5.9.14

Enroscado - Capitulo 7 - Maratona 3.5

 
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A característica que representa a personalidade do Tipo A é ter metas e estratégias para alcançá-las. Com certeza, sou do Tipo A.

Planejar é minha religião, e a lista das obrigações diárias é minha bíblia.

Mas, ao chegar até o meio do corredor do prédio que tem sido meu lar nos últimos dois anos, congelo. Porque pela primeira vez em minha vida, não tenho ideia do que fazer. Estou sem direção alguma.

E é aterrorizante. Parece sem peso, como um astronauta sendo cortado de sua âncora, deixando ser levado no espaço. Desolado. Condenado.

Minha vida gira em torno de Joe. E nunca pensei que precisaria de um plano B.

Primeiro, minhas mãos começam a tremer, depois os braços e joelhos. A batida do meu coração se eleva rapidamente e tenho quase certeza de que estou hiperventilando.

É adrenalina. A resposta de luta ou fuga é um fenômeno extraordinário. É agir sem pensar antes, um movimento que acontece sem a permissão do seu cérebro.

E a minha resposta está totalmente oscilante. Cada membro grita para eu me mexer. Para ir. Meu corpo não se importa para onde, para qualquer lugar longe daqui. Corra, corra o quanto conseguir, você não pode me pegar, sou o Homem Gengibre.

O Homem Gengibre teve sorte. Ele tinha alguém que o perseguia.

– Senhorita Lovato?

Não o escuto logo de primeira. O som do meu próprio pânico é muito ensurdecedor, como mil morcegos dentro de uma caverna fechada.

Em seguida, ele toca meu braço, me pondo de volta ao chão, trazendo-me à realidade.

– Senhorita Lovato?

O cavalheiro de cabelo grisalho, com olhos verdes cheios de preocupação e um elegante chapéu preto?

Esse é Lou, nosso porteiro.

Ele é um bom rapaz, casado há 23 anos, com duas filhas na faculdade. Já notou que a maioria dos porteiros se chama Lou, Harry ou Sam? Como se os nomes predeterminassem a profissão deles.

– Posso te ajudar com alguma coisa?

Se ele pode me ajudar com alguma coisa?

Uma lobotomia seria muito útil neste exato momento. Nada extravagante, apenas um picador de gelo e um martelo, e, felizmente, faria parte do clube das mentes sem lembranças.

– Está tudo bem, Senhorita Lovato?

Sabe aquele ditado: “É melhor ter amado e perdido do que nunca ter amado”? É asneira. Quem disse isso, não entendia porra nenhuma sobre amor. É melhor ser ignorante, é indolor.

Mas conhecer a perfeição, tocá-la, prová-la, respirá-la diariamente e depois tirarem isso de você? A perda é agonizante. E cada centímetro da minha pele dói por causa disso.

– Preciso… tenho que ir.

Sim, aquela foi minha voz. Uma versão atordoada e confusa, como uma pessoa ferida em algum grave acidente de carro, que fica dizendo para qualquer um que queira escutar que o farol estava verde.

Não era para terminar desse jeito. Não era nem mesmo para terminar. Ele escreveu nas nuvens para mim, lembra?

Para sempre.

Lou olha para a mala no meu ombro.

– Você tá indo para o aeroporto? Está atrasada para algum voo?

Suas palavras ecoam no saco sem fundo que está minha mente agora. Aeroporto… aeroporto… aeroporto… voo… voo… voo.

Quando os pacientes de Alzheimer começam a perder suas memórias, são as mais recentes que somem primeiro. As mais antigas, como o endereço da casa em que eles cresceram ou o nome da professora do segundo ano, ficam porque estão fixas. Elas fazem tão parte deles que a informação é quase instintiva, igual a saber como engolir.

Meus instintos me dominam agora. E começo a planejar.

– Sim… sim, preciso ir até o aeroporto.

Sabe algo sobre lobos? Eles são animais que andam em matilhas. Em famílias.

Exceto quando estão machucados.

Caso isso aconteça, o lobo machucado sai à noite sozinho, para não atrair predadores. E volta para a última caverna que o grupo ocupou. Pois lhe é familiar. Segura. Fica por lá para se recuperar.

Ou morrer.

– Lou?

Ele vira para mim na entrada.

– Preciso de papel e caneta. Tenho que enviar uma carta. Você pode enviá-la para mim?

Os porteiros da cidade de Nova York não só abrem portas. Eles fazem entregas, recebem entregas, protegem e ajudam com serviços domésticos.

– Claro, senhorita Lovato.

