24.10.14

Um Pequeno Milagre - Capítulo 10


~

Ele provavelmente deveria ter ido visitá-la.

Tentado consertar as coisas.

Voltado ao ponto "apenas amigos".

Mas era tarde demais para isso, agora.

O outono estava chegando. Todas as noites, o vento arran­cava mais algumas pétalas dos girassóis. Chegando à casa do trabalho, quase uma semana depois, e cansado das lembranças constantes, Joe arrancou as flores do vaso e jogou-as no lixo reservado para material orgânico. Centenas de sementes se es­palharam pelo jardim quando ele fez isso, e Joe rangeu os dentes. Que jeito ótimo de esquecer! Se ele não apanhasse as sementes, ele precisaria de uma foice no ano seguinte, só para chegar à porta da frente!

Ela estava em toda parte.

Em sua cabeça, em seus sonhos, e enquanto ele entrava em casa e subia as escadas para trocar de roupa, seus olhos se di­rigiram para a praia, para onde ele havia visto Demi pela primeira vez, e não para a fotografia de Jen na mesinha de cabeceira.

"O que eu devo fazer?" Ele apanhou o porta-retratos de prata e olhou para os olhos claros de sua esposa, e desejou ter apenas mais dois minutos com ela.

Dois minutos dos conselhos lógicos e práticos dela, o que era uma coisa idiota de se desejar, como se ele pudesse per­guntar a Jen como agir com Demi!

Ele queria que ela lhe mandasse um sinal, um pequeno sinal, mas nem sequer sabia o que estava pedindo. E então ele olhou para a fotografia inteira, e não apenas para o rosto de Jen. Joe correu o dedo sobre a barriga dela, onde o bebê deles vivera, tocou-a através do vidro, tocou o que nunca, nunca pudera segu­rar nem por uma única vez. Mas não havia tempo para lamenta­ções. Ele tivera visitas naquela noite, o que já havia sido difícil, e depois ele fora chamado ao hospital para lidar com uma emer­gência às dez horas da noite. Ele pôde ouvir a música muito alta que tocava na casa dos vizinhos de Demi quando passou pela unidade dela, e, apesar de suas melhores intenções, aquilo foi difícil de ignorar. Contudo, ele continuou a dirigir com determi­nação, esperando que a festa acabasse logo, ou que ela tivesse levado Willow para a casa dos pais. Certamente, uma festa na casa ao lado era a última coisa de que uma mãe recente precisava, poucos dias depois de trazer o bebê para casa.

Mesmo assim, não era problema dele agora.

— Eu sinto muito! — Belinda olhou para ele em meio ao setor de ressuscitação lotado, enquanto Joe abria caminho. — Eu acabei de lhe enviar uma mensagem dizendo que não estamos mais precisando de você.

— Você tem certeza? — Joe perguntou, porque o lugar estava movimentadíssimo.

— Nós recebemos um aviso de dois traumas múltiplos — Belinda explicou — além dessa montanha de pacientes, e eu pensei que podíamos chamar alguma ajuda extra, embora você não esteja de prontidão.

— Onde estão as vítimas de trauma?

— Uma morreu a caminho, e á outra não está seriamente ferida. Eu vou ligar para os pais, quem quer ter filhos adolescentes? Talvez eu devesse ter esperado antes de chamar você.

— E sempre melhor não esperar para ver. — Joe realmente não se importava de ser chamado, aquilo era parte de seu tra­balho. — Eu vou te ajudar, agora que estou aqui.

— Não, não vai — Belinda retrucou, examinando alguns raios-X no computador. — Vá dormir um pouco, esta é apenas uma noite normal de sexta-feira.

— Eu realmente não me importo — ele insistiu.

— Mas eu me importo — Belinda disse. — Você vai me substituir amanhã, lembra?

— Ah, sim!

— E eu realmente espero que você não precise me chamar. — Ela piscou para ele.

— Vai a algum lugar especial? — ele perguntou.

— Um hotel fabuloso na cidade. — Belinda sorriu. — A milhares de quilômetros de distância daqui.

— Você e Paul estão bem, então?

— Com certeza. Você sabe, Joe, que não devia descartar a possibilidade da internet.

