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– NÃO CONSIGO erguê-lo – disse Demi, a frustração evidente no modo com tirava o cabelo da testa. – Quer tentar?
– Claro. Vou tentar. – Deus, seria constrangedor se ele não conseguisse se levantar para ela, mas não havia garantias. Joe concentrou o peso nas costas, puxando o caixilho da janela. – Estes prédios velhos foram pintados tantas vezes, e em algumas a janela foi pintada quando estava fechada. – Ele sentiu que cedia um pouco. – Acho que vai dar.
Sim. A janela cedeu e abriu alguns centímetros. Joe a forçou pelo restante do caminho.
– Meu herói! – Demi o provocou com um sorriso, porém os olhos brilhavam com algo que envolveu o coração dele.
Deus, Joe era impossível mesmo. Sentia-se com 3m no entanto só porque havia aberto a maldita janela para Demi.
– Não é nenhuma rajada do Ártico, mas está um pouco mais fresco aqui.
A chuva torrencial havia trazido um pouco de alívio para o calor implacável, que subia do asfalto abaixo.
– Quando chove na minha terra natal, também forma vapor. Mas Nova York nunca tem o cheiro fresco de Savannah depois da chuva – disse Demi, com uma nota melancólica. Ela puxou o edredom e a coberta e se acomodou nas almofadas encostadas na cabeceira da cama. – Pelo menos os lençóis estão friozinhos.
Ela obviamente não tinha a intenção de se sentar no confinamento nauseante de sua saleta. Por ele, tudo bem.
Joe se esticou na ponta da cama, uma toalha em torno dos quadris. As roupas úmidas estavam estendidas no suporte da cortina do banheiro. Demi tinha a vantagem das roupas limpas e vestia uma calcinha preta, muito simples, porém muito sexy, e uma camisetinha preta.
– Você sente falta de Savannah? – perguntou ele.
– Sinto falta de determinadas coisas. Do cheiro depois da chuva de verão. Do som da carruagem puxada pelos cavalos nos paralelepípedos. Do musgo espanhol drapeando as árvores tão antigas e esparramando seu dossel pelas ruas. Você já esteve lá?
– Não. Não sou muito viajado fora de Nova York e da Inglaterra.
Ela traçava um desenho preguiçoso na panturrilha dele, com o pé. Joe gostava do jeito casual com que Demi o tocava, como se necessitasse e tivesse o direito de fazê-lo.
– O ritmo mais lento pode deixá-lo louco, mas você adoraria a cidade em si.
Estavam deitados sob a luz oscilante das velas, com os sons de Nova York entrando pela janela, e ela descrevia sua terra natal para ele, sua história, arquitetura e cultura.
Estando Demi ciente disso ou não, a voz dela ficou mais baixa, assumiu um pouco mais daquele sotaque sulista arrastado e melado que sempre forrava suas palavras. Joe imaginou os dois aproveitando um passeio de carruagem ao longo das ruas de paralelepípedos sob carvalhos cheios de musgo.
– Você ama aquele lugar, Demi. Por que resolveu ir embora de lá?
– Eu amo, e de certo modo foi difícil partir, mas não realmente. Deixei Savannah porque precisava sair de lá.
– Precisava ou queria?
– Precisava. Eu tinha de sair da minha zona de conforto, descobrir novos lugares, novas coisas, me descobrir.
Ela o deixava intrigado com sua mistura de coragem, atitude, sensualidade óbvia e insegurança.
– E conseguiu? Descobrir-se? – questionou ele.
– Eu achava que tinha conseguido. A noite de hoje meio que estragou tudo. Mas creio que finalmente descobri que é um processo contínuo. Todos os dias trazem algo novo e diferente, alguns mais que outros, como hoje. Tenho certeza de que não sou a mesma pessoa que era quando fui embora, e isso é bom.
Como Demi se sente em relação às mudanças do dia de hoje? Depois do fracasso com Wilmer, será que pensaria em voltar para casa? Ela não dava a impressão a Joe de ser do tipo que voltava para a casa da mamãe, mas ele precisava perguntar.
– Depois dessa coisa com Wilmer, está pensando em voltar para lá?
Demi balançou a cabeça e lhe lançou um olhar engraçado. Cachos soltos do cabelo dançavam pelos seus ombros.
– Não em um futuro previsível. Amo Savannah, e aquele sempre vai ser meu lar. Fico ansiosa pelas minhas idas para lá, mas Nova York tem um lugar bem seguro no meu coração também. E você? Já quis morar em outro lugar?
Era fácil conversar com Demi, e a escuridão também não era um problema. Joe se flagrou contando coisas que nunca revelara a ninguém, nas quais talvez nunca tivesse pensado duas vezes.
