18.10.14

Um Pequeno Milagre - Capítulo 3


~

Joe não se preocupava.

Ele ficava apreensivo por seus pacientes de vez em quando, mas preocupação não era com ele.

O pior dia da vida dele acontecera havia muito tempo, e ele sabia que as coisas jamais poderiam ficar tão ruins novamen­te, consequentemente, ele apenas seguia em frente. Não se afligia, nem ficava se remoendo ou se preocupava.

Ele não se preocupava fazia anos.

Mas agora havia alguma coisa lhe incomodando, e, ainda que tentasse ignorar o fato, o incômodo persistia.

Era apenas o segundo dia dele no Hospital Bay View, e haviam aberto a porteira.

Uma pessoa afogada havia sido trazida às pressas, assim como as vítimas de um engavetamento na estrada à beira-mar. Estava fazendo mais de 40 graus, e as pessoas estavam des­maiando por toda a parte. Era mais um daqueles dias em que todos se esforçavam para dar conta do trabalho, e trabalhavam até o limite e além.

Inclusive Demi.

Ele podia ver os tornozelos dela inchando à medida que o plantão prosseguia, a observava expirando pesadamente pela boca e suas faces vermelhas, enquanto ela esvaziava mais um carrinho e o preparava para a interminável lista de recipientes, podia ver o esforço nos movimentos dela, e, então, finalmente, a expressão de puro alívio em seu rosto às 3:30 da tarde, quan­do o plantão dela acabou. Enquanto a observava caminhar trê­mula, gostando ou não, Joe estava preocupado.

— O que você vai fazer esta noite? — Belinda estava digi­tando rapidamente em seu computador. No final da casa dos 30, e absolutamente estonteante, ela era também inteligente. Com cabelos negros compridos, tinha olhos castanhos amendoados, lábios vermelhos e grossos, e se vestia como se tives­se acabado de sair de uma capa de revista.

Felizmente, felizmente mesmo, Joe não se sentia nem um pouco atraído por ela, o que significava que não havia proble­mas em dividir uma sala minúscula e que eles podiam conver­sar com facilidade sobre as coisas, o que faziam naquele mo­mento, enquanto Joe encerrava seu expediente e arrumava sua maleta. Era apenas o segundo dia de trabalho dele, e a papelada já estava se acumulando.

— Eu vou dar uma parada no escritório do corretor de imó­veis, e então vou até a delicatessen para comprar uma salada de galinha em vez de um hambúrguer — Joe pensou por um momento —, e depois eu vou me obrigar a ir correr esta noite. E você?

— Eu vou te mostrar... — Ela sorriu maliciosamente. — Venha cá.

Curioso, Joe foi até a mesa dela e olhou para a tela do computador, deparando-se com a imagem de um homem de aparência bem comum.

— Clínico geral, perto dos 40, tem filhos, mas não quer envolvê-los ainda...

— Como? — Joe não fazia ideia do que ela estava falando.

— Isso é bom — disse Belinda. — O último cara com quem eu saí levou os filhos no segundo encontro! Nós conversamos pelo telefone — Belinda explicou para um diverti­do Joe —, e ele parece ótimo, nós vamos sair para tomar um café esta noite.

— Você tem um encontro com ele?

— Café. — Belinda riu. — Você deveria tentar, faria o maior sucesso!

Joe sacudiu a cabeça.

— Namoro via internet não é para mim.

— Não descarte a possibilidade antes de tentar.

— Tome cuidado. — Joe franziu as sobrancelhas. — Você não deveria levar alguém quando for encontrá-lo? Ele pode ser qualquer tipo de pessoa!

— Ele é exatamente quem diz ser. — Belinda deu uma piscadinha. — Eu verifiquei a ficha dele.

— Bem, boa sorte.

O corretor de imóveis estava sendo gentil com Joe nova­mente, ele havia ficado um tanto chateado no começo quando Joe não comprara o apartamento, mas obviamente havia su­perado aquilo e era o melhor amigo de Joe de novo, agora que tinha um genuíno cliente em potencial para a casa.