Joe simplesmente grunhiu, ela jamais desistiria.

— Tudo bem, então, vou voltar pra casa. Mas avise se você precisar de ajuda.

Ele, na verdade, preferiria estar trabalhando, gostaria que Belinda lhe tivesse entregado uma pilha de prontuários e pedi­do a ele que cuidasse dos pacientes, porque ao virar para a sua rua, em vez de diminuir a velocidade, ele acelerou um pouco e ligou o rádio do carro. De fato, o que quer que estivesse acontecendo nos apartamentos não era problema dele. Havia festas quase todas as noites, e ele não poderia estar sempre verificando se Demi estava bem...

Um grupo de adolescentes estava saindo para a rua, e apesar do volume do rádio do carro estar alto, ele podia ouvir o barulho da música. Embora ele tivesse passado direto, sentindo arrepen­dimento, mesmo remorso, ele fez um giro de 180 graus, piscou os faróis para os idiotas bêbados, e estacionou. Abrindo o portão e aproximando-se da casa dela, ele percebeu que as luzes esta­vam acesas. Ouvindo os gritos de Willow, ele bateu na porta.

Quando não houve resposta, Joe imaginou o quanto ela deveria estar assustada.

— Demi — ele chamou, durante um pequeno intervalo na música. — Sou eu, Joe.

— O que você quer? — Ele podia ver que ela estivera cho­rando, quando ela abriu a porta.

— Eu ouvi o barulho quando estava chegando do trabalho. Você não vai conseguir acalmá-la no meio dessa bagunça. Você deveria ter me ligado...

— Você não estaria em casa — Demi observou, mas ape­sar da resposta atravessada, ele podia ver que ela ainda estava à beira das lágrimas. — É só uma festa...

E era, uma festa muito barulhenta, mas na casa vizinha ha­via um bebê recém-nascido e uma mãe recente, que não preci­savam realmente daquilo, naquela noite.

— Eu não consigo alimentá-la, e as enfermeiras disseram que ela tem que mamar a cada três horas, pelo menos — ela disse, desesperada.

— Vamos — ele disse. — Vamos pegar as coisas dela, e vocês duas podem dormir na minha casa.

Ela ia dizer não, ia fechar a porta, mas estava acontecendo uma briga na casa ao lado, e por mais que ela não quisesse precisar de ajuda, naquela noite ela precisava.

— Por favor, Demi... — Mesmo dentro do apartamento dela, a música estava altíssima! — Arrume as coisas e venha ficar comigo esta noite — ele pediu novamente.

Ela teria protestado, mas estava aliviada demais. Ela não tinha certeza se era a sua própria tensão ou o barulho que estavam incomodando Willow, mas depois de seis semanas de cui­dados afetuosos na unidade de terapia intensiva, Demi esta­va assustada o suficiente só de estar sozinha com ela, sem o barulho e o caos da casa vizinha.

Ela estava tentando prender Willow na cadeirinha para levá-la para o carro, mas Joe tinha outras ideias.

— Coloque-a no carrinho. Vai ser mais fácil andar... e ela pode dormir nele.

Ela jamais teria saído de sua casa, com a multidão da festa espalhada na rua, mas com Joe ela se sentia segura. Ele em­purrou o carrinho e o carregou pelas escadas, enquanto Demi trancava tudo. Os portões que davam para as unidades já estavam abertos, e com o braço dele em volta dela, eles cami­nharam em silêncio, para longe do barulho, descendo a rua, e somente quando o som da música havia desaparecido na dis­tância, eles conversaram.

— Você deveria ter chamado a polícia.

— E fazer com que meus vizinhos me odeiem? — Demi disse, tristemente, enquanto eles caminhavam. A lua estava qua­se cheia, e havia bastante luz, a música era apenas um som aba­fado ao longe, e ela podia ouvir o som acolhedor da água, agora. — Foi só uma festa... — ela disse novamente.

— Aquilo não é lugar... — Ele não terminou a frase, mas Demi sabia o que ele ia dizer.

— É só o que eu tenho condições de pagar, Joe — ela dis­se, baixinho.

— Eu sei disso.

