15.7.14

Blackout - Capitulo 26 e 27

 
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– ACHEI QUE encontraria você aqui. Ela está dormindo.

Surpreso, Joe ergueu os olhos do café que adoçava. Foi um lapso de tempo em sua pior forma: seu pai envelhecera dez anos no intervalo de uma noite. Conversar com o pai era sempre mais esquisito que conversar com um estranho.

– Posso lhe pagar um café? – ofereceu Joe.

– Alguma chance de conseguir uma xícara de chá?

– Pegue uma mesa para nós e verei o que posso fazer.

Em tempo recorde, Joe retornou com uma xícara fumegante de água fervente, um saquinho de chá, creme e açúcar.

– Foi o melhor que consegui.

A mesa tremeu quando ele se sentou.

– Obrigado. Parece que peguei uma mesa manca.

– Tudo bem. – Joe não achava que eles ficariam ali por muito tempo, de qualquer forma.

Paul colocou o saquinho de chá em infusão, e um silêncio estranho se instalou entre os dois, a mesma rigidez generalizada que Joe sentira durante toda a vida ao lado dos pais.

Joe pigarreou.

– Como mamãe está bem e descansando, eu e Demi não vamos subir de novo. Explique a ela, sim? Diga que eu não quis acordá-la. – Paul meneou a cabeça grisalha.

– Avisarei a ela. Obrigado por vir.

Será que ele duvidara que Joe viria?

– Disponha. Estou feliz por você ter me ligado.

O silêncio se prolongou entre eles como um arame fino esticado. O pai, com seus movimentos precisos e contidos, preparava seu chá. Uma colher de açúcar. Uma bola de creme. Sem limão. Misturou duas vezes. Quando criança, o ritual de preparação de chá do pai fascinara Joe em sua mesmice inabalável.

Paul ergueu o olhar da xícara, pegando Joe distraído.

– Ela queria que você viesse… e eu também.

– Tudo o que você precisava fazer era telefonar. – Talvez fosse a exaustão. Ou a coragem de dizer coisas nas primeiras horas da manhã. Mas Joe disse: – Tudo o que eu sempre quis foi que vocês me amassem.

Os movimentos sempre aprumados de Paul vacilaram. Parecia um velho cansado. Ele balançou a cabeça.

– Temo que tenhamos sido péssimos pais. Sempre amei tanto sua mãe que não abri espaço para mais ninguém. Foi um erro, um erro terrível. Quando achei que pudesse perdê-la esta noite, percebi o quanto ela é não apenas para mim, mas você também. Para nós dois. Creio que Demi tinha razão; temos um filho maravilhoso e precisamos conhecê-lo melhor.

O calafrio que Joe sentiu nada teve a ver com o ar-condicionado.

– Não quero ser a massa que preenche a lacuna só porque você acha que pode perder mamãe.

– Não. Não é isso, nunca. Sua mãe e eu temos sentido saudade de você nos últimos anos. Porém, as coisas deram uma tremenda guinada. Não sei se era sua intenção, mas você nos cortou da sua vida.

Não havia nada a dizer, então Joe permaneceu em silêncio.

Charles assentiu em reconhecimento.

– Não era nada além do que merecíamos. Não podemos mudar o passado. Só temos o futuro. Sua mãe e eu gostaríamos de fazer parte da sua vida.

Joe esperara uma eternidade por isto. Devia estar em êxtase. Mas construíra um muro em torno de suas emoções. Cada dor, cada hora solitária colocara mais um tijolo no lugar. Uma oferta bem intencionada não seria capaz de derrubar algo tão firmemente sedimentado. Joe esfregou o pescoço, tenso.

– Não sei.

– É justo. – Paul bebericou o chá.

Joe terminou seu café. O pai pigarreou.

– Bem, e Demi? Ela é a noiva de Wilmer?

Joe preferia infinitamente se concentrar em Demi e em Wilmer em vez de focar em seu relacionamento, ou na falta dele, com seus pais.

– Até ontem à noite, ela era noiva de Wilmer. Não sou gay e nunca serei. Wilmer, no entanto, acabou de sair do armário.

Paul piscou. Duas vezes.

– Isso é bem semelhante a alguma série dramática picante da TV.

