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Anta.
Dizem que a mágoa é um processo. Com fases.
Babaca.
E que separações são parecidas com a morte. O
falecimento da pessoa que você era, da vida que você tinha
planejado ter.
Cretino.
A primeira fase é a da surpresa. Desânimo. Como
uma daquelas árvores de uma floresta depois que um incêndio a
estragou: queimada e oca, mas, ainda assim, continua em pé.
Como se alguém tivesse se esquecido de lhe contar
que ela deve se deitar quando está morta.
Descarado.
Quer tentar adivinhar qual é a segunda fase?
Ah, claro, é a raiva.
O que você me causou, estou melhor sem você,
nunca gostei de você mesmo: raiva.
Estúpido. Não, isso é bobagem. Escroto.
Melhor.
O alfabeto de xingamentos? É um jogo que Deloris
e eu inventamos na faculdade. Para descarregar nossa frustração
contra os professores intocáveis e severos, que estavam dificultando
nossas vidas.
Pode participar, se quiser. É catártico.
E, por algum motivo, muito mais fácil quando você
está no ensino superior.
Filho da mãe.
Bom, do que estava falando mesmo? Claro, raiva.
Gentalha.
Fúria é bom. Fogo é combustível. Vapor é
poder. E a ira te mantém em pé, quando tudo o que gostaria de fazer
é se enrolar em uma bola no chão, como um tatu assustado.
Hipócrita.
Aqui vai um fato para você: homens casados vivem
dez vezes mais do que os solteiros. Mulheres casadas, no entanto,
morrem oito anos antes do que as solteiras.
Está surpresa? Eu também não estou.
Idiota.
Pois homens são parasitas. Aqueles sugadores na
floresta tropical, que entram pela sua genitália, depois depositam
ovos nos seus rins.
E Joe Jonas é o maior deles.
Jumento.
A comissária de bordo me oferece uma bebida de
cortesia.
Estou no avião. Não mencionei isso?
Não aceito a bebida, estou tentando evitar o
banheiro do avião. Tem muitas memórias lá. Memórias alegres,
adoráveis.
Ketchup.
Sabe, Joe não gosta de voar. Ele nunca assumiu
isso, e esse medo nunca o impediu de voar, mas eu percebia.
Voar exige que você entregue as rédeas para
alguém, que deixe de lado a ilusão de controle. E sabemos que Joe
tem problemas de controle suficientes para encher todo o Grand
Canyon.
Antes da decolagem, ele costumava ficar
mal-humorado. Tenso. Em seguida, depois que o sinal do cinto do
assento desligava, ele sugeria uma viagem conjunta até o lavatório.
Para aliviar a tensão um pouco.
Nunca podia recusar.
O Clube dos que Transam no Avião? Faço parte
agora.
Louco.
Depois que o carrinho passa por mim, reclino o
assento e fecho os olhos. Penso no que toda mulher desprezada sonha.
Em vingança.
Sofrimento.
Castigo.
Mulherengo.
Não que eu vá dar uma de Lorena Bobitt, aquela
que cortou o pênis do marido. A arma mais poderosa de uma mulher é
a culpa, muito mais letal do que um facão. Então, os cenários da minha vingança
giram em volta da… morte.
Minha morte.
Às vezes, morro de câncer, outras de parto. Mas
em cada sonho, Joe bate na porta do meu leito de morte, implorando
para entrar, para me dizer como ele estava estupidamente errado.
O quanto ele estava arrependido.
Mas ele sempre chega muito tarde. Já fui embora.
E saber daquilo o destrói, o deixa acabado. Arruinado.
A culpa o consome lentamente, como um dente em um
copo de coca-cola.
Neurótico.
Ele passa o resto da sua vida sozinho, vestindo
roupas pretas, como um velho italiano de oitenta anos.
Otário.
Sorrio.
É um ótimo pensamento.
Pão-duro.
Este é um adjetivo composto.
Deloris ficaria tão orgulhosa.
Quadrúpede.
Ah, claro, ele foi muito.
Ridículo.
Sabe, acho que é melhor assim. Sem brincadeira.
Se eu analisar a situação objetivamente, acho que estou melhor
assim.
Joe me fez um favor.
Sacana.
Apesar de ele querer brincar de se fantasiar de
adulto com os ternos do papai, sabe? Emocionalmente falando, ele é
um adolescente. Uma criança.
Traidor.