— Havia uma casinha na cidade, por um preço parecido, eu devia tê-la alugado, mas queria ficar mais perto da praia. O apartamento pareceu bom, quando eu o inspecionei. Eu não pensei em pedir para vê-lo às onze da noite de uma sexta-fei­ra... — Ela tomou o carrinho das mãos dele, e começou a ca­minhar mais rapidamente agora. Willow, cansada demais, ainda estava chorando, e Demi estava irritada, com ele e com ela própria. Ela estava tentando com todas as forças aguentar, fazer a coisa certa para sua filha, mas a cada curva do caminho ela encontrava um obstáculo, a cada curva a vida lhe atirava outra prova. — Eu estou fazendo o melhor que posso — ela disse, quando chegaram à casa dele. — Mas tenho certeza de que você não acha que é o suficiente...

— Eu nunca disse isso! — Joe interrompeu.

— Não, mas é isso que você pensa! — ela retrucou. Ela estava zangada com ele, e sabia que não tinha motivos para estar. Não era culpa dele, ele estava sendo extremamente bom com ela, mas a ordem da vida dele, a casa dele, tudo a respeito dele parecia apenas aumentar as falhas dela.

— Por que você não a alimenta? — Joe sugeriu, suave­mente. Ele carregou o carrinho com o bebê pelas escadas, e passando pelo espetacular quarto dele, eles chegaram a um quarto de hóspedes bastante confortável, onde ele travou o carrinho. — Descanse na cama, a vista é linda. Você pode re­laxar, acalmar Willow...

— ...e a mãe dela... — Ela estava um pouco envergonha­da com sua explosão. Afinal de contas, ele não tinha culpa de como a fazia se sentir.

— Eu vou deixar você à vontade — disse Joe. — Vou pro­curar alguns lençóis para forrar a cama.

— Obrigada — ela disse, constrangida.

— Desça quando estiver pronta.

— Eu preciso... — Ele estava se virando para sair, e ela o fez parar, vasculhando a bolsa de Willow. —Há algum lugar onde eu possa esquentar a mamadeira dela?

— Claro — ele disse.

— Na verdade... — Ela pegou no colo o pacotinho que era a sua filha que soluçava. — Você pode segurar Willow para mim?

— Eu esquento a mamadeira — disse Joe, com uma voz irritantemente calma, que apenas a fazia parecer mais agitada. — Eu sei onde as coisas estão.

Ele pegou a mamadeira, e ela trocou a fralda de Willow, enquanto os gritos da menina quadruplicavam. Ela queria ber­rar também. Demi sabia que ele estava esperando que ela simplesmente deitasse na cama e colocasse o seio de fora, para amamentar o bebê...

Ela se sentia um grande fracasso, e estava tão perto de cho­rar que mal conseguiu agradecer a ele quando ele voltou al­guns minutos mais tarde, com uma mamadeira quente. Ele fi­cou por perto por alguns momentos, enquanto ela se sentava desajeitadamente na beira da cama, e pegava a mamadeira das mãos dele. Então, a boquinha de Willow grudou-se ao bico da mamadeira, como se ela estivesse passando fome há uma se­mana, e o único som que se ouvia no quarto era o dos goles e soluços de um bebê extremamente cansado, que finalmente era alimentado por sua mãe esgotada,

Embora Willow estivesse devorando a mamadeira, ela conti­nuou a pular e se agitar enquanto mamava. Demi tirou as san­dálias e deitou-se na cama, apertando Willow mais perto de seu peito, mas sempre que estava quase relaxada, o bebê de repente se agitava como se o barulho, a tensão, o pânico de sua mãe fossem começar de novo.

Aquilo não era algo estranho para Demi.

A festa havia sido apenas a gota d'água. Durante os poucos dias em que ela estivera em casa, depois de chegar do hospital, praticamente todas as vezes em que ela se sentara para alimen­tar a filha sossegada, sua mãe havia "aparecido", oferecendo todos os tipos de sugestões: "Troque a fralda dela primeiro", ou "Troque-a depois que ela mamar", ou "Segure a mamadei­ra mais alto", ou "Ela precisa arrotar". Cada uma das bem-intencionadas sugestões de Rita servia apenas para exacerbar mais ainda a tensão.