Joe sorriu. Seu pai nunca pretendia ser engraçado, mas às vezes… bem, ele simplesmente era. Joe balançou a cabeça.

– É bem complicado, mas a questão é que Demi e eu não somos um casal. Fiquei preso no apartamento dela ontem à noite… esta noite… e quando mamãe achou que… bem, simplesmente deixamos que ela pensasse isso.

– Ah, são só detalhes, e eu não preciso ficar sabendo disso tudo. Só o que importa é a expressão que vi no seu rosto quando ela entrou no quarto.

Paul envolveu a xícara com as mãos, e Joe notou as veias azuis proeminentes por causa do envelhecimento.

– Você e ela compartilham a mesma coisa que eu e sua mãe sempre compartilhamos. Uma ligação profunda, uma conexão que poucas pessoas têm.

Joe explicara que eles não possuíam um relacionamento, mas não tinha intenção alguma de discutir seus sentimentos com o pai, que nunca antes mostrara o menor interesse em nada que lhe dissesse respeito.

– Não acha que é um pouco tarde para resolver que você está interessado na minha vida, pai?

– Isso é você quem sabe; mas não, eu não acho. Não posso mudar o passado, mas posso mudar o futuro.

Joe não sabia o que dizer. Não iria prometer nada que não pudesse cumprir, e não fazia a menor ideia se era ou não tarde demais.

Paul pareceu decepcionado.

– Tudo bem. Você vai voltar amanhã, ou hoje mais tarde, para ver sua mãe?

– Amanhã. – Era o máximo que ele podia prometer.
 
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– O DESTINO deve estar recompensando você pelo seu bom comportamento. Quais são as chances de se conseguir uma vaga em uma rua de Manhattan? – disse Demi assim que Joe estacionou o velho Jaguar de Paul em uma vaga a meia quadra do prédio dela.

– Deve ser por causa de todos os pobres coitados presos no trabalho. – Ele esboçou um sorrisinho.

Paul Jonas oferecera o carro, já que não iria a lugar algum e Joe retornaria na manhã do dia seguinte… bem, nesse dia, mais tarde.

Demi se sentia mais do que satisfeita por voltar para casa sob o ar-condicionado, em vez de ter que ir correndo. Eles voltaram no automóvel pelas ruas escuras em um silêncio sociável, já que cada um estava envolto nos próprios pensamentos.

– Papai disse que há uma lanterna no porta-malas. Dê-me um minuto que vou pegá-la. – Joe abriu sua porta e saiu.

Por ela, tudo bem. Os assentos gastos de couro eram macios como luvas. Não era esforço nenhum ficar sentada ali mais um pouco.

O porta-malas foi fechado, e Joe reapareceu à porta, lanterna em mãos, o facho de luz deixando a escuridão ao redor ainda mais densa. Ele abriu a porta para ela.

– Pelo menos não vamos precisar enfrentar as escadas no escuro desta vez.

– Serei eternamente grata ao seu pai. – Demi desceu do carro, a mão de Simon lhe firmando o cotovelo.

Ele era um homem completamente moderno com um senso de cavalheirismo adoravelmente antiquado.

A rua estava silenciosa, deserta.

Demi e Joe pareciam ser as únicas duas pessoas acordadas na cidade. Até mesmo as poucas vozes que eles tinham ouvido ao sair, mais cedo, agora cessaram.

Caminharam até a frente do prédio.

– Foi bom vir dirigindo. – Os dentes dele reluziram a brancura em um sorriso cansado: – Muito melhor do que voltar andando.

Uma vez à porta da frente, Joe segurou a mão de Demi enquanto eles seguiam a faixa de luz, cruzando o saguão que levava à escadaria.

– Não tenho certeza se papai teria oferecido o Jaguar se eu estivesse sozinho. Aposto que nunca conheceu ninguém que não gostasse de você – disse Joe enquanto eles subiam as escadas.

Demi tinha certeza de que Joe tagarelava daquele jeito para distraí-la do breu. Mesmo com a lanterna, aquele pretume era o palco de seus maiores medos. Ela se concentrava na conversa e tentava não pensar sobre ser engolida pelas trevas.

