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Dia das Bruxas – 31 de outubro
DEVERIA TER sido um voo de rotina.
Voar de Pittsburgh para Chicago era o itinerário mais simples que a empresa Clear-Blue Airlines tinha. No Learjet 60, o tempo de viagem seria inferior a uma hora. O tempo estava perfeito, o céu parecia saído de um desenho infantil feito com giz de cera. Azul como um ovo de pisco-de-peito-ruivo, com algumas nuvens brancas fofinhas para definir a cena, e nem uma gota de umidade no ar. Refrescante, não tão frio, provavelmente era o dia de outono mais belo do ano.
Os funcionários da torre de controle estavam alegres, a manutenção do Lear impecavelmente benfeita, uma maravilha. O humor de Demi Bauer estava bom, principalmente porque era uma de suas comemorações favoritas: halloween, o dia das bruxas.
Ela devia ter imaginado que algo iria estragar tudo.
– Como assim cancelado, Sra. Rush? – perguntou ela, franzindo a testa enquanto segurava o celular firmemente ao ouvido. Em pé, à sombra do jato na pista, se apoiou na lateral da escadaria retrátil e ela cobriu a outra orelha com a mão para abafar os ruídos das aeronaves nas proximidades. – Tem certeza? Ela está falando sobre essa viagem há séculos.
– Desculpe, garota, você vai ter de ficar sem seu encontro com suas amigas mais velhas este mês – disse Ginny Tate, a espinha dorsal da Clear-Blue. A mulher de meia-idade fazia de tudo na empresa, desde agendamento de compromissos, passando pela contabilidade, pela encomenda de peças, até a manutenção do site da empresa. Ginny era tão boa em discutir com chefões do aeroporto obcecados sobre todos os planos de voo quanto em garantir que tio Frank, fundador a companhia aérea, tomasse sua medicação para o colesterol todos os dias.
Em suma, Ginny era quem mantinha a empresa funcionando para que tudo que Demi e tio Frank, agora sócios com 60 e 40 por cento da empresa respectivamente, precisassem fazer fosse voar.
E assim estava ótimo para eles.
– A Sra. Rush disse que uma de suas amigas pegou uma gripe e ela não quer viajar, para o caso de ter se contaminado e cair de cama também.
– Ah, que droga – murmurou Demi, realmente lamentando a notícia. Porque ela ficara ansiosa para ver o grupo divertido de mulheres mais velhas novamente. A Sra. Rush, uma viúva idosa e herdeira de uma fortuna do ramo do aço, era uma de suas clientes regulares.
A mulher rica e suas companheiras, cujas idades variaram de 50 a 80 anos, faziam viagens de fim de semana “só para meninas” a cada dois meses. Sempre solicitavam Demi como piloto, e o grupo praticamente a adotara. Ela havia levado as senhoras a Las Vegas para jogar nos cassinos. A Reno para jogar nos cassinos. Ao Caribe para jogar nos cassinos. E a alguns spas entre um cassino e outro.
Demi não tinha ideia do que o grupo havia planejado para o Dia das Bruxas em Chicago, mas sabia que teria sido divertido.
– Ela me pediu para lhe dizer que lamenta muito, e disse que, se precisar, ela vai inventar uma viagem dentro de algumas semanas só para vocês colocarem o papo em dia.
– Você sabe que ela não está brincando, não é?
– Eu sei – respondeu Ginny. – O dinheiro não para na carteira dela, não é? As notas de cem pratas têm molas: ela as coloca lá dentro e elas começam a tentar saltar direto para fora.
Definição bastante precisa. Desde que perdera o marido, a mulher se entregara à missão de desfrutar do máximo possível de sua fortuna. O Sr. Rush não viveu o suficiente para usufruir integralmente dos resultados de seu trabalho, portanto, em memória a ele, sua viúva ia colher cada fruta e espremer até a última gota de suco possível pelo restante da vida. Sem arrependimentos, que era o seu modus operandi.
A Sra. Rush era o mais diferente possível das pessoas com quem Demi havia convivido. A própria família em Stubing, Ohio, era o epítome das cidades do interior: trabalho duro, saudável, uma mentalidade “foco no trabalho até o último dia da sua vida”.
