5.9.14

Enroscado - Capitulo 8 - Maratona 4.5

 
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Anta.

Dizem que a mágoa é um processo. Com fases.

Babaca.

E que separações são parecidas com a morte. O falecimento da pessoa que você era, da vida que você tinha planejado ter.

Cretino.

A primeira fase é a da surpresa. Desânimo. Como uma daquelas árvores de uma floresta depois que um incêndio a estragou: queimada e oca, mas, ainda assim, continua em pé.

Como se alguém tivesse se esquecido de lhe contar que ela deve se deitar quando está morta.

Descarado.

Quer tentar adivinhar qual é a segunda fase?

Ah, claro, é a raiva.

O que você me causou, estou melhor sem você, nunca gostei de você mesmo: raiva.

Estúpido. Não, isso é bobagem. Escroto.

Melhor.

O alfabeto de xingamentos? É um jogo que Deloris e eu inventamos na faculdade. Para descarregar nossa frustração contra os professores intocáveis e severos, que estavam dificultando nossas vidas.

Pode participar, se quiser. É catártico.

E, por algum motivo, muito mais fácil quando você está no ensino superior.

Filho da mãe.

Bom, do que estava falando mesmo? Claro, raiva.

Gentalha.

Fúria é bom. Fogo é combustível. Vapor é poder. E a ira te mantém em pé, quando tudo o que gostaria de fazer é se enrolar em uma bola no chão, como um tatu assustado.

Hipócrita.

Aqui vai um fato para você: homens casados vivem dez vezes mais do que os solteiros. Mulheres casadas, no entanto, morrem oito anos antes do que as solteiras.

Está surpresa? Eu também não estou.

Idiota.

Pois homens são parasitas. Aqueles sugadores na floresta tropical, que entram pela sua genitália, depois depositam ovos nos seus rins.

E Joe Jonas é o maior deles.

Jumento.

A comissária de bordo me oferece uma bebida de cortesia.

Estou no avião. Não mencionei isso?

Não aceito a bebida, estou tentando evitar o banheiro do avião. Tem muitas memórias lá. Memórias alegres, adoráveis.

Ketchup.

Sabe, Joe não gosta de voar. Ele nunca assumiu isso, e esse medo nunca o impediu de voar, mas eu percebia.

Voar exige que você entregue as rédeas para alguém, que deixe de lado a ilusão de controle. E sabemos que Joe tem problemas de controle suficientes para encher todo o Grand Canyon.

Antes da decolagem, ele costumava ficar mal-humorado. Tenso. Em seguida, depois que o sinal do cinto do assento desligava, ele sugeria uma viagem conjunta até o lavatório. Para aliviar a tensão um pouco.

Nunca podia recusar.

O Clube dos que Transam no Avião? Faço parte agora.

Louco.

Depois que o carrinho passa por mim, reclino o assento e fecho os olhos. Penso no que toda mulher desprezada sonha.

Em vingança.

Sofrimento.

Castigo.

Mulherengo.

Não que eu vá dar uma de Lorena Bobitt, aquela que cortou o pênis do marido. A arma mais poderosa de uma mulher é a culpa, muito mais letal do que um facão. Então, os cenários da minha vingança giram em volta da… morte.

Minha morte.

Às vezes, morro de câncer, outras de parto. Mas em cada sonho, Joe bate na porta do meu leito de morte, implorando para entrar, para me dizer como ele estava estupidamente errado.

O quanto ele estava arrependido.

Mas ele sempre chega muito tarde. Já fui embora. E saber daquilo o destrói, o deixa acabado. Arruinado.

A culpa o consome lentamente, como um dente em um copo de coca-cola.

Neurótico.

Ele passa o resto da sua vida sozinho, vestindo roupas pretas, como um velho italiano de oitenta anos.

Otário.

Sorrio.

É um ótimo pensamento.

Pão-duro.

Este é um adjetivo composto.

Deloris ficaria tão orgulhosa.

Quadrúpede.

Ah, claro, ele foi muito.

Ridículo.

Sabe, acho que é melhor assim. Sem brincadeira. Se eu analisar a situação objetivamente, acho que estou melhor assim.

Joe me fez um favor.

Sacana.

Apesar de ele querer brincar de se fantasiar de adulto com os ternos do papai, sabe? Emocionalmente falando, ele é um adolescente. Uma criança.

