria grande demais.
O ato de amor entre eles parecia ter se tornado algo secundário para ele. No ano anterior, ele se comportara mais como um amigo que como um amante, com raros momentos íntimos com Demi, que ela própria fora forçada a provocar.
Ela esperara que fossem superar aquela mágoa, que seria algo temporário. Com certeza, em seu devido tempo, ele iria querer um filho, e se revelaria disposto a considerar a adoção.
Demi estivera convencida de que, se tivessem dado os passos para iniciar o procedimento de adoção imediatamente a ansiedade por se tornarem pais teria lhes devolvido a alegria e ajudado a colocar o lado físico do relacionamento de volta nos eixos. Mas aquele momento nunca chegara. E já era tarde demais.
Oh, Richard...
Lágrimas quentes formaram desceram lentamente pelo rosto dela.
A tia lhe prometera que aquele período de luto passaria.
— Um dia, você encontrará alguém especial que irá querer se casar com você e adotar crianças.
Demi não acreditava naquilo, não quando se lembrava das outras coisas que não haviam acontecido em seu casamento. Com dez anos de diferença entre eles, ela sofrera com a possibilidade de não ser boa o suficiente.
O mundo acadêmico de Richard era cheio de homens e mulheres brilhantes. O que ela poderia oferecer quando sequer era capaz de lhe dar o filho que ambos queriam?
Por que ele se casara com ela?
No momento em que ela se perguntou, percebeu que a tristeza fazia com que perdesse a perspectiva. Perdera o apetite semanas antes.
Com 37 anos, ele era jovem demais para morrer. Devastada com o falecimento prematuro, que acabara com todas as esperanças dela de criarem uma família, Demi se levantou, exausta, de onde repousava, contra um tronco de árvore.
Uma boa noite de sono era do que ela precisava para se recuperar o suficiente para terminar o projeto do falecido marido sobre a lenda arturiana. Mais uns dois dias para capturar em filme um veado ou um javali selvagem, do tipo que se vê tecido em tapeçarias, e sua coleção de fotografias estaria completa. Infelizmente, teria que retornar a New Haven sem qualquer imagem da donzela do lago.
Demi estava na Bretanha havia quase uma semana. Já descobrira que a Forêt de Broceliande se tornava um mundo encantado depois que o sol se punha. Maravilhada com o dossel de 30 metros de altura, ela achava o local secreto e tranquilo, a não ser pelas criaturas da floresta que perambulavam por entre as bétulas e as castanheiras.
Esperava que a qualquer minuto personagens de Camelot surgissem furtivamente de seus esconderijos naquele cenário mágico e lhe revelassem suas histórias.
Quando Demi pendurou a alça do estojo de sua câmera no ombro, pensou ter ouvido um farfalhar de arbustos causado pela brisa. Ou talvez tivesse sido uma criatura da floresta, mas sua imaginação estivera ativa demais nas últimas horas.
Um pouco assustada, ela olhou à volta, o que fez com que os cabelos lhe envolvessem o rosto.
— Oh! — ela gritou.
De trás dos abetos, no final do lago em forma de pera, chamado simplesmente de Le Lac, surgiu uma figura esguia e solitária de uniforme militar. Ele quase a matou de susto com sua presença cruamente máscula, totalmente característica do século XXI.
Cada centímetro de seu corpo forte de homem moderno emitia uma energia animalesca. Não ficaria surpresa se ele tivesse uma faca e uma arma de fogo, mas ela sentia que aquele corpo alto era uma arma letal por si só. Sem dúvida, quando ele dormia, um dos olhos permanecia aberto.
Se a estivesse seguindo, deveria ter um radar embutido. Demi estremeceu. O inimigo dele não perceberia sua presença até que fosse tarde demais.
A pele que se esticava sobre as feições aquilinas enrijecidas fora castigada por um sol equatorial inexistente na França. Ao crepúsculo, ela percebeu os olhos de um azul ardente. Eles a observavam abaixo de sobrancelhas pretas e uma cabeça com cabelos pretos bem curtos.