Ele me dá uma folha de papel e uma caneta esferográfica de ponta fina. Em seguida, sai para chamar meu táxi. Sento-me e escrevo de uma vez. Qualquer criança de nove anos pode te falar que este é o melhor jeito de arrancar um esparadrapo.

Parece um bilhete de suicídio. De certo modo, acho que é.

Para minha carreira.

Sr. John Jonas,

Devido às inesperadas circunstâncias pessoais, não poderei mais cumprir o meu contrato com a Jonas, Reinhart e Fisher. Por meio desta, envio minha carta de demissão sem aviso prévio.

Lamentavelmente,

Demetria Lovato.

É fria, eu sei. Mas profissionalismo é o único escudo que me restou.

Sabe, para uma menina, há algo especial em relação à aprovação de um pai. Talvez seja algum resquício evolutivo da época em que filhas eram apenas propriedades para serem trocadas e vendidas para quem desse mais. Não importa a razão, a aprovação de um pai é importante, tem mais valor.

Quando tinha dez anos, o Departamento de Parques e Recreação de

Greenville realizava testes para a Liga dos Jovens. Sem ter um filho para investir em beisebol, meu pai passou seu tempo me ensinando os pontos mais importantes deste jogo. Eu era uma moleca, então não foi difícil.

Naquele ano, meu pai achava que eu era boa demais para jogar apenas softbol com as outras garotas. Achava que a liga dos meninos seria um desafio melhor.

E eu acreditei. Pois ele acreditava nisso.

Pois ele acreditava em mim.

Billy riu da minha cara, disse que acabaria com o nariz quebrado. Deloris foi assistir e ficou pintando suas unhas na arquibancada. Entrei na equipe. No final da temporada, consegui o melhor recorde de arremesso da liga toda. Meu pai ficou tão orgulhoso, até colocou meu troféu ao lado da caixa registradora do restaurante e ficava se gabando para quem quisesse ouvir. Até mesmo para aqueles que não queriam.

Três anos depois, ele faleceu.

E foi devastador, pois, como um cego que já pôde ver, eu sabia exatamente o que estava perdendo. Nunca mais joguei beisebol de novo.

Mais tarde, conheci John Jonas. Ele me elegeu, escolheu, entre mil candidatos. Ele promoveu minha carreira. Tinha orgulho de cada acordo que fechava, cada sucesso que conseguia.

Por um momento, senti como se tivesse um pai outra vez.

John me trouxe até Joe. E nossas vidas se entrelaçaram, como hera em volta de uma árvore. Sabe como é… Sua família se tornou a minha e tudo aquilo que vem com isso. As advertências da Anne, a proteção de Alexandra, as piadas do Steven, as provocações de Matthew… a meiga Mackenzie.

E agora perdi tudo isso também.

Porque apesar de achar que eles não vão concordar com o que o Joe fez, com a maneira como ele me tratou, você conhece o ditado: o amor de uma família é mais forte do que tudo. Então, no final das contas, não importa o quanto achem repugnantes as atitudes de Joe, eles não vão ficar do meu lado.

– Senhorita Lovato, seu carro está lá fora. Está pronta?

Antes de dobrar a carta, rabisco duas palavras embaixo da minha assinatura. Duas palavras inadequadamente dolorosas.

Me desculpe.

Forço, então, minhas pernas para me levantar e dou o envelope com o endereço para Lou. Vou até a porta.

Atrás de mim, o elevador faz barulho. Paro e viro para as duas portas grandes douradas.

Espero.

Com fé.

Por que é assim que sempre acontece nos filmes, né? Alguém muito especial, A garota de rosa shocking e em todos aqueles outros filmes do John

Hughes, que cresci assistindo. Um pouco antes de a mulher ir embora ou entrar no carro, o homem vem correndo.

Perseguindo-a.

Gritando seu nome.

Falando que aquilo não foi nada. Nadinha.

E, então, eles se beijam. E a música toca e os créditos rolam.

É o que quero agora. Aquele final feliz que todo mundo sabia que aconteceria.

Seguro minha respiração. E as portas se abrem.

Quer adivinhar quem está lá? Vá em frente, eu espero.

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Está vazio.

Sinto meu peito desmoronar por dentro. Começo a respirar rapidamente, ofegando através da dor, como quando você torce o tornozelo. Minha visão embaça quando as portas do elevador lentamente se fecham.

Parece tão simbólico.

Acho que agora tenho que fechar minhas próprias portas, não é?

Seco os olhos. E fungo. Arrumo a mala no meu ombro.

– Sim, Lou. Agora, estou pronta.


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Capitulo programado, comentem ;) Beijooos <3


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