21.5.15

Lar da Paixão - Capitulo 2

— Precisamos nos encontrar.
Nick resmungou, e Joe ouviu um barulho de lençol e um gemido de Selena ao fundo.


— Você sabe que horas são? — Nick perguntou.


— Cinco e meia?


— E você acha razoável telefonar a esta hora? Numa ma­nhã de domingo?


— Conheci nossa inquilina no anexo.


— E daí? — ele perguntou depois de alguns segundos de silêncio.


— Ela está grávida.


Mais alguns minutos de silêncio.


— Precisamos nos encontrar.


— Foi o que eu falei — disse Joe. — Onde e quando?


— Já que está acordado, vai ser na sua casa, e você nos serve um café da manhã. Dê-me meia hora. E ligue para Harry. Na certa ele vai mandar você para o inferno.


Não foi para ó inferno que Harry o mandou. Ele foi um pouco mais grosseiro do que isso, mas, como sua sugestão era anatomicamente impossível, Joe riu, desligou o telefone e foi tomar uma chuveirada. Depois encheu o forno com iguarias congeladas para esquentar enquanto fazia o café. Pouco de­pois, os dois chegaram.


— Espero que tenha um bom motivo para nos tirar da cama — disse Harry ao entrar, de bermuda e camiseta, com cara de sono, cabelos desgrenhados e barba por fazer.


Nick veio logo atrás dele.


— É bom, sim. Oi, Nick. Desculpe tirá-los da cama tão cedo. Querem café?


— Cedo demais. Isto é cheiro de croissant?


— Isso mesmo. Podem se sentar que já trago nosso café da manhã.


Ele encheu três canecas de café e as levou para a mesinha da sala de estar, onde os dois estavam acomodados.


— Então, vamos falar sobre a inquilina grávida — disse Harry ao degustar um marzipan. — Será que ela vai criar problema?


— Talvez. — Joe pegou um pain mi chocolat e se recostou no sofá. — Aparentemente, ela está grávida do outro fi­lho de Brian Dawes.


Ao ouvir isto, Nick engasgou com o croissant e pousou sua caneca de café sobre a mesa.


— O quê?!


— Disse...


— Eu ouvi. Mas nem sabia que Brian tinha outro filho. Quais são as implicações?


— E como obrigá-la a sair se está grávida? — Harry quis saber.


— Acho que não podemos; e não há outro filho, ele já morreu. E ela não pode ficar lá, mas eu tenho um plano.


Depois de trocarem olhares os dois fitaram Joe com des­confiança.


— E qual é? — perguntou Nick.


— Precisamos tirá-la do hotel e levá-la para algum lugar mais apropriado, um lugar onde o reboco do teto não ameace cair quando chover.


— O reboco do teto caiu? — Harry indagou.


— Caiu no colchão. Foi assim que eu a conheci, quando estava roubando um colchão da caçamba do hotel para trocar com o dela.


— E foi quando você tentou impedi-la que ela lhe contou tudo isso? — Nick perguntou.


— Não foi bem assim.


— E foi como?


Ao narrar a história, Harry e Nick riram muito, imaginan­do Joe correndo do segurança com um colchão, e ele per­guntou o que eles teriam feito no seu lugar.


Os dois deram de ombros.


— De qualquer modo, eu a levei para comer perto da praia foi aí que soube da história dela. Se a criança for filha do irmão morto, e ela me garante que é, então ela também será herdeira da propriedade:


— Tem certeza?


— Não, mas eu acho que sim. Procurei informações na internet, e o assunto é meio confuso. O termo "nascituro" parece ter várias conotações, como já concebido e ainda não nascido, a ser concebido e para nascer no futuro, mas existe uma expressão que diz en ventre sa mère. Que quer dizer no ventre da sua mãe. Porém, não fica muito claro, e sem ver o testamento não dá para saber se a criança teria direito à heran­ça ou não. E ainda tem outro problema, o testamento sumiu. Precisamos arranjar-lhe um bom advogado.