Demi queria desesperadamente voltar para o hospital, que­ria estar alimentando Willow perto da equipe experiente que lhe oferecia um incentivo discreto, ou mesmo levar o bebê para o hospital durante a noite e voltar para casa, como havia feito no domingo anterior, ela sentira saudades da filha, mas sabia que ela estava sendo bem cuidada... não, que Willow estava sendo melhor cuidada do que ela jamais conseguiria sozinha.

— Está tudo bem, Willow, está tudo bem, Willow — ela disse suavemente, várias e várias vezes, até que finalmente os pequenos saltos e pulos pararam, e as lágrimas diminuíram. Demi teve uma sensação estranha de triunfo, enquanto o bebê relaxava contra seu peito, ela quase tinha medo de se mexer, enquanto Willow parava de resistir e ficava passiva, quase entorpecida, aparentemente adormecida, irias ainda mamando.

Ela estava realmente dormindo, Demi percebeu ao tirar a mamadeira vazia da boquinha de Willow e observar suas pe­quenas pálpebras tremerem.

Dormindo tão profundamente, que se a festa no final da rua se transferisse para o lado de fora da janela do quarto, Demi tinha certeza de que Willow não acordaria.

E ela havia feito tudo sozinha.

Ela nunca havia estado tão sozinha com o bebê, e se sentido tão mãe, ao mesmo tempo.

Demi olhou para as feições perfeitas de sua filha, as pe­quenas sobrancelhas escuras que pareciam ter sido desenha­das a lápis, o pequenino nariz arrebitado, a boquinha de botão de rosa, e pensou que seu coração iria explodir, de tanto amor que sentia pelo seu bebê.

Um amor assustador, que não tinha limites, e mesmo assim, ela se sentia tão inadequada...

Aquele fiapinho de vida era tão completa e totalmente de­pendente dela, e não deveria haver espaço para nada mais na mente de Demi.

Mas havia.

Ela não queria se mover, não queria colocá-la no carrinho. Ela só queria ficar ali, segura na cama dele, abraçando o bebê, olhando para a baía, com Joe perto o suficiente para ouvi-la chamando. Simplesmente se agarrar àquela primeira sensação de paz.

"Não adormeça segurando o bebê."

Ela podia ouvir a voz de sua mãe como se Rita estivesse no quarto com elas.

E ela estava certa, Demi pensou, suspirando, e gentilmen­te colocando Willow no carrinho.

Quando ela desceu para o salão, Joe, esparramado em um dos sofás, desviou os olhos do programa de televisão que es­tava assistindo e serviu uma taça de vinho para ela.

Foi a segunda e pequenina sensação de paz para Demi. Pela primeira vez desde que Willow recebera alta do hospital, ela se sentia em casa.

— Ela adormeceu — Demi disse a ele.

— Muito bom. Como você está? — ele perguntou.

— Melhor. — Ela se sentou na beirada do sofá à frente dele. — Você sempre parece estar me salvando. Não vai ser por muito tempo.

— Eu sei — disse Joe, sugerindo depois que ela escolhesse um filme, e enquanto examinava a coleção dele, ajoelhada no tapete, ela lhe contou as últimas notícias.

— Eu quero dizer, você não vai mais precisar me salvar, porque eu vou voltar a morar com os meus pais.

A taça de vinho que ele estava segurando parou antes de chegar-lhe à boca.

— Quando? — ele perguntou, e então tomou um longo gole, segurando o vinho na boca até que ela respondeu:

— No próximo final de semana. — Grandes olhos castanho-dourados se viraram para ele, e depois olharam para longe. — Papai e mamãe estão pintando o quarto de hóspedes para ela, e nós vamos fazer a mudança na semana que vem. Não está dan­do certo, morar aqui. Você sabe como é, e agora que eu e ma­mãe estamos nos dando bem melhor... — ela se interrompeu.

— Como você está se sentindo a respeito disso? — ele per­guntou, astutamente.

Demi olhou para a caixa do DVD que estava segurando, sem realmente enxergar.

