20.6.14

Emoção - Capitulo 1

 
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Atualmente
Chicago, 23 de dezembro de 2014

QUANDO DEMI Lovato recebeu a incumbência de fotografar um evento corporativo no Natal, imaginou funcionários embriagados se jogando aos pés de executivos gananciosos. Muita gemada, traseiros nus sentando-se nas copiadoras, alguém vomitando na gaveta de uma escrivaninha, sexo no armário do zelador… em suma, uma típica festa de fim de ano do trabalho, na qual as pessoas se esqueciam de que eram profissionais e bancavam adolescentes em festas de repúblicas estudantis, construindo lembranças e reputações que iriam precisar de um ano inteiro para serem esquecidas.

Ela estava errada. Completamente errada.

A Elite Construction, que a tinha contratado havia alguns dias, quando o fotógrafo cancelou sua presença, escolhera um caminho diferente e muito mais saudável. Eles optaram por um evento vespertino, uma festa familiar com todos os funcionários, clientes importantes e quem quisessem levar, incluindo os filhos pequenos. O bufê, que tinha de caviar a espetinhos de salsicha, agradava a todos os paladares. Havia presentes sob uma árvore imensa, uma bela decoração, música repleta de sininhos tilintando e muitos sorrisos. Era quase o suficiente para contagiar uma pessoa avessa ao Natal, como ela.

Ah, exceto pelo fato de ela estar trabalhando com um Papai Noel muito mal-humorado.

– Se eles pensam que vou ficar até mais tarde, podem esquecer. Fui pago por três horas de trabalho, nem um minuto a mais.

– Estamos quase acabando – disse ela ao sujeito fantasiado, cujo enchimento da barriga gelatinosa parecia feito em casa.

Se ao menos a natureza dele fizesse jus à sua aparência. Embora, Demi tinha de admitir, naquele instante em especial, o mau humor dele era compreensível. Ele tivera de secar as calças sob o secador de mãos do banheiro masculino depois que um garoto ficara tão empolgado que chegara a ponto de fazer xixi nas calças. E nas calças do Papai Noel.

Sendo muito honesta, o Papai Noel não era a única fraude naquela tarde. A própria roupa dela não combinava exatamente com sua personalidade. Ela sentia-se uma idiota usando o velho traje de elfo, uma sobra de seus tempos na faculdade. Mas as crianças adoravam. E uma criança feliz e relaxada era uma criança fácil de ser fotografada… rendendo ótimas imagens.

No fim das contas, ela poderia dizer que o evento tinha sido um enorme sucesso. Tanto para a Elite Construction, cujos funcionários deviam estar dentre os mais felizes da cidade hoje, quanto para si. Desde que retornara a Chicago, depois de sair de Nova York, há dez meses, ela estava tentando erguer seu negócio ao mesmo nível de sucesso que possuía na costa leste. As coisas estavam melhorando, muito, mas uma injeção rápida de grana por uma tarde de trabalho fácil definitivamente era de grande ajuda.

Finalmente, depois que a última criança da fila foi atendida, Demi deu uma olhadela para o homem rechonchudo vestido de vermelho.

– Acho que é só isso. – Ela olhou para o relógio na parede. – Cinco minutos para descansar.

– Ótimo – disse ele. – Deus, como eu odeio crianças.

Demi ficou boquiaberta; não conseguiu evitar o espanto.

– Então por que trabalhar com isso?

Ele apontou para si, para o cabelo branco, a barba cheia, a barriga imensa.

– Que outro personagem eu poderia fazer? O coelhinho na Páscoa?

Não, ao menos que ele quisesse apavorar todas as crianças do planeta fazendo-as jurarem que nunca mais consumiriam doces.

– Aposto que você é capaz de conseguir um papel na versão teatral de O estranho mundo de Jack – murmurou ela. Ele certamente se parecia com o bicho-papão. E era tão amigável quanto.

Demi se voltou para as crianças remanescentes nas bordas da área construída para ser a “Oficina do Papai Noel”, completa, com neve falsa fofinha, um trono e renas de pelúcia. Quem quer que tenha sido o responsável pela decoração, havia feito um trabalho fantástico. Aquelas crianças já havia tido sua vez de sentar no colo do grandalhão, mas ainda estavam reunidas em torno do São Nicolau rabugento.

– Está na hora de o Papai Noel voltar para sua fábrica, assim ele vai poder terminar de se arrumar para seu grande passeio de trenó amanhã à noite – anunciou ela. – Papai Noel, quer dizer alguma coisa antes de ir embora?

O Papai Noel maldito fez uma careta e limpou os farelos de biscoitos de seu colo enquanto se levantava.

– Sejam bonzinhos ou não vão ganhar nada – disse às crianças, acrescentando uma risada grave numa tentativa de tirar a ferroada de suas palavras. Sua cordialidade fingida certamente enganou a todos com menos de 10 anos, mas certamente a nenhum dos adultos. Caminhando tropegamente pela multidão em direção ao elevador, ele não parou para fazer um carinho na cabeça de nenhuma criança, ou para fazer uma cosquinha no queixo.