— Precisamos?


— Sim, precisamos — ele falou logo. — Não podemos correr o risco. Já estou imaginando os jornais: "Mulher grá­vida morta em desabamento. Novos proprietários se eximem de responsabilidade".


— Não sei por que você não acordou nossos advogados às cinco da manhã, de um domingo, para participar desta reu­nião — Nick ironizou.


Joe ficou envergonhado de admitir que só não fez isso porque não tinha o telefone deles.


— Precisamos nos aconselhar, é muito importante. Temos de tirá-la de lá.


— Eu concordo — disse Harry. — Precisamos falar com nosso advogado antes de tirá-la de lá, para não ter de pagar pensão, além dos custos judiciais de uma luta que não é nos­sa. Na verdade, nada disso nos diz respeito. Poderíamos sim­plesmente despejá-la e deixar que a Assistência Social cui­dasse dela.


— Como pode pensar em fazer isso, Harry? Ela deve estar com sete meses de gravidez.


— Existem pessoas capacitadas para cuidar de casos as­sim. E esse bebê não nos diz respeito.


— Isso não foi impedimento para você antes.


— Aquilo foi diferente — disse Harry.


— Foi mesmo? Só estou preocupado em arranjar um ad­vogado para a moça, não estou falando em casamento...


— Vamos parar com isto, rapazes — Nick os interrom­peu. — Joe tem razão, precisamos nos aconselhar e trans­ferir a moça para um local seguro. A presença dela no hotel é irrelevante para a pretensão dela, já que nós compramos o imóvel.


— O problema é que ela não tem um contrato de aluguel, então não podemos despejá-la — Joe lembrou. — E se cair mais reboco sobre ela até a segunda-feira, não sei o que será de nós.


— E o que faremos?


— Tenho uma ideia.


— Por que será que não me sinto confiante? — perguntou Harry com ironia, e Joe riu.


— Nem desconfio.


— Quer nos contar? — Nick sugeriu.


— Antes disso vou elaborar melhor e discutir com ela.


— Não acha que deveria discutir isso conosco, primeiro — perguntou Harry —, como seus sócios e coproprietários do imóvel?


— Não. Se surgir alguma novidade, eu lhes conto.


— Acho bom. Tenho uma parcela substancial de royalties envolvidos nisso — Harry o lembrou.


— Vou lhe dar um prazo até às 9h da manhã de segun­da-feira, depois disso vou contatar nosso advogado — disse Nick ao se levantar. — Agora vou para casa, e espero que as crianças ainda estejam dormindo para eu poder voltar e me deitar ao lado da minha mulher.


Ele saiu e deixou Harry para trás, pensativo.


— O que foi?


— Eu é que deveria estar lhe perguntando isto — disse Harry.


— Não se incomode, é apenas uma ideia. É bem provável que não dê em nada.


Harry se levantou devagar.


— Vou lhe dar um conselho — ele disse. — Fique atento. Não se deixe enganar, Joe.


— Olhe quem fala.


— Exatamente. Acho que sou a pessoa certa para aconse­lhá-lo, e posso ver que está caindo na mesma armadilha.


— Não vou me deixar enganar.


Ele pôs a mão no ombro de Joe antes de falar:


— Tome cuidado, está bem? — Harry saiu e o deixou elaborando os últimos detalhes do seu plano.


*****
Ela disse não.


Ele não esperava por isso, mas devia. Quando achou que já era suficientemente tarde, tendo em mente que seu interesse neste problema era bem diferente do deles, ele foi até o anexo e bateu na porta.


Joe a ouviu gritar alguma coisa, depois escutou os passos dela descendo a escada até parar junto à porta.


— Quem é? — ela perguntou.


— Joe.


— Joe? — Ela parecia surpresa. — Joseph? De ontem à noite?


— Isso mesmo, Demi, posso entrar?