– Quando eu era criança e passava meus verões em Devon, queria ficar lá para sempre. Quando cresci, percebi que eram meus avós que me atraíam para lá, e não o lugar em si. Assim que fui morar sozinho, Nova York pareceu mais meu lar.
– Meus pais também não ficaram exatamente alegres e entusiasmados.
Eles não estavam nem mesmo se tocando… Bem, exceto pelo pé de Demi na panturrilha de Joe. Mas ele se sentia mais próximo dela emocionalmente do que jamais se sentira de qualquer pessoa, até mesmo de Wilmer. Joe quase disse a ela que não havia feito tal comentário sobre os próprios pais, mas ele supunha que fizera, sim. Indiretamente. Demi tinha um jeitinho de enxergar através dele. E conforme ela dissera antes, de que adiantava mentir?
– Mas você é ardente e extrovertida. Como isso aconteceu?
– Sou uma anomalia, a peça que não se encaixa. – Demi riu, e a nota de pesar partiu o coração dele.
– Eu sempre fui o estranho no ninho também. – Joe achara isso inúmeras vezes. Era libertador dizê-lo.
– Como eles são?
– Meus pais?
Demi assentiu.
– Inteligentes, envolventes, articulados. São uma unidade autossuficiente. Grandes anfitriões de festas e péssimos pais.
– Sem irmãos ou irmãs?
– Não. Sou só eu. – E havia sido só ele em todos os aspectos.
Os três não eram uma família. Crescer tinha sido uma experiência solitária até Joe e Wilmer se tornarem amigos, fato que ele particularmente não queria revisitar.
– Como foi crescer com duas irmãs? – Joe mudou o rumo da conversa para ela.
Demi olhou para ele, e Joe soube que ela havia percebido a manobra. Ainda assim, porém, começou a contar histórias sobre as irmãs. Ela era uma contadora de histórias nata. Ele adorava o ritmo e a cadência de sua voz. Havia uma característica calmante na entonação dela, mesmo quando Demi o regalava com suas travessuras de infância.
– Você pode ser o bebê da família, mas estou vendo um padrão aí. Garanto que é a líder.
– Hum. Eu lhe disse… Sou a única que não se encaixa de fato. – A fala ficou excessivamente arrastada.
– Você parece cansada.
– E estou. Que horas são?
Joe verificou o relógio de pulso luminoso.
– Quase meia-noite.
– Ainda é cedo, mas acho que estou emocionalmente exausta. Além disso, tivemos muita diversão…
– Durma um pouco.
– Durma um pouco.
– Hum… Boa ideia.
Eles tinham feito sexo duas vezes, mas havia tal intimidade no ato de dividir uma cama com outra pessoa de fato, baixar a guarda o suficiente para mergulhar na inconsciência…
– Prefere que eu vá para o sofá, Demi?
– Não. Fique comigo.
Não interprete além do que ela quer dizer.
– Está mais fresco aqui… e eu não quero que você vá. Troquei os lençóis esta manhã, se estiverem… sabe, se você se sentir estranho com isso… Estou fazendo uma confusão.
– Não está fazendo confusão nenhuma.
– Ele deslizou em direção à cabeceira para se deitar ao lado dela.
Demi era uma mulher em um milhão… preocupada com o fato de ele ficar incomodado por dormir nos mesmos lençóis que Wilmer. Joe contornou o nariz dela com um dedo e deu um beijo casto de boa-noite em sua testa.
– Obrigado por me informar. Durma; estarei bem aqui.
Ela sorriu de maneira sonolenta, facilmente o sorriso mais lindo que ele já vira, diante ou detrás das câmeras.
– Tente dormir também. – Ela encontrou a perna dele com o pé.
– Vou tentar.
Joe se deitou na cama dela e ficou ouvindo os sons abafados de uma cidade que nunca dormia, mesmo no meio de um blackout, e a cadência suave da respiração de Demi. Sem pensar, ele tirou delicadamente o cabelo do rosto dela, desejando apenas tocá-la enquanto ainda pudesse, sem querer dormir para não perder o tempo que tinha com ela.
Demi emitiu um som meigo, satisfeito.
– Joe?
– Hum?
– Estou feliz por esta noite ter acontecido. – O sono iminente embaralhou as palavras dela.
– Eu também – disse ele.
Apesar do calor sufocante, Demi se aproximou dele, e – que diabos, eles já estavam suados e melados – Joe a puxou para si. As coxa dela deslizou para ficar entre as dele, e Demi pôs o braço no peito largo. Deu-lhe um beijo carinhoso e sonolento ali, e Joe silenciosamente sentiu-se um pouco mais profundamente apaixonado por ela.
Se é que isso era possível.
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Muito fofos!!!! Posta mais!!!!
ResponderExcluirAmei muito muito. Quero ao ver quando esse blackout acabar!!! posta mais perfeito ;)
ResponderExcluirFabíola Barboza :*