Eles nunca souberam muito bem o que fazer com ela.
Demi tinha começado a se rebelar por volta do primeiro ano do ensino fundamental, quando liderou uma revolta estudantil para que tirassem o feijão fava-de-lima da merenda escolar. A partir daí, foi só corredeira abaixo. Assim que chegou à sétima série, seus pais começaram a procurar por internatos… os quais não poderiam bancar. E quando ela se formou no colegial, com um registro disciplinar igualado apenas por um cara que tinha acabado na prisão, eles praticamente desistiram dela para sempre.
Ela não sabia dizer por que saíra do prumo para caçar problemas. Talvez porque problema fosse uma palavra tão malvista na casa dela. O caminho proibido sempre fora muito mais emocionante que o direto e correto.
Havia apenas um membro do clã Bauer igual a ela em tudo: tio Frank. Seu lema era Viva até seu tanque de combustível esvaziar; e aí continue vivendo. Você vai poder descansar durante sua longa soneca sob a terra quando finalmente sair da pista da vida.
Viva ao extremo; arrisque; vá aos lugares; não fique esperando por nada que você deseja, saia e encontre o que quer, ou faça acontecer. E nunca permita que ninguém o detenha.
Essas foram lições que Demi levou a sério durante sua adolescência, ouvindo as histórias malucas do tio Frank, irmão de seu pai, o qual todo mundo na família reprovava tanto. E eles reprovavam principalmente o fato de Frank parecer ter um estacionamento particular diante da capela de casamento mais próxima, pois já havia se casado quatro vezes.
Infelizmente, ele também caminhava pelos corredores dos tribunais de divórcio com a mesma frequência.
Ele podia não ter sorte no amor, mas era o tio mais leal que já existira. Demi surgira à porta dele em Chicago três dias depois de sua formatura do ensino médio, e nunca mais quis saber do passado. Nem seus pais deram a entender que desejavam que ela devesse fazê-lo.
Ele a recebeu, adaptou o estilo de vida de playboy à presença dela, embora não precisasse. O pai de Demi podia até odiar os hábitos malucos do irmão, mas ela não dava a mínima para a vida sexual do tio.
Desde o primeiro dia, ele assumira um papel meio paterno e começara a perturbá-la para que frequentasse uma faculdade. E também se certificara de que ela visitaria os pais de vez em quando. No entanto, também mostrara o mundo a ela. Abrira os olhos dela de tal forma, que Demi não quis mais fechá-los, nem mesmo para dormir nos primeiros dias.
Ele dera o céu a ela… e asas para explorá-lo, ensinando-a a voar. Por fim, ele a levou como copiloto em sua pequena companhia aérea regional de fretamento, e juntos triplicaram o tamanho da empresa e quadruplicaram seu faturamento.
Entretanto o sucesso veio com um custo, é claro. Nenhum dos dois tinha muita vida social. Até mesmo o mulherengo tio Frank virou praticamente um tipo de muito-trabalho-nenhuma-diversão, uma vez que havia expandido seu negócio para o norte, o sul e a costa leste há dois anos.
Quanto a Demi, além de ter uma vida dos sonhos intensa, quando não estava voando, ficava tão entediada como qualquer solteira de 29 anos poderia ser. Prova disso fora sua decepção por não conseguir passar um dia com um grupo de senhoras que reclamavam de tudo, desde seus filhos preguiçosos até os pelinhos que cresciam nas orelhas de seus maridos. Bem, exceto a Sra. Rush, que nitidamente lembrava às amigas para agradecer pelos pelinhos nas orelhas de seus maridos enquanto elas ainda tinham maridos com pelinhos nas orelhas para serem gratas.
– Bem, tanto planejamento para um Dia das Bruxas divertido – disse ela com um suspiro.
– Querida, se sentar-se em um avião para ouvir um monte de velhinhas ricas resmungando sobre suas últimas injeções de colágeno é a única coisa pela qual você está ansiosa…
– Eu sei, eu sei. – Soava patético. E ela realmente precisava fazer algo a respeito. Fosse investindo em uma vida social de verdade novamente em vez de se atirar no trabalho 14 horas por dia e passar as outras dez pensando em todas as coisas que faria caso tivesse tempo.