Depois de muito barulho de trancas e chaves, ela abriu a porta com um ar desconfiado.


— O que você quer?


— Tenho uma proposta para lhe fazer — ele começou a lhe falar.


Ela já ia fechar a porta, mas ele colocou o pé no caminho.


— Não é esse tipo de proposta — ele disse, sentindo-se cansado.


Mas seria uma explicação, já que esta mulher e seus pro­blemas o fizeram ficar acordado a maior parte da noite. Ele empurrou a porta lentamente e entrou.


— Não se preocupe, Demi, está segura comigo. Só quero conversar com você. Posso entrar?


— Achei que já tinha entrado — ela resmungou e olhou para o embrulho de papel pardo que ele tinha em mãos. — O que é isso?


— Café da manhã, café com croissants.


Ela praticamente arrancou o saco da mão dele e enfiou o nariz para sentir o cheiro. Ela gemeu baixinho e sorriu para ele.


— Entre, mas olhe onde pisa — ela disse radiante e subin­do a escada, passando por uma parede descascada e um pe­daço de papel de parede caindo. O buraco que havia no te­lhado denunciava o que tinha ocorrido durante a noite.


Nossa, poderia piorar ainda mais?


Pelo menos o quarto dela estava seco. Ela se sentou, do­brou as pernas e encostou as costas na parede. Com o saco na sua frente ela foi tirando as duas embalagens de café que ele comprara no caminho e deu uma para ele, depois ela rasgou o saco de croissants e se deliciou.


Nossa! Ela parecia estar faminta. Neste momento Demi olhou para ele, parou da mastigar, limpou a boca nas costas da mão e endireitou-se, apontando para o saco.


— Desculpe-me. Nunca tive boas maneiras quando estava com fome. Você quer?


— Não, obrigado, eu já comi.


Horas atrás, quando Joe tirou seus amigos da cama para lhes contar as novidades.


— Por que não conversamos enquanto você come? — ele sugeriu, sentando-se no colchão e se encostando-se na pare­de também.


— Pode falar — ela disse enquanto comia o segundo croissant.


— Bem, eu queria lhe oferecer um emprego — ele disse. — Como minha empregada.


Ela tossiu, engoliu e o encarou.


— Empregada, eu?


— Você precisa de um lugar para morar, e eu preciso de alguém que cuide da minha casa, que faça jantar e organize as coisas, e se você podia administrar este hotel, facilmente dará conta da minha casa.


— Não posso — ela disse. — Não posso sair daqui. Se os construtores souberem que não estou mais aqui, eles derru­barão tudo, e eu perderei a minha casa. Tenho medo até de sair para buscar comida, temo que troquem a fechadura. E se eu sair daqui, deixo de ser um problema para eles, e se não for mais um problema não terei como forçá-los a ficar do meu lado na briga contra Ian.


Joe queria lhe dizer que ele era um dos construtores e que estava do lado dela, mas depois pensou melhor. Ainda não era hora.


— E se eu lhe disser que vou ajudá-la a brigar pelos seus direitos?


— E por que faria isso? Sem menosprezar sua oferta, mas eu já viajei o mundo todo, conheci muita gente. Conheço bem o ser humano, Joseph, e a maioria não presta. Por isso me perdoe se não me jogo nos seus braços e deixo que me leve no seu cavalo branco...


— Estou lhe oferecendo um emprego — ele ressaltou, imaginando o que sentiria se ela caísse em seus braços e se deixasse levar, não no seu cavalo branco, mas no seu BMW branco.


— Claro. Sem compromisso.


— Bem, não. Existem compromissos. Quero que mante­nha a casa limpa e arrumada, que faça para mim algo mais saudável do que comida de restaurante e que cuide da minha roupa. Eu vou lhe pagar um salário e, em troca, terá uma casa para morar com a criança, sem risco de o reboco cair. As luzes se acenderão quando precisar, e não irá dormir com fome, nem acordar durante a noite sem perspectiva de comida...