— Eu posso dar uma olhada? — Joe perguntou.

— Não até abrirmos para visitação no final de semana — disse o corretor. — Depois disso, eu posso marcar uma visita particular para você.

— Na verdade, eu estou trabalhando neste final de semana — disse Joe —, então não se preocupe.

— Mas você vai vir dar uma olhada? — o corretor pergun­tou, ansioso.

— Como eu disse... — Joe deu de ombros. — Eu estou trabalhando, mas isso não é um problema, realmente. Na ver­dade, eu vou visitar outra casa esta noite.

Aquilo certamente fez com que o corretor pegasse o telefo­ne. Uma visita particular foi marcada em menos de uma hora, e Joe andou à vontade pela casa que estava pensando seria­mente em chamar de lar. Seria preciso muito trabalho, a cozi­nha estava um desastre, e o banheiro do andar de baixo teria que ser totalmente refeito, mas o quarto principal já havia sido reformado, com janelas que iam do chão ao teto com uma vis­ta espetacular da baía, e um banheiro fantástico. Sim, a casa era grande demais para uma pessoa, mas ela simplesmente pa­recia ser a escolha certa. Ele poderia reformá-la, pensou Joe, fazer tudo bem devagar, reconstruir a cozinha, organizar o quintal... De pé no quarto principal, olhando pela janela para a baía, Joe sentiu o primeiro sopro de contentamento em anos, a primeira, primeiríssima sensação de como estar em casa deve ser, finalmente. Apesar de sua indiferença com o corre­tor, apesar de ter sacudido a cabeça ao descobrir o preço da casa e que o proprietário queria um acordo rápido, ele estava apenas jogando o jogo necessário. Joe mal podia esperar pelo leilão.

Uma onda de calor atingiu Joe quando ele abriu a porta de seu apartamento. Ele abriu as janelas, ligou um ventilador e colocou seu jantar na geladeira, então, tirou a roupa e rezou para que o chuveiro estivesse frio naquela noite, o que feliz­mente aconteceu.

Depois de tomar banho, vestiu shorts e foi para a cozinha. De repente, sem aviso, ouviu-se um ruído longo, como um rosnado, e tudo parou.

Aquilo estava acontecendo em todo lugar em Melbourne: quedas de energia todas as noites, por causa dos sortudos que tinham ar-condicionado e, egoisticamente, ligavam os apare­lhos no máximo. Joe tinha apenas um ventilador, que agora, obviamente, não estava funcionando. Ele foi até o lado de fora para checar os fusíveis, só para garantir que o problema não era só dele, e olhando para a fileira de unidades da rua, viu Demi fazendo a mesma coisa.

Ela vestia um par de shorts lilás desta vez, e uma blusa preta sem mangas. O cabelo dela estava molhado, e ela parecia bastante irritada.

— De novo! — Ela revirou os olhos, acenou de leve para ele, e voltou para o que certamente se tornaria uma fornalha em breve, ao contrário do apartamento dele, o de Demi tinha a vantagem questionável de receber todo o sol da tarde.

E foi então que aquele incômodo o atingiu de novo: uma sensação estranha, há muito tempo esquecida, que lhe deu um frio no estômago enquanto abria a geladeira às escuras e reti­rava as embalagens plásticas que trouxera da delicatessen, um estranho sentimento de preocupação por uma pessoa.

Joe não queria vizinhos que aparecessem à sua porta sem aviso e, certamente, jamais imaginara que seria um vizinho que fizesse uma coisa dessas, mas lá estava ele, na soleira da porta dela. Ela atendeu segurando uma tigela de cereal e estava clara­mente aborrecida com a invasão, mas tentava ser educada.

— A eletricidade deve voltar em... algumas horas, isto anda acontecendo bastante ultimamente — disse Demi, fechando a porta. Ela não estava realmente irritada com ele, e não queria parecer rude, estava simplesmente tentando ignorar o fato de que ele vestia apenas um par de shorts. O que era normal, ob­viamente, no meio de uma onda de calor. Se ele tivesse chega­do dois minutos mais tarde, ela mesma teria que se vestir no­vamente antes de atender a porta!