Até mesmo imaginando essas coisas.
Ela fechou os olhos, desejando distanciar aquele pensamento. Sua vida de sonhos podia ser rica e intensa. Mas definitivamente não era adequada para o horário de trabalho.
O problema era que desde que Demi percebera o quanto era perigosa para o coração dos homens, ela realmente perdera a vontade de ir atrás deles.
Seu último relacionamento terminou mal. Muito mal. E ela ainda não havia superado a tristeza por causa dele.
– Que pena. A Sra. Rush teria adorado sua fantasia.
– Ai, Deus, nem me lembre – disse Demi com um gemido.
Ela só usara a tal roupa em prol das senhoras. A Sra. Rush havia pedido a ela para relaxar naquela viagem.
Engolindo em seco, Demi olhou ao redor, esperando que ninguém estivesse perto o suficiente para vê-la naqueles trajes. Ela precisava entrar depressa no avião e trocar de roupa, porque ao passo que seu uniforme à moda antiga teria feito suas passageiras gargalharem de alegria, ela não queria particularmente ser vista por qualquer um dos funcionários ou carregadores de bagagem na pista. Isso sem mencionar o fato de que, mesmo que o clima estivesse ótimo, era outubro e ela estava congelando.
O uniforme da Clear-Blue que ela usava normalmente era bem cortado e profissional, muito sério. Calça azul-marinho, blusa branca engomada, feito para inspirar confiança e fazer o cliente esquecer que a piloto estava na casa dos 20 e tantos anos. A maioria dos clientes gostava disso. No entanto, as senhorinhas daquele grupo sempre perturbavam Demi sobre seu senso de moda. Insistiam que ela ficaria muito sensual se tirasse aquelas roupas masculinas e ficasse mais feminina.
Ela olhou para si novamente e teve de sorrir. Não dava para ficar muito mais feminina do que naquele uniforme antigo de comissária de bordo, com botas brancas de verniz e a hot pant que se agarrava ao bumbum e cobria as coxas com uma camada muito fina de tecido.
Parecida saída diretamente de um comercial da Southwest Airlines de 1972.
Para uma fantasia, até que não era ruim se analisasse bem. Ao comprar as roupas vintage on-line, ela realmente teve sorte. A blusa psicodélica estava um pouco apertada, mesmo que não fosse especialmente abençoada no quesito seios, e ela não conseguia fechar o botão do colete de poliéster que complementava o traje. Mas o short acetinado se encaixava perfeitamente, e as botas eram tão lindas que ela sabia que teria de usá-las novamente sem o traje.
– Agora, antes que você vá, e fique preocupada achando que seu dia foi uma perda de tempo total – disse Gina, voltando a soar profissional mais uma vez –, quero que saiba que a viagem não foi em vão. Agendei um passageiro para retornar a Chicago que vai fazer valer a pena.
– Sério? Um passageiro repentino de Pittsburgh, em pleno sábado? – perguntou ela. Aquele não era exatamente um destino visado como Orlando ou Hartsfield International. A Sra. Rush era o único cliente que eles buscavam regularmente naquela parte da Pensilvânia, e a maioria dos empresários não utilizava voos fretados nos fins de semana.
– Sim. Quando a Sra. Rush telefonou para cancelar, ela me contou que um empresário local precisava de uma carona de última hora para Chicago. Ela o colocou em contato conosco, esperando que você pudesse ajudá-lo. Eu disse a ele que você estava lá e que não teria problema algum em trazê-lo com você.
Perfeito. Um voo remunerado, e ela poderia voltar para casa a tempo de comparecer à festa anual de Dia das Bruxas de sua melhor amiga, Jazz.
Daí Demi repensou. Sinceramente, era muito mais provável que ela fosse acabar ficando em casa, devorando um saco de balinhas de goma e caramelos de chocolate enquanto assistia a filmes de terror antigos. Porque Jazz, Jocelyn Wilkes, a chefe dos mecânicos da Clear-Blue e amiga mais próxima que Demi já tivera, era uma doida cujas festas sempre tinham penetras e por vezes terminavam com a presença da polícia. Demi simplesmente não estava no clima para uma grande festa em uma casa com uma tonelada de estranhos.