Babaca.

Por sua vez, Demi considerava os pequeninos, com suas roupas de festas e sapatos de verniz, irresistíveis. Doces, alegres, tão cheios de vida, risadas e empolgação. Havia um garotinho tão fotogênico que poderia ser capa de uma revista, e ela estava morrendo de vontade de conversar com os pais dele formalmente a respeito.

Você percorreu um longo caminho, querida.

Um caminho muito longo. E pensar que certa vez ela jurara que nunca iria tirar uma foto de um Papai Noel, comparando o retrato de uma criança a um dos círculos do inferno de Dante.

Quando começara a estabelecer suas bases na fotografia para construir seu futuro, ela tivera uma discussão com o irmão sobre ir embora de Chicago e ir estudar na Universidade de Nova York. Então eles discutiram mais uma vez quando ela resolvera ir dali para a Europa, insistindo que não queria tirar fotos do primeiro corte de cabelo de bebês, sonhando com a alta-costura em vez disso. Modelos, viagens, locações exóticas e capaz para a Vogue francesa.

Ela fizera tudo isso. Bem, exceto pela capa de revista, embora uma de suas fotos tenha ido parar em uma edição da Fashion Week.

No entanto, quando tudo estava dito e feito, ela terminou encontrando seu nicho, seu talento e sua satisfação interior de volta ao velho e bom Estados Unidos da América, trabalhando com crianças. Era, nesse ramo, sua reivindicação à fama. Honestamente, ela era muito boa no que fazia. Construíra um nome em Nova York, sendo que sua marca registrada era o uso de um único objeto colorido em fotos em preto e branco. Um brinquedo, um pedaço de doce, uma blusa ou bandana… algo de cor viva e atrevida, que chamava atenção. Exatamente como as fotografias dela faziam.

Agora ela precisava angariar o mesmo nível profissional em Chicago, a qual ainda era sua cidade natal, apesar de ter passado tantos anos longe. Não, ela nunca havia se imaginado mudando-se de volta para lá, mas quando seu irmão Sam passou por um divórcio complicado e se viu tão solitário, ela concluiu que a família vinha antes de qualquer coisa. Demi era tudo que ele tinha, e vice-versa. Então ela voltou.

Isso é que é mudança de planos.

Quem teria imaginado? Certamente não Demi. Nem sua melhor amiga da época da faculdade, Miley, que ainda ria tanto da mudança na carreira quanto na moradia. Miley se lembrava da postura casa-e-filhos-são-entediantes dos velhos tempos.

Miley. Ela precisava dar uma ligada para a amiga. Demi não a via desde que tinha se mudado, embora ela e Miley mantivessem contato com telefonemas frequentes. Os dois filhos de Miley foram os verdadeiros responsáveis por abrir sua mente para as possibilidades maravilhosas entre rostinhos, mãozinhas e sorrisos, e ela queria ter certeza de que os presentes de Natal deles tinham chegado a tempo.

Aqueles presentes, e trabalhar naquela festa usando a fantasia ridícula, somavam a quantidade total de atividades natalinas dela naquele ano. Seu irmão precisaria trabalhar durante todo o fim de semana, afinal policiais não aproveitavam os feriados do mesmo jeito que os civis. E embora ela estivesse de volta ao subúrbio de Chicago onde havia crescido, não tinha mais amigos íntimos que pudessem convidá-la para as festividades.

Não que ela fosse comparecer. Demi evitava o Natal como uma praga, e o fizera por anos. Em breve ela começaria a fingir que aquela festa não estava acontecendo.

A maioria das pessoas provavelmente consideraria isto patético; Demi considerava um alívio. Principalmente depois de o homem do tempo informar que uma tempestade à altura daquela enfrentada por Rudolph, a rena do nariz vermelho, estava a caminho.

Provavelmente duraria a noite inteira e deixaria a cidade parada por causa de alguns bons centímetros de neve na manhã de Natal. Parecia um período ótimo para ficar trancada em seu apartamento quente, com o Kindle e um monte de chocolate e vinho. Ou chocolate de vinho, seu mais novo vício.

Espiando o céu acinzentado através das imensas janelas, ela começou a guardar seu equipamento. A festa estava acabando, havia apenas uma dúzia de pessoas naquele andar, que fora transformado de área repleta de cubículos e salas de reuniões para um terreno festivo divertido. Ela sorriu para as pessoas mais próximas, e então, notando os olhares para seu chapéu bobo, gesticulou para retirá-lo da cabeça.

Antes que pudesse fazê-lo, no entanto, ouviu uma voz. Uma voz masculina grave… suave e sexy, e bem diferente da do Papai Noel.

– Eu soube que você fez um ótimo trabalho.