A visão do corpo dele exposto a fez corar mesmo assim, e ela não queria que ele percebesse.

— Você já jantou? — ele perguntou para a porta que se fe­chava, e ela fez uma pausa, olhando de forma culpada para a tigela de cereal, que provavelmente não era a melhor opção de jantar para uma mulher nos últimos meses de gravidez, e imediatamente se colocou na defensiva.

— Não dá para cozinhar sem eletricidade.

— Não precisa, eu tenho bastante. — Ele mostrou os pratos, para tentá-la. — Vamos comer na praia, é bem mais fresco lá.

E era. Havia uma brisa deliciosa vinda do sul, e enquanto Demi caminhava na areia à beira-mar, Joe podia pratica­mente ouvir o chiado quando os tornozelos vermelhos e incha­dos dela tocavam a água.

— Eu devia ter vindo para cá mais cedo. — Demi deu um suspiro de alívio. — Eu sempre tenho vontade de vir, e fico tão feliz quando chego aqui...

— Eu também. — Joe sorriu, e era tão bom, depois de um dia tão agitado, simplesmente caminhar e não ter que dizer muita coisa, apenas observar os cachorros, os barcos, os ca­sais... simplesmente ser. E depois sentar.

Galinha ao molho de estragão e maionese, com salada gre­ga, era certamente muito, melhor que cereal, e acompanhada de uma salada de frutas frescas, era praticamente a refeição mais saudável de toda a gravidez dela. O bebê deu um chute satisfeito quando ela se recostou novamente.

— Estava delicioso, obrigada!

— De nada. — Joe engoliu em seco, sentindo-se des­confortável. — Olhe, me desculpe se eu destratei você no trabalho.

— Você não fez nada disso — Demi disse, franzindo a testa.

— Fiz, sim — disse Joe —, ou melhor, eu não deixei claro que nós já nos conhecíamos.

— Está tudo bem.

— Eu só gosto de manter as coisas separadas do trabalho...

— Está tudo bem — disse Demi. — Esta noite nunca aconteceu. — Ela se virou para o lado onde ele estava, e sorriu para ele. — Você está gostando do seu novo emprego?

— É bom — Joe assentiu com a cabeça.

— Você morava em Sidney antes? — Demi resolveu ve­rificar, porque tinha ouvido Meg comentar a respeito.

— Morava. — Joe não deu mais detalhes. — Quanto tem­po faz que você trabalha lá?

Ela não respondeu por um momento, porque estava ocupa­da em se acomodar novamente na areia, fechando os olhos de puro prazer.

— Quase três meses. — Ela entreabriu um dos olhos. — Eu não acho que eles ficaram particularmente felizes quando eu apareci para meu primeiro plantão.

Felizmente, ele não era politicamente correto o bastante para fingir que não tinha idéia do que ela estava falando. Em vez disso, ele simplesmente sorriu, e Demi fechou aquele olho e finalmente, finalmente, finalmente relaxou.

— Meu Deus, isto é bom. — Ela suspirou, depois de cinco minutos de um confortável e delicioso silêncio.

E a vista também é boa, pensou Joe, muito boa, sem dúvi­da. Os cílios dela tocavam suas faces de leve, os joelhos dela estavam levantados, e sua barriga parecia se mover como se tivesse vontade própria... como a de Jennifer, pensou Joe, e então interrompeu aquele devaneio abruptamente.

— Então, não existe um Sr. Mitchell? — ele perguntou.

— Não. — Os olhos dela ainda estavam fechados.

— Você tem algum contato com ele, o pai do bebê?

— Não.

— Ele sabe? — Joe perguntou, embora não fosse da conta dele. — Quero dizer, ele está ajudando você?

— Ele achou que estava ajudando — disse Demi. — Ele me deu dinheiro para fazer um aborto.

— Oh! — Joe olhou fixamente para ela.