Para ser sincera, ela preferia muito mais um quartinho com apenas dois convidados. Uma pena que, ultimamente, o único convidado em seu quarto era do tipo que precisava de pilhas e vinha com um manual assustadoramente ilustrado com instruções em coreano.
– Dem? Está tudo bem?
– Com certeza – disse ela, expulsando os pensamentos loucos da cabeça. – Ainda bem que ganho meu sustento atualmente.
Ginny riu baixinho ao telefone.
– Você ganha seu sustento todos os dias, garota. Eu não sei o que Frank faria sem você.
– O sentimento definitivamente é mútuo.
Ela falava sério. Demi odiava pensar em como sua vida poderia ser como se ela não tivesse fugido do mundinho claustrofóbico e fechado no qual morava com a família que tanto a reprovara e se esforçara para mudá-la.
Demi tinha tanto em comum com seus pais frios e reprimidos e sua irmã completamente subserviente quanto tinha com… bem, com as aeromoças ripongas dos anos 1970 que provavelmente usaram aquele uniforme em alguma ocasião. Quando entrou na fila para adquirir seu genes, certamente recebeu muito mais dos genes ousados, livres e “não suporto estabilidade” do que os genes dos pais sisudos e conservadores.
Tinha vários ex-namorados que comprovariam isso. Um deles ainda telefonava para ela quando estava bêbado, apenas para lembrá-la de que havia partido seu coração. É. Valeu. Bom saber.
Mesmo isso, no entanto, era melhor que pensar no último sujeito com quem ela se envolvera. Ele havia se rendido ao amor. Ela havia se rendido ao “isso é melhor que dormir sozinha”. Ao descobrir isso, ele tentou fazê-la sentir algo mais encenando uma overdose. Demi ficou apavorada, acometida pela culpa, e então, quando ele admitiu o que havia feito e por quê, ela ficou totalmente furiosa em vez de sentir compaixão.
Para piorar, ele teve a coragem de pintá-la como a vilã da história. Seus ouvidos ainda doíam com suas acusações de que era uma bruxa fria e sem coração.
Melhor fria e sem coração do que um mentiroso, psicopata e manipulador. Mas também era melhor ficar sozinha do que arriscar se envolver com outro.
Então seu vibrador coreano era a opção.
Algumas pessoas eram feitas para o compromisso, família, essa coisa toda. Outras, como tio Frank, não. Demi era exatamente como ele; todo mundo dizia isso. Incluindo o próprio tio Frank.
– É melhor você ir. O passageiro deve chegar em breve.
– Sim. Eu definitivamente preciso trocar de roupa antes que algum sujeito atraente e sensual me pergunte se quero ficar chapada e fazer amor, e não guerra, em uma manifestação pela paz – respondeu Demi.
– Por favor, não por minha causa.
Aquilo não veio de Ginny.
Demi congelou, o telefone encostado no rosto. Ela demorou um segundo para processar, mas seu cérebro finalmente acompanhou sua audição, e ela percebeu que de fato tinha ouvido uma voz estranha.
Masculina. Grave, rouca. E bem pertinho.
– Preciso ir – murmurou ela ao celular, desligando-o antes que Ginny pudesse responder.
Em seguida movimentou o olhar, espiando um par de sapatos masculinos a menos de meio metro de distância de onde ela estava, à sombra do Lear.
Usando aqueles sapatos estava um homem vestindo calça cinza escura. E muito bem nelas, Demi teve de reconhecer quando ergueu o olhar e viu as longas pernas, os quadris estreitos, a barriga lisa.
Caramba, ele era bonito. Ela sentiu a garganta apertada, a boca seca. Ela se obrigou a engolir em seco enquanto continuava olhando.
Camisa branca, desabotoada no pescoço forte. Braços grossos contra o tecido que os limitava. Ombros largos, um deles coberto pelo paletó pendurado ali, o qual pendia dos dedos másculos.
E então o rosto. Ah, e que rosto.