Jamais encontrara um homem tão ferozmente belo!
Por um louco momento ela pôde visualizá-lo em uma armadura reluzente enquanto se ajoelhava diante de Guinevere, sendo iluminado pelos céus. Então, ele falou, em uma voz profunda e áspera, estilhaçando a ilusão em mil pedaços.
— Você está invadindo propriedade alheia — ele disse, primeiro em francês e, em seguida, em um inglês com forte sotaque.
Seu acento hostil pegou Demi desprevenida. Aquele não era um jovem príncipe disfarçado que dominara a arte das maneiras de um cavaleiro. Não houve "Bonsoir" ou "Je m 'excuse" ou "Je regrette". Aquilo a assustou.
Aquele homem perigoso, provavelmente com trinta e poucos anos, e agressivamente másculo, a encarava como se tivesse algum problema pessoal com ela.
A menos que ele tivesse conseguido ler o título na frente do livro dela, Demi não conseguia entender como ele soubera que deveria falar com ela em inglês. Ela o segurou com mais força.
— Na verdade, tenho permissão para estar aqui — ela explicou em um tom baixo.
Os olhos dele se estreitaram antes que ele tomasse a câmera dela. A ação foi rápida demais, como um relâmpago, para que ela pudesse evitar, Ele enrolou a alça em volta de um pulso másculo com pelos escuros, o que tornava impossível para ela recuperá-la, Não que ela fosse tentar. O instinto lhe dizia que ele conhecia golpes com os quais ela sequer sonhara.
— Ninguém tem permissão para estar aqui. Seja quem você for, sugiro que se retire.
— O caseiro me falou onde eu poderia tirar fotografias da vida selvagem.
O músculo do maxilar dele se contraiu.
— Pode pegar sua câmera de volta com o guarda de segurança do portão, pela manhã. Caso esteja mentindo, eu não voltaria aqui se fosse você.
Ele correu um olhar insolente pelo formato do rosto e do corpo dela mais uma vez, fazendo-a lembrar que era uma mulher, com curvas femininas. Mas, diferente dos outros homens, ele parecia não obter prazer com aquilo. Na verdade, parecia o oposto.
— Lembre-se, você foi avisada — ele acrescentou, antes de se mover rapidamente até desaparecer em meio à folhagem.
Ainda tremendo com a combinação do tom intimidador e da avaliação íntima dele, que não deixava nada escapar, ela precisou de um minuto para retomar o controle das pernas antes de voltar para o Château Du Lac. Não deveria ler ficado tanto tempo ali. A noite já se aproximava rapidamente, tomando difícil vislumbrar o caminho através da densa vegetação rasteira.
O caseiro do château, que fornecera a ela um mapa esboçado da vasta propriedade Du Lac, não lhe dissera que havia contratado outro homem para patrulhar a área à noite. Justiça fosse feita, ele provavelmente não imaginava que ela fosse ficar até depois do pôr do sol tirando fotografias.
Mas, claro, não era o que ela fazia naquele momento. Havia algo em ler a história de Lancelot exatamente na floresta onde ele crescera que apelava para o lado fantasioso da natureza dela. Ao menos até que as palavras do poeta tivessem tocado no ponto certo, perturbando-a profundamente, onde ela detestava admitir que o casamento não fora tudo o que ela esperava.
A adrenalina do inesperado encontro com o hostil estranho mantinha seu coração acelerado. Quando ela chegou ao caminho de brita que levava até a entrada principal do château do início do século XIII, foi acometida pela fraqueza. Ela se viu forçada a parar para recuperar o fôlego.
Depois de correr pela densa floresta na ânsia de voltar, a imponente estrutura de três andares com suas torres arredondadas surgiu como uma agradável visão. As luzes internas ressaltavam o vermelho profundo das granadas engastadas na rocha de xisto a partir da qual fora construída. Era como deparar com um raro tesouro brilhando no coração de uma escura floresta.