— Eu estava na residência de obstetrícia quando descobri que estava grávida, e havia bebês por toda a parte... não que isso tenha feito com que eu quisesse um, eu fiquei apavorada, na verdade, mas...

— Você não precisa me contar mais nada, se não quiser.

Mas ela queria, deitada ali, com os olhos fechados, perdida e sozinha e realmente, realmente confusa. Talvez, como todos diziam, falar ajudasse a clarear suas ideias. Valia a pena tentar, de qualquer modo, porque a ioga certamente não havia funcio­nado!

— Ele é casado. — Ela abriu os olhos então, e fechou-os de novo, e mesmo naquele pequenino espaço de tempo ela viu a expressão dele mudar. Foi aquele momento em que você é julgada, opiniões são formadas, e a outra pessoa presume sa­ber tudo sobre você. — Eu não sabia disso, não que isso mude alguma coisa.

— Vocês ficaram juntos por muito tempo? — Ele quis saber.

— Três meses. — Demi fungou. — Ele foi o meu primei­ro, verdadeiro... Eu simplesmente acreditei nele. Quero dizer, eu sabia porque não saíamos com tanta frequência, e porque não podíamos frequentar a casa um do outro...

— Como?

— Não importa — ela resmungou.

— Então, para onde vocês iam?

— Passear de carro, jantar, um hotel de vez em quando... — Ela olhou nos olhos verdes e límpidos dele.— Ele é um pouco mais velho do que eu, bem mais velho, na verdade — Demi disse, e então ficou quieta por algum tempo.

Certo ou errado, ele a estava julgando, estava tentando não julgar, mas não conseguia.

Por que as pessoas não pensavam? Por que as pessoas eram tão descuidadas?

E agora havia esse bebê...

Ele fechou os olhos e pensou em Jennifer, nos planos que eles tinham feito, em quanto eles haviam desejado um filho, e embora ele não dissesse uma palavra, ela podia sentir a censu­ra dele.

— Então, você nunca cometeu um erro? — ela disse, na defensiva.

— Eu cometi muitos — ele admitiu.

— Mas nenhum caso, nada de que você se arrependa.

— Oh, eu me arrependo de muita coisa — disse Joe.

— Você é solteiro, divorciado... — Ela soava como o ques­tionário no site de relacionamentos de Belinda, e ele se enco­lheu por dentro.

— Viúvo — ele disse, e então foi a vez dela de julgar, Joe sabia: ele já havia passado por aquilo muitas vezes.

— Você sente muitas saudades dela? — ela perguntou, gentilmente.

— Sinto — Joe admitiu, e foi o suficiente. Ele deixou um pouco de areia escorrer por entre seus dedos, concentrando-se nos pequeninos grãos em vez de em si mesmo, e então olhou para o relógio.

— A eletricidade já deve ter voltado, à esta hora.

— E se tiver voltado? — Demi sorriu. — Eu estou gos­tando da conversa... você estava me contando como sente falta dela.

Deus, ela era insistente. Ele realmente deveria se levantar e ir embora, mas ela havia confessado tanto sobre si mesma, e, pe­gando outro punhado de areia, ele deixou que os grãos lhe es­corressem pelo punho cerrado e admitiu um pouco da verdade.

— Eu sinto saudades por Jennifer, também. — O silêncio de Demi era paciente. — Ela amava viver. —Ele olhou para a água e quase pode ver o rabo de cavalo louro dela balançan­do enquanto ela corria. — Ela estaria certamente correndo ou nadando agora, achando um tempo para fazer exercícios de­pois do trabalho.

— Ela se mantinha em forma?

— Perfeita forma. — Joe assentiu, mas havia um pensa­mento dolorido ali porque, apesar de Jennifer fazer tudo certo, apesar de seu estilo de vida saudável, no final nada havia adiantado.

— O que ela fazia?

— Ela também era médica, da Emergência.

— O que aconteceu? — Demi perguntou, mas Joe sacu­diu a cabeça, sem querer comentar o assunto.