Aquelas com quem ninguém quer brincar, sabe? Pois
se o jogo não acontecer do jeito que ela quer, ela estraçalha o
tabuleiro.
Úlcera.
E quem merece isso?
Eu que não. Não, senhor. Mereço mais.
Vagina.
Vou passar por isso. Sou a porra da Demi Lovato.
Vou superar.
Vou sobreviver Vou perseverar.
Workaholic.
Mesmo que seja apenas para ter ódio dele.
Teimosia é meu sobrenome.
Xarope.
Estava bem antes do Joe aparecer na minha vida, e
continuarei bem depois dele.
Não é porque nunca fiquei sozinha, que não
conseguirei.
Eu. Não. Preciso. Dele.
Sério.
Yakisoba.
Se convenceu?
Zero à esquerda. É.
Eu também não.
Sei o que você deve estar pensando. Por quê?
Essa é a grande dúvida, certo? Aquela que Nancy Kerrigan ficou
famosa por ter inventado. Aquela que todos querem que seja respondida
quando acontece uma tragédia.
Por quê? Por quê? Por quê?
Seres humanos gostam de explicações. Precisamos
de razões, algo para pôr a culpa. As barragens eram muito baixas, o
motorista estava bêbado, a saia dela era muito curta – é uma
lista interminável.
A viagem de Akron para Greenville demora umas três
horas. É muito tempo para dirigir. E para pensar. Passei a viagem
toda pensando no por quê.
Se tivesse que fazer tudo isso de novo,
perguntaria para ele. Gostaria de poder dizer que tudo não passou de
um terrível erro. Um desentendimento, como em Romeu e Julieta ou em
Amor, sublime amor.
Mas sério, quais são as chances disso? Se
tivesse que chutar, diria que Joe apenas não estava pronto para
crescer, para assumir aquele nível de responsabilidade. De
comprometimento.
Olhe para minha mão. Você vê uma aliança? Isso
não é um acidente.
Ele é um ótimo tio para Mackenzie. Dedicado.
Cuidadoso. O tipo de homem que brigaria com outro comprador pela
última boneca da loja, dois dias antes do Natal. Ele faria qualquer
coisa por ela.
Mas ser pai é diferente. Tudo depende de você e
quase nunca mais é sobre você. E acho que essa é a parte que Joe
não aguentaria.
Pessoalmente, culpo Anne e Alexandra. Não me
entenda mal, elas são ótimas, mas… deixa eu te explicar melhor:
no último verão, Alexandra levou todo mundo para a casa de campo
dos pais para o aniversário da Mackenzie. Joe e eu chegamos
atrasados porque paramos em uma estrada deserta para dar uns amassos.
Aliás, sexo no carro? É uma coisa maravilhosa.
Caso queira se sentir jovem e desinibida, faça no banco traseiro.
Mas estou só divagando.
Bom, estávamos lá, nos divertindo na piscina, aí
me levantei para pegar um pedaço de pizza. Mas o Joe se levantou?
Claro que não. Sua mãe já tinha esquentado um pedaço crocante e
fresco na cozinha pra ele. E sua irmã o trouxe para ele na cadeira
da piscina, com uma cerveja gelada.
Ele tinha quebrado as pernas? Estava sofrendo
algum tipo de ataque precoce de mal de Parkinson, que lhe
impossibilitou de esquentar sua própria comida? Ou, Deus do céu,
comê-la fria? Não. Esse é apenas o jeito como elas o tratam, como
sempre foi.
Mimando. Estragando.
E não consigo deixar de pensar que, se Anne e
Alexandra o deixassem pegar a porcaria da pizza de vez em quando,
talvez ele pudesse ter aceitado a notícia um pouco melhor. Pudesse
estar mais preparado.
Mas, no final das contas, isso não importa. Saber
o motivo não muda nada. Então, enquanto passava pela placa de SEJA
BEM-VINDO A GREENVILLE, prometi que nunca mais me questionaria do por
quê. Não perderia meu tempo.
Mas sabe de uma coisa? Deus tem um senso de humor
doentio.
Pois, daqui a alguns dias, eu estarei me
perguntando o por quê novamente.
Por uma razão completamente diferente e
infinitamente mais devastadora.
Lamento ser a pessoa a te contar isso, mas, sim,
isso fica muito pior.
Você vai ver.
Já visitou sua escola anos depois de ter se
formado?
As carteiras, janelas e paredes continuam iguais…
mas, de algum modo, diferentes? De algum jeito, menores.