— Para ser sincera, eu não tinha parado para pensar muito sobre isso.

Então, ela pensou. Sentou-se nos calcanhares e pensou. Em voz alta.

— Não é o que eu quero, na verdade — ela admitiu. — Eu pedi a eles há algumas semanas, mas foi quando eu ainda es­tava grávida. Eu nunca quis viver lá com o bebê, mas é melhor para Willow. Nós poderíamos nos virar sozinhas, mas desse jeito... — Demi respirou fundo. — Ela já tem quase dois meses, parece inacreditável. Eu poderia colocá-la na creche no mês que vem e voltar a trabalhar.

— Sua mãe vai cuidar dela para você? Demi assentiu.

— Só enquanto eu trabalho, ela já me avisou que não é babá, e nós concordamos que será só por um ano. — E então ela contou a ele as outras notícias. — Eu conversei com Meg, e ela vai me ajudar com a documentação para minha transfe­rência de hospital.

— Vai voltar para o antigo?

— Não... — Ela sacudiu a cabeça instantaneamente. — Vou para o Melbourne Central...

— Meu antigo território — Joe disse.

— É muito mais perto de casa. De qualquer modo, eu vou estar atolada até o pescoço para terminar o último ano da gra­duação na emergência, e então vou fazer tantos plantões quan­to for possível, para economizar...

Ela parecia tão jovem às vezes. Ela era muito jovem, Joe lembrou a si mesmo. Mas não era aquilo que ele queria dizer. Ela parecia tão livre e cheia de vida, às vezes, mas mesmo assim havia um lado mais profundo nela, que o encantava, uma resistência inata, que escondia sua aparente fragilidade.

E ela claramente havia pensado bastante no que iria fazer.

— Você estava me dizendo que está se dando melhor com seus pais agora?

— As coisas estão bem melhores do que antes, — Ela havia escolhido o filme, e colocou-o no aparelho.— Eu não consigo imaginar morar com eles de novo, contudo. Eu mal podia es­perar para sair de casa, da primeira vez! — Ela revirou os olhos e continuou: — Eles são realmente rígidos. — Ela sorriu para ele, e desta vez foi sentar-se no sofá ao lado dele. — Não vai haver nada parecido com isto...

— O quê?

— Sentar no escuro com um homem, bebendo vinho!

— Você tem 24 anos — Joe sorriu. — E nós estamos assis­tindo a um filme.

— Eu não me importo com a sua idade, mocinha. — Ela balançou um dedo na direção dele. —Enquanto você estiver sob o nosso teto, você obedece às nossas regras.

— Você está falando sério? — ele exclamou, meio horrori­zado, meio divertido.

— Absolutamente. Vai ser ainda pior desta vez, porque... — Ela fez um movimento com a cabeça, apontando para cima.

— Ela não pode ouvir você! — Joe riu.

— Eu não me importo se ela pode ouvir ou não. Eu já disse a mamãe e papai que não vai haver nenhuma conversa do tipo "a encrenca em que eu me meti", ou "um acidente" perto dela, é a minha única regra, quando eu me mudar para casa. Eu posso aguentar qualquer coisa por um ano, se isso significa um começo melhor para ela, mas quero contar a história para ela do meu jeito e no momento certo.

— Parece bastante justo.

— Não é culpa dela se eu não sabia que o pai dela era casado...

Ela parou de falar então, grata pela escuridão da sala, por­que seu rosto ficou vermelho de repente, não de vergonha, mas porque ela estava quase chorando. Eles ficaram sentados em silêncio por algum tempo, as palavras que nunca haviam sido ditas por Joe pairando sobre eles...

— Como, Demi? — ele finalmente perguntou. — Como você não sabia?

— Eu simplesmente não sabia.

— E quanto a noites como esta?

— Como o quê?

— Como isto. — Joe fez um gesto, indicando a simplicidade de tudo. — Você nunca imaginou porque vocês sempre se en­contravam na sua casa?

— Ele não ia à minha casa. — A voz dela estava estridente. — Nós saíamos, estávamos namorando...

Ele não entendeu, mas não se sentiu à vontade para pressio­nar, ele já havia passado do limite, portanto Joe preferiu dei­xar o assunto de lado, e ficou surpreso quando foi Demi quem quebrou o silêncio desconfortável entre eles.