— Vamos. — Já era realmente hora de ir, e não somente porque ele não queria falar sobre aquilo. Ele estava fazendo um favor a ela. Uma mulher no estado de Demi não precisa­va mesmo ouvir como Jen havia morrido. Então, ele segurou as mãos dela e ajudou-a a se levantar, e eles caminharam lentamente de volta, conversando distraidamente sobre isso e aquilo, até Demi encontrar uma brecha novamente.

— Você saiu com alguém de novo... quero dizer, desde...?

— Ela morreu há três, quase quatro anos — Joe disse, res­pondendo à pergunta não formulada.

— Oh.

— Eu tive alguns encontros. — Ele deu de ombros. — Em­bora provavelmente fosse muito cedo.

— Você ainda as compara com ela? — Demi perguntou, indo diretamente ao ponto até onde ninguém mais ousava ir, mas Joe simplesmente ignorou a pergunta e, feliz com a dis­tração, abriu os portões que davam para os apartamentos, mas Demi esperou pacientemente.

— Ainda? — ela perguntou.

— Como?

— Você compara as outras mulheres com ela?

Ela era uma coisinha insistente, como um pequeno pica-pau, bicando a madeira, bicando...

— Eu costumava comparar — Joe admitiu. — Mas não agora, não é justo para ninguém.

— Principalmente porque ela parece ter sido a Supermulher — Demi resmungou, è a resposta dela foi tão divertida que Joe sorriu. — Então — ela pressionou —, você está pronto agora?

— Talvez, mas não para nada sério.

— Oh, eu tenho certeza de que vai haver muitas candidatas. — Demi sorriu. Afinal, ela havia ouvido as risadinhas e fofocas no vestiário, Joe poderia escolher quem quisesse!

— E você? — Eles estavam sentados nos degraus do apartamento dela agora, a conversa e a amizade muito recentes, muito frágeis para correr o risco de quebrar se ela o convidasse para entrar. E, de qualquer forma, a energia ainda não havia voltado, então eles se sentaram nos degraus e começaram a se conhecer um pouco melhor.

— Eu não estou exatamente em condições de namorar. — Demi revirou os olhos. — Você pode me imaginar saindo para dançar?

— Acho que não!

— E eu ainda estou naquela fase "todos os homens são ca­chorros".

— Provavelmente, é uma opção bastante inteligente nessa fase — Joe concordou. — Eu mesmo tenho sido um pouco cachorro ultimamente.

— Conte-me tudo! — Ela realmente o fez rir, de tão ansio­sa que estava por uma fofoca, e era tão fácil conversar com ela que, sem saber exatamente como, ele começou a falar:

— Eu estava saindo com alguém, ela era ótima, mas embo­ra eu tenha sido franco com ela desde o começo...

— Ela não quis ouvir? — Demi completou por ele.

— Ela ouviu no começo, disse que queria a mesma coisa que eu... e então, bem, o relacionamento ficou mais sério. Ela começou a dar indiretas, dando a entender que queria coisas diferentes. — Ele olhou para os olhos castanhos e sorridentes dela. — Como morar juntos.

— E não era assim para você? — ela perguntou, esperta­mente.

— Talvez algum dia, mas ela também começou a falar sobre filhos. E de uma coisa eu tenho certeza, eu não quero filhos.

— Nunca?

— Nunca — ele respondeu, enfaticamente.

Ela entendeu o recado, e na verdade se sentiu agradecida por ele. Oh, eles mal se conheciam, mal haviam arranhado a superfície, mas havia certamente, se não uma atração imedia­ta, pelo menos uma aguda consciência do outro. O que era algo que ela não havia sentido em muito tempo, algo que esta­va certa, depois do modo com que Dean a havia tratado, que jamais sentiria novamente. Mas sentada ali, olhando para os olhos verdes de Joe, ouvindo as palavras dele, Demi de re­pente percebeu que ele sentia a mesma coisa. Que ele estava lendo cuidadosamente as regras de qualquer relacionamento em potencial, se eles decidissem investir em um.