Uma grande e bem-treinada equipe mantinha o château e os jardins imaculados, mas ela não viu carros. Se não fosse pelo brilho das luzes nas janelas, não se saberia que havia alguém ali.
Naquela noite, nada parecia real. Talvez a cabeça dela estivesse tomada demais por Lancelot e fragmentos de sonhos. Era possível que ela tivesse apenas imaginado o encontro com o audacioso homem cuja aparência inesquecível fizera o corpo de Demi reagir.
A presença inesperada dele despertou subitamente lembranças de uma gélida prisão onde diversas emoções estiveram adormecidas naqueles últimos meses. Demi ainda não gostava de ser forçada a lidar com seus sentimentos. Na verdade, reagira negativamente a ele por ter se intrometido em seu já precário estado mental.
Antes daquele encontro, ela fora capaz de permanecer em sua zona de conforto temporário, embalada pelo plano que a levara de volta àquela mística província. Não precisava pensar para tirar fotos, apenas agir.
Depois de entrar no decorado vestíbulo, ela subiu correndo a escadaria para seu apartamento, no terceiro andar. Henri, o chefe da equipe da casa, lhe dissera que a porta da frente permaneceria destrancada até às 22h, todos os dias. Até esse horário, ela poderia ir e vir a seu bel-prazer, por ordens de Geoffroi Malbois, o Duc Du Lac, que nascera e fora criado naquela château.
No momento, o distinto proprietário lutava contra uma pneumonia. Ele a contraíra depois de um sério caso de gripe, mas fora gentil a ponto de insistir para que Demi permanecesse.
Pela governanta, Brigitte, ela veio a saber que ele instruíra que a hóspede fosse acomodada no raramente usado quarto verde. No momento em que a senhora abrira a porta dele, seu significado especial se tornara aparente.
Contra o fundo verde-claro do teto e das paredes, as imagens em tamanho real de Lancelot e Guinevere haviam sido imortalizadas. Um artista do século XIV ilustrara os encontros amorosos secretos dos dois a cada mês do ano. As gloriosas cores ainda eram vibrantes, como se tivessem sido recém-pintadas.
Na primeira noite em que Demi se deitara na imensa cama redonda ficara se deslocando para diferentes posições a fim de observar os dois belos amantes. Lembrava-se de ter pensado que nenhum homem vivo poderia igualar o esplendor de Lancelot.
Mas quando entrou no quarto naquela noite carregava consigo a imagem do estranho intrometido. Era uma imagem que ela parecia não conseguir afastar da mente, apesar do epítome de masculinidade que a olhava fixamente nos olhos em qualquer direção para a qual ela olhasse.
Primeiro, ela se trocaria. Em seguida, desceria as escadas para comer um rolinho ou outra coisa qualquer. A ideia de uma refeição não a atraia. Se o estado do duc não tivesse piorado, ela faria uma visita para lhe desejar boa noite. Ele pedira veementemente para que ela o visitasse à noite, mas Demi teria feito isso de qualquer forma.
Jamais conhecera um anfitrião mais bondoso. Por pior que se sentisse, ele irradiava um calor excepcional. Até certo ponto, aquela qualidade em particular estivera ausente no casamento dela, mas Demi não percebera até ter passado algum tempo na companhia de seu anfitrião.
Ele não fora cerimonioso e insistira para que ela o chamasse de Geoff. Tendo adquirido um peculiar interesse pelo projeto do marido dela durante a Páscoa, queria ajudá-la da maneira que fosse possível. Apesar de o duc estar doente, insistira para que ela se sentisse em casa pelo tempo que quisesse.
Das conversas com ele Demi descobrira que a vida social dele era atribulada e que ele estava envolvido em questões cívicas e ecológicas. Tinha um filho do primeiro casamento, que morava distante. A enteada do segundo casamento, que fracassara, morava com ele quando não estava viajando. Evidentemente, ele não tinha problema com falta de companhia. De acordo com Henri, sempre havia visitantes chegando e partindo, uma prova de como era querido pelos amigos.