Traidor.

Aquelas com quem ninguém quer brincar, sabe? Pois se o jogo não acontecer do jeito que ela quer, ela estraçalha o tabuleiro.

Úlcera.

E quem merece isso?

Eu que não. Não, senhor. Mereço mais.

Vagina.

Vou passar por isso. Sou a porra da Demi Lovato.

Vou superar.

Vou sobreviver Vou perseverar.

Workaholic.

Mesmo que seja apenas para ter ódio dele. Teimosia é meu sobrenome.

Xarope.

Estava bem antes do Joe aparecer na minha vida, e continuarei bem depois dele.

Não é porque nunca fiquei sozinha, que não conseguirei.

Eu. Não. Preciso. Dele.

Sério.

Yakisoba.

Se convenceu?

Zero à esquerda. É.

Eu também não.

Sei o que você deve estar pensando. Por quê? Essa é a grande dúvida, certo? Aquela que Nancy Kerrigan ficou famosa por ter inventado. Aquela que todos querem que seja respondida quando acontece uma tragédia.

Por quê? Por quê? Por quê?

Seres humanos gostam de explicações. Precisamos de razões, algo para pôr a culpa. As barragens eram muito baixas, o motorista estava bêbado, a saia dela era muito curta – é uma lista interminável.

A viagem de Akron para Greenville demora umas três horas. É muito tempo para dirigir. E para pensar. Passei a viagem toda pensando no por quê.

Se tivesse que fazer tudo isso de novo, perguntaria para ele. Gostaria de poder dizer que tudo não passou de um terrível erro. Um desentendimento, como em Romeu e Julieta ou em Amor, sublime amor.

Mas sério, quais são as chances disso? Se tivesse que chutar, diria que Joe apenas não estava pronto para crescer, para assumir aquele nível de responsabilidade. De comprometimento.

Olhe para minha mão. Você vê uma aliança? Isso não é um acidente.

Ele é um ótimo tio para Mackenzie. Dedicado. Cuidadoso. O tipo de homem que brigaria com outro comprador pela última boneca da loja, dois dias antes do Natal. Ele faria qualquer coisa por ela.

Mas ser pai é diferente. Tudo depende de você e quase nunca mais é sobre você. E acho que essa é a parte que Joe não aguentaria.

Pessoalmente, culpo Anne e Alexandra. Não me entenda mal, elas são ótimas, mas… deixa eu te explicar melhor: no último verão, Alexandra levou todo mundo para a casa de campo dos pais para o aniversário da Mackenzie. Joe e eu chegamos atrasados porque paramos em uma estrada deserta para dar uns amassos.

Aliás, sexo no carro? É uma coisa maravilhosa. Caso queira se sentir jovem e desinibida, faça no banco traseiro. Mas estou só divagando.

Bom, estávamos lá, nos divertindo na piscina, aí me levantei para pegar um pedaço de pizza. Mas o Joe se levantou? Claro que não. Sua mãe já tinha esquentado um pedaço crocante e fresco na cozinha pra ele. E sua irmã o trouxe para ele na cadeira da piscina, com uma cerveja gelada.

Ele tinha quebrado as pernas? Estava sofrendo algum tipo de ataque precoce de mal de Parkinson, que lhe impossibilitou de esquentar sua própria comida? Ou, Deus do céu, comê-la fria? Não. Esse é apenas o jeito como elas o tratam, como sempre foi.

Mimando. Estragando.

E não consigo deixar de pensar que, se Anne e Alexandra o deixassem pegar a porcaria da pizza de vez em quando, talvez ele pudesse ter aceitado a notícia um pouco melhor. Pudesse estar mais preparado.

Mas, no final das contas, isso não importa. Saber o motivo não muda nada. Então, enquanto passava pela placa de SEJA BEM-VINDO A GREENVILLE, prometi que nunca mais me questionaria do por quê. Não perderia meu tempo.

Mas sabe de uma coisa? Deus tem um senso de humor doentio.

Pois, daqui a alguns dias, eu estarei me perguntando o por quê novamente.

Por uma razão completamente diferente e infinitamente mais devastadora.

Lamento ser a pessoa a te contar isso, mas, sim, isso fica muito pior.

Você vai ver.

Já visitou sua escola anos depois de ter se formado?

As carteiras, janelas e paredes continuam iguais… mas, de algum modo, diferentes? De algum jeito, menores.