Ele parou da falar ao ver que ela estava quase chorando.


— E por quê? — ela quis saber.


Boa pergunta. Não podia ser sincero. Ela não precisava saber que ele estava envolvido no projeto do hotel e certa­mente não precisava saber que ele passara a noite toda pen­sando nela.


— É a lei da oferta e da procura. — Ele resolveu se ater ao aspecto profissional. — Por que não vem conhecer a casa antes de me responder?


— Vou querer referências — ela disse, sem saber se podia acreditar que fosse verdade, e ele riu.


— Eu não duvido disso. Posso, retribuir o favor.


— Brian está morto. Ele poderia lhe dizer o que quer sa­ber. Não existe mais ninguém, mas eu não minto, não engano e trabalho bastante. Que tal um período de experiência? Di­gamos... de um mês? Assim teremos tempo para ver se pode­mos conviver.


— Mas nem viu a casa ainda.


— Você já me disse que tem luz e um telhado sem gotei­ras. O que mais eu preciso saber?


*****
— Ah, meu Deus.


Demi estava impressionada com os grandes portões de fer­ro que se abriram ao toque dele no controle remoto. Eles entraram pelo caminho da propriedade ladeado por cercas vivas dos dois lados. A cerca do lado direito continuava até os fundos do terreno, e a da esquerda fazia uma curva e se abria num amplo espaço diante da casa.


Pelo menos ela achava que era uma casa, mas uma casa diferente de todas que conhecera, e mil vezes melhor.


A casa era uma grande construção em estuque branco, mais larga do que alta, com um telhado plano, projetado para fora, com uma grande porta preta à esquerda, três pequenas janelas pretas dispersas aleatoriamente em toda a extensão da parte abaulada diante dela, e uma única janela alta, à es­querda da porta, chegando quase ao telhado. Havia um pré­dio baixo, à direita, ligado à casa principal, que era a gara­gem. Com uma única porta, era sem graça.


Deveria ser feia, mas não era. E, apesar de não ser boni­ta, havia uma simplicidade, uma correção que transmitia paz.


Joe parou o carro em frente à garagem, ao lado de uma caçamba cheia de material de construção e lixo, e ela enten­deu que a casa fora recém-construída ou reformada. Não po­dia dizer, mas logo que a porta se abrisse ela saberia.


Demi olhou para Joseph, que ainda não dissera uma única palavra, mas ele saiu, deu a volta e veio abrir a porta dela, e a ajudou a sair para o piso de asfalto; ela o seguiu. Ele abriu a porta e a convidou para entrar.


Demi deu dois passos e parou para admirar a casa. A parede mais distante era de vidro. Toda de vidro, do chão ao teto, de um lado até o outro. Depois da parede de vidro havia um terraço de pedra, um gramado cuidado com esmero que mais parecia uma imensa mesa de bilhar que se juntava ao hori­zonte, que era o mar.


Ela deu mais um passo à frente. Nem reparou na casa. Isso era irrelevante. O mar a chamava. O sol brilhava sobre as ondulações do mar hoje, mas ela podia imaginar as águas calmas, com ondas preguiçosas ou revoltas batendo na praia, enfim refletindo todos os gostos da natureza, cada sopro de vento e gota de chuva para alterá-lo, recarregando suas bate­rias, renovando seu espírito e enchendo sua alma. Foi im­pressionante, incrível, inspirador, e ela sentiu vontade de chorar.


Demi adorava o mar. Sentia falta dele. Havia algo no seu sangue, algo ligado a Demi, a ilha onde nascera? E ele tinha esta vista o tempo todo, cada vez que olhava para cima ou que abria os olhos. Era extraordinário. Homem de sorte, este.


Ela finalmente desviou a atenção e olhou em volta e, en­tão, registrou a casa em si e ficou boquiaberta.