É assim que me sinto.
Dirigindo pela avenida principal, no caminho até
minha casa, tudo está exatamente como me lembro… mas não está. A
cobertura vermelha do lado de fora da loja de ferragens do senhor
Reynold está verde agora. A farmácia Falcone mudou para Rite Aid.
Mas a chamativa palmeira rosa ainda está na janela do Salão de
Beleza da Penny, onde Deloris e eu fizemos nossas unhas antes do
baile de formatura. O velho banco verde do parque também continua
lá, fora do restaurante dos meus pais, onde costumava prender minha
bicicleta depois da escola.
Estaciono o carro e saio, com minha mala de viagem
no ombro. É um pouco depois do meio-dia e o sol está forte e
quente, o ar está com cheiro de areia e torta assando. Atravesso a
rua e abro a porta. O barulho de conversa se acalma assim que paro na
entrada, e uma dúzia de rostos familiares e amigáveis me examina.
A maioria das pessoas neste lugar me conhece desde
que nasci. Para elas, sou a filha do Nate e da Carol, a garota de
cabelo preto com tranças, que se deu bem. Que superou as
dificuldades financeiras e deixou sua família orgulhosa. Sou a
história de sucesso que as professoras da escola contam para seus
alunos, com a esperança de que possam inspirá-los a sonhar com
coisas melhores do que a fábrica de automóveis pode lhes oferecer.
Forço meus lábios para sorrir educadamente,
acenando e cumprimentando brevemente ao passar pelas mesas, em
direção à porta dos fundos. Está vendo a placa?
SOMENTE FUNCIONÁRIOS.
Respiro profundamente. E toda a raiva que me fez
continuar, que me trouxe até aqui, vai embora. Uma exaustão me
sobrecarrega. E me sinto esgotada, vazia. Meus membros estão sem
ossos, como se tivesse acabado de passar pela linha de chegada em uma
maratona íngreme de dez quilômetros.
Empurro a porta. E a primeira coisa que vejo é
minha mãe, apoiada na mesa, analisando uma lista de entregas de
produtos.
Ela é linda, não é? Sei que a maioria das
filhas acha as mães bonitas, mas a minha realmente é. Seu cabelo
castanho escuro está preso num rabo de cavalo bem alto, igual ao
meu. Sua pele é clara e limpa, com pouquíssimas rugas em volta dos
lábios e olhos. Se rugas forem coisas hereditárias, então ganhei
na loteria.
Mas, além de sua aparência, minha mãe também é
linda por dentro. Parece clichê, mas é verdade. Ela não muda
nunca. Inabalável. Confiável. A vida nunca foi muito fácil para
ela. Mas ela seguiu em frente, continuou, com dignidade e
misericórdia. Minha mãe não é otimista. Ela é impassível, como
uma estátua que continua em pé mesmo depois de um furacão.
A porta bate atrás de mim e ela levanta a cabeça.
Seus olhos brilham e ela dá um grande sorriso.
– Demi! – ela encosta a lista e vem até mim.
Ela nota meu rosto. E os cantos de seu sorriso
caem como uma pena no vento. Sua voz se aquieta e fica cheia de
preocupação.
– Demi, qual é o problema?
Meus braços se cansam e a mala cai no chão.
Ela dá outro passo.
– Dem? Querida? O que aconteceu?
Bom, esta é uma ótima pergunta. Devia responder,
mas não consigo. Porque minhas mãos estão cobrindo meu rosto. E o
único som que escapa de meus lábios são soluços ofegantes.
Seus braços me puxam, fortes e quentes, e com
cheiro de amaciante. E ela me abraça, apertado e seguramente, apenas
como uma mãe consegue.
Você se lembra da caixa de aço? Sim, está
aberta agora. E tudo o que aconteceu começa a sair rapidamente.
Nancy Kerrigan foi uma atleta da patinação
norte-americana. Ela foi atacada a mando de uma rival e algumas
câmeras de segurança registraram o momento em que ela gritava “Why?
Why? Why?”. (N. E.)
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Capitulo programado... Comentem, beijooos <3
Mães, melhores pessoas no mundo. Ainda to com raiva do Joe ¬¬ Continuaaaaa
ResponderExcluir-Nathalia-
manoooooooooo Joe sério que raiva meu ¬¬¬¬ faz as coisas sem saber direito o que aconteceu, quero ve-lo sofrer e muito!!!!!!!
ResponderExcluirXoxo -Y