Demi não respondeu, deixando que seu cérebro processasse o que estava ouvindo. Seu corpo inteiro enrijecera, os pelinhos na nuca se eriçaram, a pele ficou arrepiada. Porque aquela voz soava familiar. Impossivelmente familiar.

Não pode ser.

– Parece que as crianças se divertiram muito.

Incapaz de se conter, ela começou a dar meia-volta, se perguntando se seus ouvidos, e todos os outros sentidos, a estavam enganando. Afinal, seis anos era muito tempo, a mente era capaz de pregar peças. Quais eram as chances de trombar com ele ali? E logo hoje. Vinte e três de dezembro. Exatamente seis anos. Era realmente possível?

Um olhar, e o palpitar frenético de seu coração, e ela soube que seus ouvidos e seu cérebro estavam funcionando perfeitamente bem. Porque era ele de fato. Joseph Jonas.

– Ai, meu Deus – sussurrou ele, chocado, congelado, olhando para ela tão fixamente quanto ela para ele. – Demi?

Ela assentiu lentamente, sem tirar os olhos de Joe, se perguntando por que os anos o haviam deixado ainda mais atraente. Não parecia justo, ou lícito.

Não quando havia passado os últimos seis anos pensando que ele já devia ter começado a perder os fios daquele denso cabelo castanho-dourado, ou ter ganhado um pneuzinho sobressalente naquelas formas belas e musculosas, ou perdido um pouco do brilho daqueles olhos verdes.

Aham.

O sujeito era lindo. Verdadeiramente, sem sombra de dúvida, lindo de dar água na boca, cada pedacinho tão sensual quando da primeira vez que ela pusera os olhos nele. Mas Joe não era mais aquele rapaz jovem, esguio e ávido. Agora era um homem completamente realizado, poderoso, forte e devastadoramente atraente.

Ela estava com 22 anos quando eles se conheceram, ele era dois anos mais velho do que ela. E durante o breve tempo que passaram juntos, Joe destruíra completamente todas as noções pré-concebidas sobre quem ela era, sobre o que queria e sobre o que faria quando o sujeito certo aparecesse.

Ele tinha sido o primeiro amante dela.

Eles haviam passado um período de festividades maravilhoso juntos. Mas depois daquele Natal, nunca mais se viram novamente. Até agora.

Bem, isso não é terrível?

– Olá, Joe – murmurou Demi, se perguntando quando sua vida havia se transformado em um filme de comédia. Porque não era sempre assim que tais filmes começavam? A heroína destemida e azarada no amor ficando cara a cara com o único homem que ela nunca fora capaz de esquecer enquanto estava vestida com uma fantasia ridícula? Parecia diretamente saída de uma turma iniciante de uma agência de atores estereotipados… o que mais ela poderia estar vestindo senão vestido verde curto com sininhos e azevinhos na gola, meia-calça listrada de vermelho e branco, sapatos pontudos e o chapéu verde amalucado com plumas? A única coisa que poderia tornar a cena mais perfeita seria se ela estivesse no colo do Papai Noel ranzinza, tentando se livrar das mãos bobas dele, e então o herói viria para resgatá-la.

Ele resgatou você uma vez. Foi um grande momento.

O coração dela deu uma cambalhota, como sempre fazia quando ela pensava no assunto… O jeito como Joe a salvara no que poderia ter sido um momento horrível. E independentemente do que ocorrera depois, e por mais que ela se ressentisse dele agora, nunca a faria se esquecer de que ele estivera lá para impedir que ela fosse machucada.

Mas isso tinha sido há muito tempo.

Demi não era mais aquela garota e não precisava mais de um homem para salvá-la.

– É você mesmo – murmurou ele.

– Em carne e osso.

– Não consigo acreditar.

– Então somos dois – admitiu ela.

Os cérebro dela se atrapalhava em busca de mais palavras, para organizar pensamentos e frases. Mas ela simplesmente não conseguia. Se tivesse acordado naquela manhã e tivesse encontrado sua cama flutuando no céu, erguida por um imenso balão de hélio, não teria ficado mais surpresa do que estava agora.

Ou mais perturbada.

Porque não era esperado que ela fosse vê-lo outra vez. Ela não deveria se importar mais. Não deveria nem mesmo pensar em ser magoada por ele outra vez.

Ela já havia passado por isso uma vez, e exatamente nessa mesma época do ano. De jeito nenhum que estava pronta para um repeteco.

Ela sabia de tudo isso, sabia do fundo de sua alma. Então por que, ai, por que, seu coração estava cantarolando? Era uma expressão maluca, mas a pura verdade. Havia música na cabeça dela e brilho nos seus olhos, e um sorriso lutava para emergir em seus lábios.

Porque era Joe. O sujeito que ela havia conhecido exatamente seis anos atrás. O homem por quem ela se apaixonara perdidamente.

Na época do Natal.
 

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