— Nós não podíamos ser menos compatíveis, realmente — Demi disse, depois de um momento de pausa. — Eu não estou procurando um relacionamento, você não está procuran­do um relacionamento sério, e... — ela deu uns tapinhas na barriga enorme — isto não é uma hérnia!

— Eu já tinha percebido! — Joe sorriu. — Então, que tal sermos apenas amigos?

Ela olhou para os olhos verdes dele, e desta vez não corou. Oh, ela estava com uma quedinha adolescente por ele, que mulher heterossexual não teria? Mas seu coração estava ma­chucado demais, seu ego muito abalado, e sua alma muito frá­gil para sequer pensar em seguir em frente mais uma vez. Era simplesmente agradável ter um adulto com quem conversar. O mundo dela havia mudado tanto, e somando o fato de sua fa­mília não falar mais com ela com sua luta em se encaixar no novo curso, era simplesmente bom, muito bom, ter Joe em sua vida, falar com uma pessoa em vez de olhar mecanicamente para a televisão. Um amigo seria maravilhoso. E ele ainda ficou mais um pouco. Demi entrou em casa e trouxe dois copos de água, e então ficou brincando com margaridas enquanto eles conversavam, desfolhando-as com os dedos, juntando-as, e quando ela não estava olhando para ele, era mais fácil para Joe falar.

— Você sabe, eu tinha tudo com Jen... — Ele passou os dedos pelos cabelos, tentando resumir como se sentia, porque era tão fácil conversar com ela. Talvez porque ela não tivesse conhecido Jen, talvez porque os olhos dela não se enchessem de lágrimas, como os dos amigos e familiares dele, quando ele falava sobre ela, ou porque ela não lhe lançasse olhares de reprovação velada com os esforços fracassados dele de seguir com a vida. — Eu não quero tentar recriar o que tive... não quero a mesma coisa com outra pessoa. Eu já passei pela ex­periência, e já sei como é.

— Sorte sua, então. — Joe piscou os olhos com a respos­ta. Realmente, ele podia ser qualquer coisa, menos sortudo, mas pensando bem, sim, ela estava certa, ele tinha tido sorte de ter Jen em sua vida por algum tempo. — Eu daria tudo para poder dizer para este pequenino que o pai dele e eu está­vamos apaixonados.

— Vocês estavam? — Joe perguntou.

— Eu achava que sim. — Ela deu de ombros. — Mas olhando em retrospecto, era só uma atração, eu acho... e me parece que você teve a coisa real.

Ele não respondeu, porque naquele momento o som da te­levisão dela quase estourou as janelas do apartamento, e aplausos se ouviram da unidade ao lado, enquanto a eletricida­de voltava ao normal.

— Eu preciso trabalhar um pouco... — Joe se levantou.

— Bem, obrigada pelo jantar... — Demi sorriu. — E o bebê agradece, também.

— De nada.

— Eu me ofereceria para retornar o favor, mas estou tendo problemas em fazer o jantar para uma pessoa só no momento — ela disse, ironicamente.

— Eu não esperava que você o fizesse.

Ele não esperava nada dela. Demi sabia, assim como Joe.

Mas, na noite seguinte, quando ele chegou à casa, depois do trabalho, encontrou vasos de girassóis em sua porta, a maneira dela de agradecer, ele imaginou.

— Eu tenho boas notícias pra você — disse Joe, ao bater à porta dela.

— Eu estou precisando. Entre — ela convidou,

— Tiraram os tubos de Matthew esta noite — Joe expli­cou, seguindo-a até a pequena cozinha. — Ele está indo muito bem, e eles esperam poder transferi-lo da UTI pela manhã. Aquelas eram boas notícias!

— Poderia ter sido uma história bem diferente. Belinda não para de me dar tapinhas nas costas, e até o consultor de neuro­logia foi à Emergência para dizer "Bom trabalho". Eu disse a eles que o crédito é todo seu.— Ele observou o rosto dela fi­car corado com o elogio. — Eu sei que é difícil decidir entre esperar para ver ou chamar por ajuda.