O ambiente em que estava era um enorme hall de entra­da vazio, exceto por uma escada de madeira em balanço que parecia brotar da parede à esquerda e, do lado oposto, uma pintura abstrata imensa que capturou a essência do mar.


Ela foi andando em direção ao vidro, olhando em volta, observando as paredes brancas até o teto, o piso de ardósia quase preto que continuava até o terraço. Havia uma abertu­ra no lado direito antes da parede de vidro, por onde ela pas­sou e viu uma sala ampla com grandes sofás fofos e baixos agrupados em torno de uma mesa de centro colocada sobre um tapete preto de lã. A sala era dividida de maneira que a cozinha ficava fora da vista, mas quem estivesse lá podia ver o mar. Era lindo.


Impressionante. A casa era simples, despojada, a fachada quase monástica, mas devia haver uma palavra para definir isso que ela não se lembrava.


Pura.


Isso. Ela era pura. Transmitia uma sensação de calma e tranquilidade que a livrava de todo o estresse dos últimos meses, como se tudo o mais fosse irrelevante. Era incrível como uma casa podia despertar isso no momento em que se entrava nela.


Ela se virou para encarar Joseph, que esperava sua opinião.


— A casa é linda — ela disse baixinho e, para sua surpre­sa, viu que ele relaxou com sua resposta, como se sua insig­nificante opinião fizesse alguma diferença para ele, o que era um absurdo. — É impressionante. Só de ver a fachada eu já imaginava que seria linda. É como uma dessas casas moder­nistas dos anos 30 que eu vi em livros; não me pergunte, pois sou péssima com nomes, mas nossa, Joseph! É simplesmente impressionante. Todo esse espaço, a luz... Pode sentir isso ou sou só eu que sinto? — ela acrescentou, insegura, achando que ele poderia rir dela.


Ele riu só um pouquinho.


— Achei que estava exagerando só para me agradar. Claro que me sinto lisonjeado e fico feliz que tenha gostado.


— Eu adorei. Ela é fabulosa. Quem a projetou? Adoraria conhecer o arquiteto. A casa é nova ou foi reformada recen­temente?


— É nova.


De repente ele ficou meio estranho, e algo ocorreu a ela.


— Ah, meu Deus — ela disse, espantada. — Foi você, não foi? Você a projetou e construiu?


Ele parecia tenso novamente, e ela soube que tinha acertado.


— Foi você, não é mesmo? Você projetou esta casa!

Ele fez um aceno de cabeça e esboçou um sorriso.


— Tive muita sorte em conseguir este terreno. Havia uma casa aqui, pequena e simples, num estilo parecido, mas a proprietária não conseguia mantê-la, e ela ficou bem aban­donada. Finalmente houve um incêndio e a casa teve de ser demolida. O pessoal do planejamento urbanístico exigiu que a casa nova fosse construída em consonância com a antiga, o que veio a calhar para mim. Sempre adorei a arquitetura mo­dernista e sonhava com isso havia anos, mas nunca achei que teria essa chance. Bem, não até eu ficar bem mais velho; de qualquer maneira eu tive muita sorte, estava no lugar certo, na hora certa.


Sorte? Que tal ter dinheiro?, ela pensou, e em seguida lhe veio a mente outro pensamento que a arrepiou toda.


— Nossa! Você deve ser muito rico, não é mesmo? — ela disse olhando para ele como se sua aparência fosse lhe dar alguma pista.


Nada mais óbvio do que a casa, mas o carro e as roupas cheiravam a coisa cara. Como fora estúpida.


— Você deve ser milionário, ou muito mais do que isso.

Ele deu uma risada.


— Nem tanto. Tenho muitas dívidas no momento, mas tive sorte em Nova York, escolhi algumas propriedades com grande potencial, apostei em negócios que deram certo, ba­seado no que parecia ser uma fórmula de sucesso. Depois eu vendi tudo e voltei para cá, um ano atrás. — Ele parecia tenso de novo, e ela se perguntava por quê.