– Isso não é verdade. Mas na maior parte do tempo, me dou bem com todo mundo. Gosto de pessoas. Acho que é por isso que fiquei tão incomodada quando você pareceu não gostar de mim quando nos conhecemos.

– Nunca desgostei de você.

Ela emitiu um som de escárnio, mas não discutiu.

– E a sra. Hinky não gosta de mim.

– Sra. Hinky?

– Minha vizinha de porta. No entanto, ela não gosta de ninguém. Pessoalmente, acho que é um pouco maluca, meio paranoica. Ela está convencida de que todos a espionam.

Joe arfou.

– Por acaso ela mora à sua direita, para quem está de frente para o prédio?

– Sim.

Como Joe conhecia a sra. Hinky?

Joe relatou seu improviso no beiral da janela. Demi gargalhou até ficar sem ar.

– Ai, meus Deus! Isso teria feito qualquer um surtar, que dirá a sra. Hinky! – Ela riu mais ainda.

– Pobre mulher. Tenho certeza de que fui o pior pesadelo dela ganhando vida.

– Eu já o vi nu, e garanto que não é pesadelo nenhum. Mas é melhor eu ir até lá e explicar a ela amanhã… bem, hoje mais tarde… assim a sra. Hinky não vai ficar completamente surtada.

– Não é má ideia. – Ele puxou a mão de Demi para fazê-la parar. – Chegamos.

Até que foi bem rápido.

– Tem certeza?

– Sim. – Ele jogou o feixe de luz sobre o número estampado na porta. – Sétimo andar.

Seguiram em silêncio pelo corredor. Chegando ao apartamento, Demi destrancou a porta e eles entraram. Lá dentro estava tão quente quanto na hora em que saíram.

– Espere um segundo, vou acender isso – disse Joe. Uma pequenina vela votiva bruxuleou para a vida. Ele desligou a lanterna. – Não quero desperdiçar as pilhas.

Com um miado, Joe, ex-Peaches, a saudou. Surpresa, Demi o pegou no colo.

– Ei… Sentiu saudade de nós? – Demi olhou para Joe, o homem, que agora havia acendido duas velas de sete dias. – Uau! Ele nunca me cumprimentou antes.

O gato bateu no queixo dela com a patinha com garras aparadas. Ela riu e voltou a colocá-lo no chão.

– Certo. Já chega, não é?

– É a mudança de nome – afirmou Joe, o espectro de um sorriso pairando em seus lábios.

– Pode ser. Ou foi minha fé de que meu gatinho mudaria de ideia um dia. Nossas percepções se tornam nossa realidade.

Nossa, de onde viera aquilo? Ela devia estar cansada para expelir pílulas filosóficas.

A exaustão a tomou de assalto. Fisicamente, emocionalmente, mentalmente sentia-se esgotada. Demi se espreguiçou e captou o cheirinho sob a axila. Eca!

– Eu poderia dormir por uma semana, mas preciso tomar um banho antes. Quer vir comigo? Só para tomar banho mesmo – completou ela, assegurando que Joe soubesse que não estava oferecendo sexo.

– Claro. – Joe riu. – Não sou capaz de mais nada agora. Não acho que conseguiria nem levantar o meu amiguinho. Nem mesmo para você.

Demi sorriu. Aquela era uma das coisas que adorava em Joe. Ele era tão genuíno… Quantos homens admitiriam isso? Ela contornou o sofá.

– Ótimo. Eu não conseguiria fazer nada além de deitar aqui e provavelmente apagar, mesmo que você conseguisse levantá-lo.

Joe passou o braço em torno da cintura dela, e Demi acolheu o apoio.

– Tudo bem então. Só banho.

Com a velinha em uma das mãos e o outro braço ao redor dela, Joe a conduziu pelo corredor e para o banheiro. Colocou a vela na pia, o espelho refletindo a luz.

Demi tirou os tênis e removeu o short, a calcinha e as meias. A camiseta e o sutiã se juntaram à pilha de roupas sujas no chão.

Ela observava Joe terminando de se despir… foi um pouco mais demorado para tirar as botas e a calça jeans. Absolutamente adorável. Esguio e musculoso. Ele olhou para cima e flagrou Demi a apreciá-lo.

– O que foi?

– Estou cansada, Joe, não inconsciente. Só estou tirando um tempinho para aproveitar a vista.