Em retribuição à generosidade dele, sem falar em todo o resto, Demi não conseguia evitar se aproximar dele, e estava muito preocupada com seu estado físico. Desde a chegada dela no château, ele fora forçado a permanecer na cama. Nos últimos três dias, os sintomas haviam piorado. Havia enfermeiras o tempo todo, e o médico o visitara duas vezes.
Se houvesse algo que ela pudesse fazer para ajudar, faria. Depois de perder o marido para um coágulo, na flor da idade, Demi sempre levaria a sério as doenças das pessoas.
Foi bom se livrar das roupas que usara o dia inteiro, especialmente o jeans, um tanto apertado. Enquanto lia, mais cedo, desabotoara o botão de metal para se sentir mais confortável. Como ela só o usara uma vez antes de colocá-lo na mala para aquela viagem, achou que ele devia ter encolhido demais com a lavagem.
Depois de escolher uma blusa creme e uma saia, pegou roupas de baixo e correu para o moderno banheiro da suíte para se banhar e retirar as agulhas de pinheiro dos cabelos.
Mais tarde, a caminho da suíte do duc, no segundo andar, ela encontraria Henri e relataria o que acontecera na floresta. Ele resolveria o problema e daria um jeito de recuperar a câmera.
Nos dias que se seguiriam, ela tiraria fotos apenas pela manhã, para evitar outro encontro com o homem rude e insensível que a ameaçara.
********
Joe Malbois deu a Percy, o cachorro de seu pai, uma bela coçada atrás das orelhas antes de se aproximar da cama.
— Papa? Está acordado?
As pálpebras do pai se abriram, revelando olhos de um cinza pálido. A doença lhes roubara o brilho costumeiro. Ao olhar para seu filho, sem acreditar, eles se avivaram.
— Mon fils...
O coração de Joe se contraiu. A voz de seu pai estava fraca. Sem o oxigênio para ajudá-lo a respirar...
Joe lutou para não demonstrar sua preocupação na frente dele. Seu amado pai era jovem demais para estar tão doente. Sua palidez alarmou Joe.
— Quando chegou? — o homem mais velho perguntou com esforço.
— Há pouco tempo. Você estava dormindo. Não quis incomodá-lo e, por isso, fui caminhar.
Depois do choque de saber que a gripe do pai se transformara em algo pior, ele não se preparara para outro, o de esbarrar com alguém na propriedade particular deles.
— Pai? — Ele apertou-lhe a mão. — Por que não me disse que sua doença era tão séria? Por que tive que saber disso por Henri? Sabe que eu teria pego um avião e voltado logo.
— A pneumonia surgiu do nada. Fui pego de surpresa, mas estou melhor do que estava na noite passada. — Depois de um acesso de tosse, ele perguntou: — Vai ficar por quanto tempo desta vez?
Joe inspirou fundo.
— Vou ficar de vez.
Ao ouvir aquela inesperada notícia, a alegria iluminou o rosto do pai.
— Sério? — Ele tentou erguer a cabeça do travesseiro, mas Joe o segurou gentilmente.
— Deixei o serviço. Está terminado.
— Esperei tanto por este dia, Joe. — Ele lutou contra outro acesso de tosse. — Rezava para que voltasse são, de mente e corpo. Le bon Dieu me ouviu.
O que o pai via era apenas o exterior do homem que ele fora. Joe não queria que ele soubesse o que estava oculto.
— Agora que voltei, vamos cuidar para que se recupere. Cuidarei de tudo o que estiver deixando-o preocupado.
O pai sorriu em meio às lágrimas.
— Estou sonhando?
Joe teve dificuldade para vencer o bloqueio em sua garganta.
— Non, mon père.