Queixo quadrado, bochechas com covinhas. Testa alta, cabelo bem preto jogado para trás pela brisa de outono que sobrava por debaixo da aeronave. E ele tinha uma boca incrivelmente maravilhosa, a qual estava curvada em um sorriso. Um sorriso bem largo que sugeria uma gargalhada contida à espreita daqueles lábios sensuais. Ela desconfiava que, por trás dos óculos escuros, seus olhos também estivessem rindo.
Rindo dela.
Maravilha. Um dos homens mais
bonitos que ela já vira em toda sua vida tinha acabado de ouvi-la resmungando
sobre caras lindos e amor livre. Tudo isso enquanto ela parecia Marcia Brady do seriado A Família Sol-Lá-Si-Dó em um teste para ser animadora de torcida.
– Acho que eu devia ter colocado minha calça boca de sino e minha camisa tie-dye com estampas do símbolo da paz – disse ele.
Ela franziu a testa fingindo reprovação.
– Seu cabelo é curto demais e não é grosso o suficiente. – Fazendo um “tsc”, ela acrescentou: – E cadê o bigode?
O sorriso sexy não era nada comparado à risada sexy. Encrenca em dose dupla de qualquer ângulo que você
analisasse.
– Odeio admitir isso, mas não sou fã de Bob Dylan. E acho que realmente não sou capaz de me render aos efeitos terapêuticos do LSD.
– Mas que droga! Se não souber tocar “Blowin’ in the Wind” no violão, temo que terei de jogar você nos motores daquele 747 bem ali.
Ele ergueu as mãos, as palmas expostas.
– Paz! Eu realmente gostei das roupas, maninha – disse ele. – Isso é a maior brasa, mora?
– Uau, você parece o Austin Powers agora.
Estremecendo como se ela o tivesse estapeado, ele murmurou:
– As gatas realmente vão atrás dos rapazes com peito cabeludo?
– Não esta aqui – admitiu ela, com uma risada, já gostando daquele estranho, apesar de seu constrangimento inicial. – Obviamente, se você tiver um calendário, sabe que hoje é Dia das Bruxas.
– É, eu ouvi isso em algum lugar. Isso explica por que passei por um grupo de Hannah Montanas e Bob Esponjas
andando pela rua enquanto eu vinha para cá.
– Não sei se é mais triste a criançada
ter de pedir doces durante o dia, ou você saber quem são Hannah Montana e Bob Esponja.
– Sobrinhos – explicou ele.
A maneira carinhosa com dissera as palavras fez Demi suspeitar de que ele gostava de crianças, fato que geralmente indicava uma boa índole. Ponto para o gostosão.
Correção, mais um ponto para o gostosão. Ele já havia marcado cerca de um milhão de pontos só por ser incrivelmente sexy.
Ela também observou que ele mencionara sobrinhos… ou seja, nada de filhos. Solteiro?
Ele olhou para os outros aviões pequenos nas proximidades e para os poucos funcionários do aeroporto correndo para lá e para cá em meio ao transporte das bagagens.
– Então… ninguém mais foi convidado para a festa a fantasia?
Só ela. Não era sortuda?
– Era para eu ter buscado uma passageira regular nossa, e ela me fez prometer que eu usaria fantasia. Este definitivamente não é meu traje de trabalho habitual.
– Droga. Cá estava eu pensando que, de repente, tinha conseguido permissão para entrar em um clube supersecreto.
Esse é o verdadeiro motivo pelo qual voos fretados são tão populares. Você está dizendo que realmente é só para não enfrentarmos as longas filas da segurança e termos alguma flexibilidade de viagem? Não é por causa das calças coladinhas e botas de vinil?
Ela balançou a cabeça.
– Temo que não. Mas não se esqueça, você também bebe mais que meio copo de refrigerante quente e come mais que quatro biscoitos.
– Bem, está certo então, eu topo.
Demi suspirou, de repente, reconhecendo aquilo que tinha conseguido esquecer. Por apenas um
minuto ou dois, fora capaz de se convencer de que um estranho de passagem a havia notado e se aproximado.
De passagem por uma pista particular, protegida pela segurança?
Acho que não.
Ele não era um transeunte aleatório, ela sabia.
– Ai, diabos. Você é meu passageiro.