Joe sorriu para Demi e seguiu para ligar o chuveiro. Aqueles ombros, a cintura estreita, o traseiro firme, as coxas musculosas. Ela sentiu a excitação esvoaçar no baixo-ventre. E a onda instantânea de desejo sendo traduzida em um calor úmido, quente e escorregadio entre as coxas.

– Se eu não estivesse tão cansada, tentaria seduzi-lo para um sexo suado, sujo e enlouquecedor no chão.

Joe arqueou uma sobrancelha para ela, olhando por sobre o ombro, e Demi riu baixinho. A expressão dele era metade esperança, metade uma descrença cansada. Demi balançou a cabeça.

– É uma pena desperdiçar o momento quando você está completamente nu e… – ela olhou para a coxa dele, as nádegas expostas – bem, nu. Mas de fato estou cansada demais.

Ele deu risada e saltou sobre as roupas empilhadas para segurar a mão dela.

– Acho que vou ter de queimar essas peças quando chegar em casa. – Joe a guiou para o chuveiro.

Demi não queria pensar em Joe indo para casa. Não queria que a magia da noite terminasse.

– Não sei sobre queimá-las… talvez só uma fumigação.

Ela se posicionou sob o jato gelado do chuveiro. A água fria era deliciosa contra a pele suada, pegajosa. Um silêncio fácil os envolveu, e ela e Joe alternaram a vez sob a água.

Após Demi e Joe já terem passado xampu e esfregado cada centímetro do corpo, ela desligou a água.

Demi vacilou. Agora, limpa e fresca, se rendia à fadiga que pesava em seus membros e entorpecia sua mente.

– Espere. – Joe pegou a toalha dela no gancho e começou a secá-la com delicadeza.

– Eu mesma posso fazer isto – protestou Demi, mas não se mexeu para tomar a toalha dele.

– É claro que pode. – Joe a contornou e lhe secou a água das costas.

Ela cedeu à tentação e apoiou a cabeça no ombro forte.

– Aguente só mais um pouquinho. – Joe se levantou e passou a toalha nos braços, no peito e na barriga dela.

Demi ficou olhando, fascinada pela água pingando dos cílios escuros dele com as gotas presas no queixo com barba por fazer.

– Hum… – Era bom ser mimada. – Acredite ou não, preciso de mais do que uma hora de sono.

Joe riu quando se ajoelhou para secar as pernas dela. A luz fraca da vela dançava ao longo da ondulação dos músculos dos ombros dele, refletindo o brilho e a umidade ao longo do contorno esbelto das costas. Ele se aprumou, passou a toalha molhada no cabelo dela e começou a fazer uma massagem maravilhosa em sua cabeça. Demi gemeu.

– Se você não parar com isso, vou dormir em pé.

Joe colocou a toalha em volta dos ombros dela e sorriu.

– Isso não seria bom. – Pegou outra toalha e secou-se rapidamente, enquanto Demi permanecia ali e o observava como uma garota-zumbi na terra da inconsciência.

Joe saiu da banheira. Antes que ela se desse conta do que ele estava fazendo, Joe pôs um braço atrás dos ombros dela, o outro sob seus joelhos e a pegou no colo. A pele nua dele estava fria e limpa de encontro à dela.

Demi deveria protestar. Dizer que era pesada demais. Que não era necessário. Mas a exaustão a emudeceu. Em vez disso, passou os braços ao redor do pescoço dele e apoiou a face no peito largo, inalando o aroma de sabonete de Joe. O ritmo constante do coração dele tocava como uma canção de ninar sob o rosto dela. Apoiada pelos braços fortes, a pele dele contra a sua, cercada pelo perfume dele, Demi se entregou ao sono…
 
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4 comentários:

  1. Que lindo! É muito amor gente. Quando será que eles vão confessar o amor que sentem um pelo outro? Vai ter casamento? Estou surtando aqui. Posta mais!!!

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  2. Que tudo esses capítulos! Simplesmente divaram! Jesus imagina esse Joe nu? Por que eu ia pirar kkkkkk
    Posta mais por favor!
    Fabíola Barboza :*

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  3. Que cap fofo.... nao quero que acabe, tenho quase certeza que o joe vai ignorar a demi :/

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