— Eu dividia o apartamento com outras duas estudantes. Eu sabia que o que nós estávamos fazendo era errado... — Ela se interrompeu novamente, e ficou olhando de um jeito vazio para a tela da televisão.

— Errado? — Joe franziu a testa. — Eu pensei que você não sabia que ele era casado!

— É mais do que isso. Eu não posso falar sobre o pai de Willow com ninguém... iria causar muitos problemas.

— Você pode falar comigo — Joe disse, porque embora sentisse a indecisão dela, também podia sentir o peso que ela carregava.

— Você não vai dizer nada a ninguém?

— Nunca.

— Porque as fofocas...

— Eu não faço fofoca.

Ela olhou para ele, para seu rosto reservado e distante, mas que de vez em quando era suavizado pela ternura, e agora, ela era a sortuda que era o alvo daquela emoção. Ela viu a honestidade e a integridade que existiam nele, também, e isso fez com que ela ficasse ainda mais envergonhada, tanto que não conseguia olhar nos olhos dele, enquanto lhe contava a verdade.

— O nome dele é Dean. Ele era meu professor na universi­dade! — Como Joe não respondeu nada, ela não teve certeza se ele entendera o problema. — É proibido para um professor ter um relacionamento com uma aluna...

— Eu sei.

— Mas acontece — ela tentou racionalizar. — O tempo todo. Quero dizer, é uma relação consensual entre dois adul­tos, e é uma regra idiota, na verdade... — Ele podia ver as lá­grimas escorrendo dos olhos dela, e, como sempre fazia, ela os fechou, tentando impedi-las de cair.

"Talvez não seja uma regra tão idiota", Demi admitiu. "Ele deve escolher os alvos, quero dizer, ele tinha uma história inteira pronta. Ele me contou que dividia uma casa com outro professor, e era por isso que não podíamos nos encontrar lá. E como eu morava com outros estudantes, sempre íamos para lugares a quilômetros de distância. Obviamente, imaginei que isso era para evitar que alguém da universidade descobrisse sobre nós. Ele me disse uma vez que assim que eu passasse na qualificação, nós poderíamos sair em público..."

— Você nunca desconfiou? — Ele ainda não conseguia en­tender. Embora ele e Demi participassem pouco da vida um do outro, aquela informação sobre o outro eles já tinham.

— Eu nunca tinha tido um namorado sério — ela revelou, dando de ombros. — Como eu disse, mamãe e papai eram re­almente rígidos, e quando eu saí de casa, não perdi o controle, nem nada do tipo. Sinceramente, eu nem sabia se nós estáva­mos tendo um relacionamento de verdade logo no começo, era só uma bebida, ou um jantar... — ela estava praticamente tre­mendo agora, de tão constrangida. — E nós fomos para um hotel algumas vezes... devia ter sido óbvio para mim — Demi admitiu. — Quero dizer, ele nunca atendia ao telefone, a ligação sempre caía na caixa postal.

— Oh? — Joe franziu o rosto. — Isso deve significar algu­ma coisa?

— Ele também nunca atendia ao telefone quando estava comigo.

— Certo... — disse Joe, não quê ele estivesse realmente entendendo.

— Você é honesto demais — Demi conseguiu dar um sorriso fraco. — E eu também, eu acho, porque nunca ima­ginei que ele estivesse mentindo. Ele nunca atendia ao tele­fone porque podia ser outra de suas amantes, ou mesmo sua esposa.

— Como você descobriu que ele era casado?

— Ele estava fora um dia, e outro professor veio substituí-lo, explicando que estava dando a aula aquele dia porque, aparentemente, a esposa de Dean estava doente.

— Oh, Demi — Joe lamentou, suavemente.

Os comerciais antes do filme haviam terminado, então, ela colocou os pés para cima, na mesinha de centro, porque Joe estava fazendo o mesmo, tomou um gole do vinho e ficou ali, sentada, tentando assistir ao filme e ao mesmo tempo recor­dando a dor, a dor muito real, e o medo de algumas semanas depois, quando ela descobrira que estava esperando um filho de Dean.