— Pode ser — Demi admitiu, tirando uma jarra enorme de chá gelado do refrigerador e servindo copos altos para os dois. — Quero dizer, você não quer parecer um idiota, ou rea­gir exageradamente a qualquer coisa...

— Exagere! — Joe disse, simplesmente. — Pelo menos por enquanto, até você acumular mais experiência e enquanto o seu "botão dos palpites" estiver funcionando direito.'

— "Botão dos palpites"? — Demi franziu as sobrance­lhas ao ouvir o termo estranho. — O que é isso?

— Quando você tem um palpite sobre alguma coisa, quan­do você tem certeza... mas não certeza absoluta.

Ela já tinha percebido o que ele ia dizer antes mesmo de ele explicar, mas enquanto ele explicava, ela sentia o tom cor-de-rosa de suas bochechas chegar mais perto do vermelho, cons­ciente de que ele não estava exatamente olhando nos olhos dela. O "botão dos palpites" dela estava funcionando, mas por motivos diferentes agora, e ela o desligou rapidamente.

Ela definitivamente não ia desenvolver uma paixonite por outro colega de trabalho!

Olhe só onde aquilo a havia levado.

E era bom ter um amigo.

Eles se sentaram na pequena sala de estar, assistindo à "pesagem" no programa favorito dela, enquanto Demi resmun­gava que deveria ser uma candidata. Joe estava mais do que um pouco desconfortável, e tentava não demonstrar, ele podia ver a pilha de roupinhas de bebê dobradas perfeitamente em cima da tábua de passar, e embora ainda faltassem semanas para o parto, havia um cheirinho suave de bebê na casa, o que provavelmente tinha a ver com a loção de bebê que Demi estava passando nas mãos, mas ainda assim... Então, ele foi buscar a jarra de chá gelado e, quando voltou, encheu o copo que ela estava segurando, e ele não seria um ser humano se não tivesse percebido o decote dela, teria que ser cego para não notar. Joe não era exatamente o tipo de homem que pre­fere seios, mas os dela eram tão voluptuosos que ele sentiu, de repente, como se tivesse levado um chute na virilha, com o desejo que não lhe era mais familiar.

Então, ele se sentou. Ele percebeu que não conseguia mais sentir aquele cheirinho de bebê, apenas o perturbador cheiro de Demi. A sala estava quente demais, e obviamente ela re­petia automaticamente o gesto de levantar os braços e segurar os cabelos no alto da cabeça, enquanto continuava a falar, então os cabelos lhe caíam sobre os ombros de novo, e ela levan­tava os braços mais uma vez.

— Eu preciso ir...

— Já? — Demi disse, mas então eles continuaram a con­versar, sobre isto e aquilo, e de repente já passava das dez horas da noite. Olhando para ele, parado perto da porta e se preparan­do para realmente ir embora desta vez, Demi se flagrou pen­sando que tinha tido a melhor noite dos últimos tempos.

Tinha sido bom demais, até.

Porque entre todas as coisas idiotas que ela poderia estar pensando, estava mesmo era imaginando como seria receber um beijo de boa noite dele.

Pensando no que faria se àquela boca maravilhosa chegasse um pouco mais perto.

— Obrigado pelas flores, a propósito. — Joe quebrou a linha de pensamento dela. — Você não precisava ter feito aquilo.

— Não foi um problema.

— Não, você realmente não precisava. — Joe sorriu. — Elas estarão mortas em dois dias, eu vou esquecer de regá-las.

— Eu não vou. — Demi sorriu de volta, — Apenas apro­veite.

Foi um alívio fechar a porta às costas dele!

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Mais um para vcs! Td bem? Eu estou bem <3 Meninas, infelizmente n da p fazer maratona com essa fanfic pq ela é mt curtinha! Vou conversar com a Mari para pensarmos em uma maratona... Bom, comentem! Quanto mais comentários, mais rápido o próximo cap estará postado para vcs, haha' Beijos, Bruna.

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