Já havia passado da hora dele começar a ajudar seu notável pai, que precisava que Joe assumisse uma parte maior das responsabilidades. Não apenas o criara desde o nascimento, mas, dez anos antes, fora sábio o suficiente para dar a Joe a liberdade sem deixá-lo sentindo-se culpado. No final das contas, aquela liberdade fizera Joe voltar para casa por vontade própria.
O motivo que o levara a se afastar não importava mais. Desde aquela época, a vida lhe aplicara um golpe do qual jamais se recuperaria, fosse nos confins do mundo ou em casa. Ao menos ali ele poderia ser útil ao pai.
— A enfermeira está sinalizando que você precisa descansar. Ela disse que você já recebeu visitas demais de amigos e que elas o deixaram esgotado. Então, vou deixá-lo dormir agora.
— Não vá.
— Só quero dar uma palavrinha com a equipe, mas prometo que voltarei para passar a noite aqui. Percy vai ficar de guarda, não vai?
O cachorro rosnou em resposta.
— Sabia que ele não quer sair de perto de mim? Henri tem que forçá-lo a sair quando é necessário.
O amor de Percy pelo dono era comovente.
— Isso não me surpreende.
Dois anos antes de Joe entrar para o serviço militar seu pai encontrara um filhote mestiço abandonado, à beira da morte, na floresta. Alguém cruel devia tê-lo deixado lá para morrer, mas o pai o levara de volta para o château, para cuidar dele. Desde então, haviam se tomado inseparáveis.
— Está acomodado na suíte no fim do corredor?
— Oui.
— Nós... — Ele parou por tempo suficiente para tossir mais uma vez. — Nós temos uma visita.
Um franzir de cenho contraiu o rosto de Joe.
— Tem alguém hospedado no château?
— Sim. — Ele teria dito mais, mas outro acesso de tosse o impediu.
No que dependesse de Joe, fosse quem fosse, precisava ir embora. Seu educado pai não sabia dizer não às pessoas. O segundo casamento era prova disso. Naquele momento, ele estava doente demais para saber o que era bom para si. Joe voltara exatamente para assumir o comando.
Dando um beijo em cada lado do rosto do pai, ele assentiu para a enfermeira e saiu da suíte em busca de Henri, dedicado a seu pai. Ele o encontrou no foyer, fechando o château.
Joe se aproximou dele pela direita, já que o chefe da equipe não ouvia com o ouvido esquerdo. Quando Henri era jovem, trabalhava na cavalariça quando um acidente de caça ocorrera. Depois de receber alta do hospital, o pai de Joe o levara para o château para cuidar dele. Henri tornara-se empregado da casa desde então.
— Ouvi dizer que há um hóspede no château, Henri.
O homem mais velho se virou e assentiu.
— Oui. Uma tal madame Fallon.
O olhar de Joe buscou o de Henri.
— Alguém "especial"?
— Seu pai insistiu para que eu a acomodasse em la chambre verte.
Joe ficou atordoado. O quarto verde sempre estivera além da disponibilidade para hóspedes, para preservar seus tesouros. Aquilo significava que seu pai, com 67 anos de idade, poderia estar romanticamente envolvido.
Mesmo que aquela mulher fosse digna dele, o que Joe sabia não ser possível, seu pai fora longe demais. Joe tinha que admitir estar surpreso pelo pai não tê-la mencionado até então. Mas, depois do desastre do segundo casamento, talvez ele estivesse preocupado demais com a reação do filho para lhe revelar qualquer coisa a respeito.
— Ele a conhece há muito tempo?
— Ele a conheceu na Páscoa, mas ela só está no château há uma semana.
Joe voltara para casa naquele feriado, arriscando uma folga de 12 horas, mas ninguém a mencionara à época.
Uma semana era tempo suficiente para que seu pai se apaixonasse. Ele trincou os dentes. Que tipo de poder aquela mulher tinha sobre seu pai? Ele enterrara seu coração junto com a mãe de Joe e esperara até bem depois dos 40 anos para se casar pela segunda vez.