Ela havia escolhido um filme engraçado, ou pelo menos ela havia achado engraçado quando assistira pela primeira vez, só que não parecia tão divertido agora. Na verdade, era uma co­média de erros romântica, que lhe dava vontade de chorar. Joe estava no sofá ao seu lado, grande e sólido e tão confortador, mas havia uma fotografia de Jen perto da televisão. Ela não podia ver a imagem, apenas o contorno do porta-retratos, mas aquilo também lhe dava vontade de chorar. Era como se o uni­verso tivesse feito algo terrivelmente errado, como se tivesse jogado todos eles para cima e eles tivessem aterrissado nos lugares errados, nas salas erradas, e com as pessoas erradas. Só que ela gostava de estar com ele. Ela precisava de um lencinho, Demi percebeu, ela havia fungado quatro vezes nos últimos quinze segundos, e já estava ficando envergonhada, mas tinha que se esticar por cima dele para pegá-los, então, não se mexeu.

— Aqui está. — Ele apanhou um maço de lencinhos da caixa na mesa de centro, e Demi conseguiu dar uma risada seca.

— Você chora frequentemente enquanto assiste a filmes em casa?

— Não. — Joe sorriu ao pensar na cena que ela havia ima­ginado. — A irmã de Jen esteve aqui mais cedo.

Oh, Deus!

Ela não comentou nada, mas se envergonhou da própria insensibilidade. Mergulhada nos próprios problemas, era tão fácil se esquecer de tudo o que ele havia enfrentado.

— Ela só passou para dar um oi, mas não tinha visto a casa ainda.

— Deve ter sido difícil para você — ela disse.

— E foi — Joe admitiu. — Graças a Deus, eu fui chamado pelo hospital.

— Obrigada. — Ela olhou para ele. — Falando sério, de verdade, obrigada por tudo.

— Fico feliz em ajudar.

— E eu sinto muito.

— Por quê? — Joe perguntou, sentindo-se um pouco des­confortável com a possível resposta dela.

— Porque as coisas andam difíceis entre nós...

— As coisas não estão difíceis — ele mentiu.

— Estão, sim — Demi discordou —, porque eu quero ser sua amiga, Joe, mas não sei como... — Ele podia ver as lágri­mas correndo pelo rosto dela, agora. — E, por favor, não se sinta culpado pelo que eu vou dizer a você, mas esse é um dos motivos pelos quais eu estou voltando para casa também, tal­vez as coisas fiquem mais fáceis, talvez nós encontremos um jeito de ser amigos.

— Eu acho que não. — Os dedos dele queriam tocar os cabelos dela novamente, ele queria abraçá-la, beijá-la, mas se­ria algo cruel para os dois.

Mas então ela olhou para ele, bem nos olhos dele, e disse aquelas palavras que às vezes ele desejava também, como se enfiasse o pé numa porta que se fechava, forçando-a a perma­necer um pouco aberta.

— Eu gostaria que tivesse sido você. Gostaria que Willow fosse sua.

Ela estava sendo sincera, realmente honesta, e o nariz dela estava escorrendo porque ela estava sendo tão franca.

Ela queria que tivesse sido Joe, que tivesse sido ele a fazer amor com ela.

Queria, queria, queria tanto mais do que o pouco que eles haviam tido.

— Jamais teria sido eu — Joe disse, então. — Porque eu teria cuidado tão, tão melhor de você do que ele.

Ele não conseguia aceitar o fato de que ela estava se mu­dando, não suportava a ideia de não vê-la novamente, não po­dia resistir a tocá-la um pouco mais.

— Venha cá. — Ele a puxou pelo pulso, de forma que ela ficasse apoiada nele, e foi como subir no barco dele naquele dia.

Como se ela estivesse longe de tudo.

Era bom ficar abraçada a ele enquanto ela chorava, ele era tão grande que ela tinha de se apoiar nele, ou terminaria cain­do! E foi bom quando ele passou o braço ao seu redor e manteve-a segura ali.

Realmente, realmente bom.

E foi bom para Joe, também.