– Se você estiver indo para Chicago, acho que sou. – Ele estendeu a mão. – Joe Campbell.
Amaldiçoando a sra. Rush, o Dia das Bruxas e aquela loja on-line de roupas vintage, Demi apertou a mão dele.
– Demi Bauer.
O primeiro contato trouxe uma onda de calor, um lampejo de prazer inesperado e um pouco surpreendente. O aperto de mão durou um segundo demais, talvez tenha sido uma insinuação além de apenas uma saudação informal entre estranhos. E ao passo que o cumprimento fora totalmente adequado, de repente, ela se flagrou pensando em todos os contatos que não tinha há muito tempo, em todos os jeitos impróprios com que a mão forte e máscula poderia deslizar sobre seu corpo.
Luxúria instantânea. Foi genuína.
Quem diria?
Ela o encarou, tentando enxergar seus olhos por trás dos óculos de sol, se perguntando se as pupilas dele tinham se dilatado com interesse imediato do jeito que provavelmente acontecera com as dela. Perguntando-se o que ela faria caso ele retribuísse o interesse.
Controle-se.
Demi infelizmente recuou a mão, deixando-a cair junto à lateral do corpo e deslizando-a pelo quadril coberto de cetim. Seus dedos tremiam enquanto roçavam a pele nua da coxa e ela desconfiava que suas palmas estivessem úmidas.
Obrigando-se a respirar fundo para se acalmar, ela conseguiu dar um sorriso.
– Bem, obrigada por escolher a
Clear-Blue Air. Nós…
– Amam voar, e demonstram isso?
LEVOU UM segundo, então ela captou o antigo slogan. O sorriso desapareceu. Ele era gostoso demais para também ser tão perspicaz e sedutor. Ela só conseguia lidar com um de cada vez, então a coisa toda ficou um pouco mais perturbadora quando tudo foi embrulhado em um pacote extremamente sexy.
Você pode dar conta dele. Pare de suar. Basta ser profissional.
Profissional. Sendo que ela estava vestida para uma manifestação de paz e amor junto ao grupo de hippies locais, e aquele sujeito era tão lindo e adorável. Até parece.
– Vai ser uma viagem rápida – disse ela, apontando para as escadas e recuando para que ele pudesse subi-las primeiro.
De jeito nenhum ela iria primeiro, não com o comprimento daquele short maldito. Suas polpinhas ficariam muito bem protegidas, contanto que ela não se movimentasse muito. Se Demi subisse a escada com Joe atrás dela, no entanto, tudo ficaria imprevisível. Ele
teria uma boa visão, e não seria de Londres, ou da França. Porque o short idiota era grudado ao corpo demais para poder usar até mesmo a calcinha mais sumária por baixo, a menos que fosse um modelo fio dental, o qual ela sequer possuía.
– Espere – disse ele, fazendo uma pausa no último degrau. – Você não vai dizer “Voe comigo” ou, pelo menos, “Bem-vindo a bordo”?
Ela não o fez. A palavra que ela murmurou suavemente foi muito menos acolhedora. E tinha menos letras… cinco, para ser exata.
Ele balançou a cabeça e fez um “tsc”.
– Não exatamente os céus amigáveis. Ainda não captou o espírito desta manhã?
– Mais uma piadinha com slogan de companhias aéreas e você vai a pé para Chicago – disse ela.
Ele assentiu uma vez, então colocou os óculos escuros no alto da cabeça. O movimento revelou olhos azuis que combinavam com o céu. E, sim, eles lhe ofereceram uma piscadela. Droga.
– Entendido. Só, hum, me prometa que vai dizer “Café ou chá?” pelo menos uma vez, sim? Por favor?
Demi tentou lançar um olhar de reprimenda para ele, mas a piscadela foi
certeira em acabar com seu
aborrecimento. Algo irresistível bem no fundinho dela a fez sorrir e pedir:
– Pare de flertar. Comece a viagem.
Ele imediatamente entendeu a vaga referência que ela fez.
– Saquei. – Com um sorriso, acrescentou: – Estou começando a desconfiar que vou experimentar algo de muito especial no ar.
Ela resmungou.
– Você percebe que fica parecendo um nerd completo por conhecer todos esses slogans?