Ela não o questionou, conteve a curiosidade. Em vez dis­so, Demi se concentrou na parte da fórmula de sucesso.


— Então me conte, quanto tempo demorou para construir este seu império?


— Dez anos, eu acho. Comprei meu primeiro apartamen­to aos 21 anos, que foi o começo. Mas foi só há quatro anos, em Nova York, que as coisas deslancharam mesmo. E por conhecer muita gente no ramo imobiliário eu tive oportuni­dades que normalmente não teria.


Como um presente, ela percebeu, apesar da sua modéstia. Um talento extraordinário. E ela nem sequer tinha conhecido a casa toda.


Demi se virou para observar melhor a casa e ver os deta­lhes que lhe escaparam na primeira olhada. A decoração era simples e funcional. A mesa de jantar, assim como, a mesa de centro e a escada, era feita de madeira maciça, elegante e posicionada cuidadosamente entre a cozinha, a parede de vi­dro e a sala de estar, de modo que onde quer que você esti­vesse na sala conseguiria ver o mar e também tudo o que estava acontecendo na residência.


E alguma reunião tinha acontecido recentemente. Havia farelos de comida, canecas de café e pratos espalhados pela mesa de centro. E na bancada da cozinha tinha uma garrafa de leite vazia.


— Desculpe pela bagunça.


— Pelo menos agora eu acredito quando você diz que pre­cisa de alguém para cuidar da casa.


Ele resmungou baixinho, e ela sorriu para si mesma encaminhando-se para a cozinha, passando a mão pela bancada feita de ardósia, com um acabamento macio e sedoso, quase preto, contrastando com as portas laminadas dos armários. Os armários eram brancos como o resto da casa, mas curio­samente mais suaves, e o fogão era uma placa de vidro preta embutida na bancada.


— Acha que poderia trabalhar na cozinha? — ele per­guntou.


Demi riu baixinho.


— Não. Eu ficaria o dia todo distraída, olhando para o mar.


— Depois de um tempo, você se acostuma.


— Nunca. Estou muito impressionada, Joseph. Eu adora­ria ver o resto da casa, vai me mostrar?


— Claro que sim — ele disse e a conduziu de volta ao hall de entrada.


— O que tem ali? — ela quis saber, apontando para uma outra abertura, esta com uma porta de correr semiaberta.


Joe puxou a porta para fechar antes que ela pudesse ver.


— Meu escritório. Está uma bagunça. Você nem precisa se preocupar com isso.


Ele a levou para o andar de cima e mostrou-lhe os quartos, todos com vista para o mar e com a mesma parede de vidro. Até o banheiro da suíte master tinha uma parede de vidro, de forma que a pessoa podia se deitar na banheira e observar o mar maravilhoso e infindável.


— Nossa! — ela disse mais uma vez, baixinho.


Demi o imaginou deitado na banheira com um copo de vi­nho, um livro e o mar diante de si. Demi olhou para ele.


Como seria isso?


Não! Ela não devia pensar essas coisas! Ainda mais se cogitava morar ali, como sua empregada.


Empregada, pelo amor de Deus!


Que palavra doida. Evocava a imagem de uma senhora de meia-idade, uma matrona atarracada de uniforme cinza en­gomado e avental branco circulando pela casa e controlando os outros empregados.


Não uma sem-teto, grávida, de 24 anos, com curso univer­sitário incompleto e nenhuma ideia do que fazer dali para a frente.


Demi sentiu seu sorriso se dissipar.


— Muito impressionante — ela comentou, esquadrinhan­do a área do chuveiro e se perguntando se seria fácil manter aqueles ladrilhos limpos.


É isso concentre-se na parte prática, ela pensou, e seguiu de volta para a suíte máster, evitando olhar para a grande cama de casal, cujos lençóis estavam amassados e convidati­vos, de frente para a janela.