Dificilmente Joe era indulgente, mas na semana seguinte, ela estava indo para um lugar onde não queria realmente ir. E iria deixá-lo em um lugar onde ele não queria realmente ficar.

Naquela noite, eles estavam juntos.

E era bom.

Era bom deitar no sofá com ela.

Era bom ouvir os soluços dela diminuindo, e sentir o peito dela se movendo enquanto ela ria com o filme.

Aquele tinha sido um dia infernal. Mostrar a casa para Abby e seu marido, Mick, e ver Abby chorar a cada cinco minutos, e ainda oferecer um passeio de barco.

O problema era que Abby se parecia demais com Jen, e haveria três pessoas no barco, em vez de quatro, ele tinha fica­do muito feliz quando o hospital o chamara.

Tinha sido um daqueles dias, e poderia ter sido uma daque­las noites.

Mas Demi estava lá, e tudo estava bem. Ele estava hesi­tando, à beira da indecisão, assustado, mas quase pronto, de verdade, para um novo começo.

Um começo muito novo.

Certos filmes não deveriam ser assistidos na companhia de uma suposta amiga, que na verdade era muito mais do que isso.

Eles estavam assistindo um beijo apaixonado na tela, que pareceu durar muito mais do que Demi se lembrava da pri­meira vez que havia assistido ao filme.

Foi como daquela vez quando, com catorze anos, ela estava assistindo a um documentário sério com os pais, e de repente eles estavam vendo cenas de sexo explícito.

Uma situação estranhamente desconfortável, mas por moti­vos completamente diferentes, naquela noite.

A mão dele estava levemente apoiada em seu estômago, mas ela estava perto demais da beirada do sofá, e precisava de um pequeno movimento, um pequeno impulso dele para trazê-la para mais perto, o que ele não fez, então, Demi se afastou um pouco.

Só um pouquinho.

Como o cavalheiro que era, Joe se moveu um pouco para trás e a segurou, com a mão ainda em seu estômago, para que ela não caísse, e ela teve vontade de pular, porque ele a tocara. Ela não conseguia se lembrar de como respirar, porque havia essa sensação, leve como uma pena, dos dedos dele lhe acari­ciando o estômago, uma daquelas carícias quase imperceptí­veis, e uma leve irregularidade na respiração dele, enquanto eles continuavam a assistir o beijo na tela.

— Quando você se mudar... — a voz dele estava hesitante, levemente rouca — que tal se nós fôssemos devagar... — Ela mal podia respirar, quase não ousava ter esperanças, tinha medo de se mover e de que ele parasse de falar. — Que tal se nós saíssemos juntos...

— Eu não vou ter uma babá... mamãe disse que só vai cui­dar dela enquanto eu trabalho — ela murmurou em resposta.

— Você pode vir para cá, nós podemos jantar, começar do começo, conhecer um ao outro direito...

— E Willow? — O coração dela estava na boca.

— Se nós formos devagar, talvez... — Ele podia ouvir o sangue martelando em seus ouvidos, enquanto oferecia a ela muito mais do que tinha jurado que jamais faria. — Talvez com o tempo...
Ele estava lhe oferecendo esperança, oferecendo esperança a eles... de que o impossível pudesse acontecer.
~

Aqui está, bbês ♥ Tudo bom? Eu vou bem... Faltam três capítulos para a fic acabar... Se tiver maratona (a Mari ainda n me respondeu em relação ao dia) amanhã, serão de três capítulos, pode ser? Se vcs quiserem esperar pela nova fic, fiquem à vontade... Me respondam, ok? E comentem! Vcs são perfeitos <3 Beijos, Bruna ♥

6 comentários:

  1. Atéeee que enfim ele percebeu que nao tem como fugir \°/\°/\°/

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  2. Meu Deus, a fic ja esta acabando? :'( vou chorar essa fic e otima .
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  3. Que curtinha essa fic
    Joe dando una chance pra eles, q fofo

    -Nathalia-

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  4. Até que enfim em Joe..... pena que está acabando.... já decidiram qual vai ser a nova fic? Dê algumas dicas por favor...

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  5. Joe ta se rendendo, Demi ta se rendeu ne? Hahahhaa lindos

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