Aquela falsa união durara menos de um ano. Tempo suficiente para demovê-lo de uma nova tentativa. Ou, ao menos, fora o que Joe pensara...
Uma preocupação o tomou.
— O que você acha dela, Henri?
— Ela tem sido boa para seu pai.
Um elogio daqueles, vindo de Henri, a discrição em pessoa, era algo inédito. Certamente, conseguira enganar Henri também.
— Quando foi a última vez em que Corinne esteve aqui?
— No mês passado. Está de férias na Austrália agora.
Aquilo significava que ela não estava ciente das últimas informações a respeito do interesse do pai dele por outra mulher. Mal podia imaginar a reação dela quando descobrisse. Aquilo, e que Joe havia retornado...
Ele deu um tapinha no ombro de Henri.
— Obrigado por cuidar dele. Agora que ficarei permanentemente em casa, traga os problemas para mim.
O outro homem sorriu.
— É bom tê-lo de volta. Seu pai esperou muito por esse dia. Se Brigitte ainda não tivesse ido dormir, ela daria detalhes sobre o relacionamento do pai com aquela predadora.
Diferente do marido, Henri, a governanta não tinha problemas para expressar suas opiniões.
Qualquer sentimento de culpa que Joe tivesse tido por ter passado tanto tempo afastado foi bloqueado pela raiva de ter outra mulher venenosa dormindo sob o teto deles, contando os segundos para se tornar a terceira esposa.
Precisando de uma bebida, encaminhou-se, primeiro, para a cozinha, para tomar café. Por mais que quisesse algo mais forte, optaria por analgésicos em vez do álcool para acabar com a dor de um ferimento recente. No entanto, não havia remédio ou bebida que aplacassem a agonia de sonhos estilhaçados.
*******
Desde o dia em que chegara Demi recebera a informação de que poderia se servir do que quisesse da moderna cozinha, a qualquer hora. Brigitte insistira que o cozinheiro não se importaria.
Tomando suas palavras como verdade, Demi encontrou alguns brioches frescos sob uma proteção de vidro e comeu um sobre a pia, para não espalhar migalhas pelo chão de pedra. Como não estava com vontade de beber café, nem suco de fruta, acabou bebendo água.
Enquanto cuidava para não fazer barulho ao colocar a tampa de vidro de volta, alguém abriu a porta da cozinha e entrou. Ela imaginou que fosse Brigitte indo fazer chá quente com mel para o duc.
— Espero que Geoff fique melhor esta noite — ela falou por cima do ombro.
— Estamos todos esperando esse milagre.
Demi parou por um momento.
Aquela voz profunda com um pesado sotaque francês... já a ouvira antes, Na verdade, fazia pouco tempo.
Seu coração começou a acelerar antes que ela se virasse para encarar o homem que encontrara na floresta. O rápido movimento fez com que seus cabelos castanho-dourados flutuassem acima dos ombros, antes de retomarem ao local normal.
O olhar escrutinador dele a observava, analisando cada centímetro de suas curvas antes de olhar para o castanho-aveludado dos olhos dela. Como abrasadoras chamas azuis, os dele brilharam ao reconhecê-la.
Ele precisava se barbear e ainda estava usando o uniforme. O colarinho não escondia uma fina cicatriz branca no lado de seu pescoço moreno. Ela não a percebera na semiescuridão da floresta. Só de pensar em como ele a conseguira, um calafrio percorreu-lhe o corpo.
Se seus instintos não a estivessem enganando, ele não estava feliz por descobrir que a invasora que confrontara anteriormente estava dentro de seu château, servindo-se de comida.
— Quem é você? — ele perguntou, em uma voz áspera que conseguiu perturbar os nervos já sensibilizados dela.
— Demi Fallon. Parece que o caseiro não lhe informou que Geoff tinha uma hóspede.
Ele serviu uma xícara de café da cafetière para si e bebeu um pouco, observando Demi por cima da borda. O olhar dele era insolente, além de ousado. Não tinha vergonha.