— Sem cortinas — ela disse ao notar esse detalhe. — Ali­ás, não tem cortina em lugar nenhum. É porque se mudou há pouco tempo? Eu percebi que havia uma caçamba na entrada com material de construção.


— De fato me mudei recentemente, mas não tenho corti­nas por não serem necessárias.


Ele apertou um botão na parede e a vista desapareceu, deixando no ambiente apenas uma luz suave. Em seguida, apertou novamente e ficou mais escuro, depois foi clareando até voltar ao estágio inicial e o mar reapareceu.


— São janelas inteligentes — ele disse. Ela ficou espantada.


— Como funcionam?


— O vidro tem finos condutores que regulam a intensida­de da luz.


— Então não vai ter cortinas para evitar o sol? E isso é ecologicamente correto?


— Não inteiramente. Para ser 100% ecologicamente correto eu não poderia ter uma parede de vidro, mas fiz tudo o mais que pude. Os vidros são feitos de um material que economiza energia e mantém o ambiente quente no in­verno e fresco no verão. E eles necessitam de pouca energia para mudar a luz interna. São os melhores que existem no mercado.


— Sente-se culpado diante de todo esse consumismo, Joseph? — ela perguntou e o viu franzir o cenho.


— De forma alguma. A casa toda é muito bem isolada, o telhado é coberto de painéis que captam a energia solar, o aquecimento é alimentado por células solares, tenho ins­talação para captar a água da chuva para usar nos banhei­ros e regar as plantas, há um sistema de recuperação do calor do sistema de ventilação no inverno, e por causa do design das janelas e do telhado, ele permanece fresco e dispensa o uso de ar-condicionado no verão. Esta casa é um exemplo perfeito do meu trabalho e é o que o consumi­dor moderno procura.


Ele parecia um pouco na defensiva, como se não esperas­se que ela acreditasse nele. Ela o encarou e depois desviou o olhar, por isso ele não a viu sorrir. Então ele era um ecologista, além de arquiteto. E também carregador de colchões e entregador de café da manhã. Sem falar da ajuda em arranjar trabalho e acomodação.


Demi voltou para o patamar da escada e olhou os outros quartos. Estavam sem mobília, confirmando suas suspeitas anteriores de que ele acabara de se mudar; e um deles estava cheio de caixas. Caixas reviradas.


Ela olhou para quarto e viu uma porta que provavelmente seria o banheiro. Mais um?


— Todos os quartos têm banheiros?

Ele se apoiou no portal e sorriu.


— Vai me matar se lhe disser que acho isso bem razoável?


— Então... qual seria o meu?


— Nenhum destes. — Ele pareceu chocado. — O seu fica lá embaixo.


Ele a conduziu até o andar de baixo, depois continuou por um corredor enquanto ela se criticava por imaginar que os empregados pudessem ter um aposento com vista para o mar; em seguida, Joe abriu uma porta para outro corredor que os levou até uma pequena sala de estar.


Pequena para os padrões dele. Não para os dela. Junto à sala havia um quarto com uma cama novinha, ainda na em­balagem, de frente para aquela vista maravilhosa, um ba­nheiro modesto porém confortável e uma pequena cozinha com mesa e cadeiras.


Demi desconfiava de que eles estavam no prédio de um só pavimento, ao lado da garagem, como um anexo com entra­da independente da casa principal. Havia ainda outro quarto, o único de toda a casa que não era voltado para o mar.


Isto tudo seria seu? Todo esse espaço?


E, como se pudesse ouvir seus pensamentos, ele falou baixinho:


— Achei que, instalada aqui, com seu bebê, teria tudo que precisava. A cozinha é bem simples, mas você não vai preci­sar dela, já que estará cozinhando para mim também, exceto quando quiser fazer alguma coisa nos seus dias de folga. Su­ponho que vá comer comigo...


Será?


Só se ela cozinhasse tão bem que ele não lhe atirasse a comida no rosto.