É assim que me sinto.

Dirigindo pela avenida principal, no caminho até minha casa, tudo está exatamente como me lembro… mas não está. A cobertura vermelha do lado de fora da loja de ferragens do senhor Reynold está verde agora. A farmácia Falcone mudou para Rite Aid. Mas a chamativa palmeira rosa ainda está na janela do Salão de Beleza da Penny, onde Deloris e eu fizemos nossas unhas antes do baile de formatura. O velho banco verde do parque também continua lá, fora do restaurante dos meus pais, onde costumava prender minha bicicleta depois da escola.

Estaciono o carro e saio, com minha mala de viagem no ombro. É um pouco depois do meio-dia e o sol está forte e quente, o ar está com cheiro de areia e torta assando. Atravesso a rua e abro a porta. O barulho de conversa se acalma assim que paro na entrada, e uma dúzia de rostos familiares e amigáveis me examina.

A maioria das pessoas neste lugar me conhece desde que nasci. Para elas, sou a filha do Nate e da Carol, a garota de cabelo preto com tranças, que se deu bem. Que superou as dificuldades financeiras e deixou sua família orgulhosa. Sou a história de sucesso que as professoras da escola contam para seus alunos, com a esperança de que possam inspirá-los a sonhar com coisas melhores do que a fábrica de automóveis pode lhes oferecer.

Forço meus lábios para sorrir educadamente, acenando e cumprimentando brevemente ao passar pelas mesas, em direção à porta dos fundos. Está vendo a placa?

SOMENTE FUNCIONÁRIOS.

Respiro profundamente. E toda a raiva que me fez continuar, que me trouxe até aqui, vai embora. Uma exaustão me sobrecarrega. E me sinto esgotada, vazia. Meus membros estão sem ossos, como se tivesse acabado de passar pela linha de chegada em uma maratona íngreme de dez quilômetros.

Empurro a porta. E a primeira coisa que vejo é minha mãe, apoiada na mesa, analisando uma lista de entregas de produtos.

Ela é linda, não é? Sei que a maioria das filhas acha as mães bonitas, mas a minha realmente é. Seu cabelo castanho escuro está preso num rabo de cavalo bem alto, igual ao meu. Sua pele é clara e limpa, com pouquíssimas rugas em volta dos lábios e olhos. Se rugas forem coisas hereditárias, então ganhei na loteria.

Mas, além de sua aparência, minha mãe também é linda por dentro. Parece clichê, mas é verdade. Ela não muda nunca. Inabalável. Confiável. A vida nunca foi muito fácil para ela. Mas ela seguiu em frente, continuou, com dignidade e misericórdia. Minha mãe não é otimista. Ela é impassível, como uma estátua que continua em pé mesmo depois de um furacão.

A porta bate atrás de mim e ela levanta a cabeça. Seus olhos brilham e ela dá um grande sorriso.

– Demi! – ela encosta a lista e vem até mim.

Ela nota meu rosto. E os cantos de seu sorriso caem como uma pena no vento. Sua voz se aquieta e fica cheia de preocupação.

– Demi, qual é o problema?

Meus braços se cansam e a mala cai no chão.

Ela dá outro passo.

– Dem? Querida? O que aconteceu?

Bom, esta é uma ótima pergunta. Devia responder, mas não consigo. Porque minhas mãos estão cobrindo meu rosto. E o único som que escapa de meus lábios são soluços ofegantes.

Seus braços me puxam, fortes e quentes, e com cheiro de amaciante. E ela me abraça, apertado e seguramente, apenas como uma mãe consegue.

Você se lembra da caixa de aço? Sim, está aberta agora. E tudo o que aconteceu começa a sair rapidamente.

Nancy Kerrigan foi uma atleta da patinação norte-americana. Ela foi atacada a mando de uma rival e algumas câmeras de segurança registraram o momento em que ela gritava “Why? Why? Why?”. (N. E.)


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Capitulo programado... Comentem, beijooos <3

2 comentários:

  1. Mães, melhores pessoas no mundo. Ainda to com raiva do Joe ¬¬ Continuaaaaa

    -Nathalia-

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  2. manoooooooooo Joe sério que raiva meu ¬¬¬¬ faz as coisas sem saber direito o que aconteceu, quero ve-lo sofrer e muito!!!!!!!
    Xoxo -Y

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