Ela desviou os olhos. Um homem que vivera uma existência de vida e morte, como ele deveria ter vivido, se afastara dos modos civilizados havia muito tempo.
— Deu minha câmera para o guarda do portão?
— Não — foi a resposta imediata. — Eu a devolverei a você depois. — Ele engoliu o resto do café e pôs a xícara na pia.
— De manhã está ótimo. Agora, se me der licença, quero ver Geoff.
— Ainda não — ele resmungou.
Quando ela percebeu, ele já colocara seu corpo entre ela e a porta. A mão dele segurou-lhe o pulso para que ela não pudesse sair.
— O que há de errado com você? — ela gritou, tentando se libertar dele. Mas ele a segurava com força demais. Com 1,68m e 54 kg, ela não era páreo para ele, forte como o aço.
— Exatamente a mesma pergunta eu lhe faço — ele devolveu, puxando-a para mais perto até que ela sentisse o calor de seu corpo rígido como uma rocha. O aroma másculo dele era tão erótico quanto inesperado. — Qual é a sua idade? Uns 22 anos, comparados aos quase 70 dele?
Quando Demi percebeu o que ele insinuava, não conseguiu conter a gargalhada incrédula.
— Não que seja do interesse dos empregados, mas Geoff e eu somos amigos!
— Você gostaria que fossem mais, sem dúvida. — Ele a puxou para si até que ela ficasse comprimida contra cada linha e tendão de seu corpo, enviando chamas pelo dela. Ela gemeu, sem acreditar que aquilo estava acontecendo.
— Quando ele o nomeou seu cão de guarda pessoal? — ela gritou, ciente demais das respirações entrelaçadas, dos longos e escuros cílios dele, das linhas de experiência que delimitavam aquela boca sensual. Homem nenhum tinha o direito de ser tão atraente e, ao mesmo tempo, tão completamente agressivo.
— Desde que o segundo casamento dele não deu certo. — Ela pensou ter visto dor em meio à raiva que brilhava nos olhos dele. — Se pensa que vou deixá-lo se comprometer em um terceiro com alguém jovem o suficiente para ser sua neta, está delirando.
Ele exagerara. Ela não conseguiu evitar provocá-lo.
— Às vezes, a idade não é tão importante quanto a bondade e o amor.
Os lábios dele se retorceram de irritação.
— Especialmente quando se tem uma fortuna à espera depois que ele morrer.
— É por isso que continua neste emprego? — Ela abriu um sorriso zombeteiro. — Espera ganhar algo com isso?
No momento em que a pergunta foi lançada, ela se arrependeu da falta de controle e tentou se afastar dele, sem sucesso.
— Por que não? Se você está oferecendo... — ele falou lentamente.
Uma sensação de medo percorreu o corpo dela. Tarde demais para escapar, ela não conseguiu evitar a boca rígida que desceu sobre a dela.
Desprevenida, sua surpresa permitiu que ele aprofundasse um beijo tão íntimo e avassalador que ela ficou abalada até a alma. Por um estonteante momento as sensações que ele despertara fizeram as pernas dela vacilarem.
No exato segundo em que ela se viu segurando-se nele para não cair, ele a pegou pelos braços e a empurrou para longe.
Ela ficou enfurecida; enquanto estava sem fôlego e desgrenhada, ele apenas esteve ali, provocando-a com um sorriso diabólico, aparentemente inabalado pelo contato.
Quando ela conseguiu se soltar dele, a força que usou quase fez com que ela tropeçasse enquanto fugia da cozinha. Correu pelo hall e subiu as escadas do Château, desesperada para alcançar a segurança da suíte de Geoff.
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Depois de ficar tanto tempo sem postar, cá estou eu voltando com mais uma fic para vocês. Será que tem alguém ainda aqui?
xoxo
Wee... Estamos aqui!
ResponderExcluirJá to amando ainda aqui more
ResponderExcluirOba!!! Adorei que vc voltou!!! A fic parece ser do babadooo!!! Continua...
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