De repente ela sentiu muito medo. E se falhasse? E se ele detestasse morar com ela? Não estava preocupada consigo própria, pois vivera essa experiência a vida toda. Mas ele podia se incomodar com o barulho da criança, ou achar a presença delas perturbadora. Ou não gostar do seu hábito de falar pelos cotovelos. Aliás, ela precisava dar um jeito nisso.


O escritório dele ficava bem ao lado, ela percebeu, ape­sar de as portas ficarem bem distantes uma da outra. E se o bebê chorasse e perturbasse Joseph enquanto trabalhava? Talvez ele não passasse muito tempo trabalhando ali, só o usasse eventualmente e passasse a maior parte do tempo em algum outro lugar. Bem que ela queria conhecer esse outro lugar. Quem sabe assim não aprendesse mais sobre ele.


— Então? Acha que serve?


— Se serve?


— Para você e o bebê? Foi projetado para acomodar hóspedes por períodos mais longos, com um anexo para familiares, uma equipe fixa, mas não pensei em um bebê. Creio que um tapete tornaria o ambiente mais aconchegan­te, o que acha?


— Do apartamento? Ou do tapete?


— O que acha das duas coisas? De tudo.


Tirando o fato de que ela não só precisava como queria muito este emprego, não podia mentir para ele. Ainda mais quando sua humilde opinião parecia ser tão importante para Joe.


— É a casa mais linda que já vi — ela afirmou. — E me desculpe pelo comentário sobre o seu consumismo.


— Você tem razão até certo ponto, mesmo que eu tente justificá-los por motivos profissionais. — Ele fez uma pau­sa. — E então, acha que poderia viver aqui? Gostaria de vi­ver aqui? Aceita o emprego?


Nesse momento terminaram as dúvidas sobre suas habili­dades, e ela sorriu.


— Claro que sim. Não estou muito certa sobre o meu bom desempenho, mas sei que posso aprender. O lugar é maravi­lhoso, ficarei muito bem instalada, e você criou algo mais do que uma simples casa aqui; ela é de tirar o fôlego.


*****
De tirar o fôlego?


Ele sorriu, sem graça. Estranho como a sua opinião tinha importância para ele, mas tinha, e seu entusiasmo foi extre­mamente inspirador.


— Obrigado — ele disse, envaidecido.


Mas então Joe pensou sobre todo o resto, o emprego que ele inventou, a saída de Demi do hotel contra a sua vontade, sem saber exatamente quem ele era, e o interesse dele nesse assunto, e sentiu uma pontada de culpa por não lhe contar que estava envolvido no projeto.


Mais tarde lhe contaria tudo.


Provavelmente ela ficaria zangada com ele por não lhe ter contado, mas até lá Demi já estaria vivendo em segurança, bem assessorada juridicamente e com o futuro garantido.


E ele estaria em paz com a própria consciência.

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Meninas, nos perdoem por ter "abandonado" o blog por um tempo. A Nat não está podendo postar, acho que o PC esta com problemas,  e eu bem... Além de estar completamente quase perdida no semestre depois das primeiras provas, eu estou atolada de trabalhos, seminários e projetos para entregar/apresentar. Nem amanhã que é meu aniversário eu vou ter sossego, tem um seminário pra apresentar. E ainda no sábado outro pra apresentar pela manhã (07:30). Eu vim aqui pq eu não gosto de deixar vcs sem noticias e nem sem capítulos. Me desculpem mais uma vez pela demora, e obrigada por ainda estarem acompanhando o blog. Amo vocês ♡

Um comentário:

  1. Fiquei até preocupada, sobre a faculdade eu super entendo, sofro pelo menos e a cada semestre só piora tenha certeza disso lol Boa sorte!
    Sobre o capitulo eu só quero gritar, perdão pela minha mente pevertida, porém só os imaginei fazendo amor de frente para mar kkkk a criança chorando e ele sendo um pai perfeito. Espero que Demi não fique muito chateada a ponto de se afastar dele quando souber
    Sam, xoxo

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