O insulto o pegou de jeito.
– Nerd, é? – Então ele jogou a cabeça
para trás e riu. Um bom humor inato fluía daquele homem sexy que, embora vestido como empresário, não era como qualquer um que Demi já tivesse transportado antes. – Algo me diz que esta vai ser uma viagem inesquecível – disse ele, com calor e vivacidade surgindo daqueles olhos azuis profundos.
Só restou a Demi respirar fundo bem lentamente enquanto subia no avião, pensando na risada e naquela piscadinha, se perguntando por que ambas a tinham feito derreter por dentro. Enquanto ela observava seu passageiro desaparecer no jatinho, também se
questionava sobre a viagem que estava prestes a realizar.
Eles tinham café e chá, e ele era bem-vindo. Mas e quanto a ela? Bem, ela sequer pensara em flertar com um cliente antes. Falta de profissionalismo. Mesmo tio Frank, o garanhão original em pessoa, iria matá-la. Ele jurava nunca misturar negócios com prazer.
E, no entanto, quantas vezes ela de fato conhecera alguém que fosse sensual, engraçado e divertido? Considerando sua condição a respeito de qualquer coisa que se assemelhasse a namoro, talvez um casinho de uma noite com alguém de fora da cidade, alguém que
ela nunca iria ver de novo, fosse a situação perfeita.
De repente algo dentro dela sentiu vontade de arriscar, de ousar um pouco. Talvez fosse culpa do estilo brincalhão e perigoso daquela data festiva: Demi sempre adorara o Dia das Bruxas. Podia ser culpa da mudança fortuita de passageiros, saindo do grupo de velhinhas lelés para um rapaz
extremamente sexy. Talvez fosse culpa do traje. O short estava comprimindo sua intimidade “aberta alerta e pronta para negócio”, a costura fazendo coisas indecentes em suas partes femininas repentinamente latejantes.
Quanto tempo fazia desde que ela havia feito coisas indecentes, ou decentes, aliás, com um homem sexy? Não desde que concentrara todas as energias na expansão da Clear-Blue Air, no mínimo. Demi não tinha tempo nem para um almoço com um namorado em potencial, quanto menos para qualquer coisa como os momentos de luxúria que ela tanto apreciara em sua juventude. Do tipo que se prolongava por fins de semana inteiros e que envolviam não sair da cama, exceto para pegar algum tipo de comida sensual que pudesse ser espalhada e lambida em cima do corpo gostoso, nu e salpicado
de suor de alguém.
Fechou os olhos, a mão agarrando o corrimão com firmeza. Seu coração acelerou no peito e ela tentou se obrigar a andar. Mas não conseguia nem subir nem descer de volta também. Não fisicamente, nem mentalmente.
Ela estava realmente cogitando isso?
Deus, não tinha sequer verificado a mão esquerda de Joe Campbell para se certificar de que ele estava disponível. E não fazia ideia se ele estava realmente atraído por ela, ou se era apenas um flerte irresistível. Mas algo dentro dela lhe dizia para tentar alguma coisa com aquele completo estranho.
Era loucura, algo que Demi nunca havia cogitado. No entanto, agora, neste momento, ela estava definitivamente pensando no assunto. Se ele estivesse disponível… ela teria coragem de fazê-lo? De seduzir um estranho? De ter uma aventura anônima com um sujeito aleatório, como algo saído de um filme da madrugada na TV a cabo?
Ela não sabia, mas parecia bom. Dada a loucura atual de sua vida… seu horário de trabalho, viagens, compromissos com o tio e com a empresa dele, além de sua aversão a qualquer coisa que ainda se assemelhasse a “acomodação” conforme
ela sempre soubera, essa ideia toda de aventura soava muito boa.
A viagem a Chicago foi curta, então Demi precisou decidir rapidamente.
Embora, de fato, desconfiasse que a decisão já estivesse tomada. E quando ela colocou o pé no primeiro degrau e começou a subir, de repente teve a sensação de que estava prestes a embarcar na viagem da sua vida.
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Angels amanhã começa a maratona, como eu faço curso a tarde vou deixar programado pra vocês. Quero muitos comentários.
xoxo