15.12.16

Um Amor em Meus Braços - Capitulo 4


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Joe abriu a porta da suíte dela, não a soltando até colocá-la na cama. Para alívio de Demi, ela achou que nenhum dos empregados os havia visto.

Os olhos dele a encararam.

— Não ouse erguer um dedo. Voltarei daqui a pouco e trarei uma bandeja com o jantar para você. Poderá tomar as vitaminas então. — Ele parecia mais preocupado do que uma mamãe galinha com seus pintinhos. Depois daquele turbulento começo, ela jamais teria imaginado que Joe possuísse aquele lado.

— Não preciso de ninguém me servindo.

— Discordo. — A boca dele estava tão perto que ela conseguiu sentir-lhe a respiração nos lábios antes de Joe se levantar. — Se quiser me desobedecer, faça isso por sua própria conta e risco.

Joe era uma força com a qual ela não desejava entrar em conflito no momento. Ela abriu as mãos.

— Certo. Mas, por favor, não diga nada a Geoff.

Ele não pode se preocupar.

— Concordo — Joe murmurou, antes de sair do quarto.

No momento em que a porta se fechou, Demi se levantou e foi para o banheiro. Depois de ser pega pela chuva e examinada na clínica, precisava tomar um banho e lavar os cabelos.

Após o banho, ela se enxugou e deixou os cabelos soltos para secarem mais rapidamente. Pôs uma camisola amarela e um robe combinando. Ao voltar para a cama, sentiu-se bem.

Mal havia se aconchegado sob as cobertas quando a porta se abriu e ela viu Joe entrar carregando, em uma das mãos, uma bandeja e, na outra, um monte de revistas.

Ela percebeu que ele também havia tomado banho. Vestia uma camisa de seda em um tom escuro de café e uma calça bege. Fosse com roupas formais ou o cáqui militar, ele era tão atraente que Demi descobriu que não conseguia desviar os olhos dele.

Enquanto ele ia até ela e começava a baixar a bandeja para a mesa de cabeceira, Demi viu uma das pinturas em tamanho natural de Lancelot na parede, logo atrás dele. O belo cavaleiro se inclinava sobre a rainha em seus aposentos, como se tivesse acabado de retornar da caça e estivesse ávido por provar-lhe a boca antes de se juntar a ela.

O maravilhoso homem que servia Demi estava praticamente na mesma posição. Naquele instante, ela não conseguiu separar as duas imagens em sua mente. A pulsação em seu pescoço começou a acelerar loucamente.

Joe provavelmente percebera a reação dela, pois fixou os olhos naquele traidor local por um tenso momento antes de continuar a lenta subida até o rosto de Demi.

O calor tomou o corpo e a face dela. Os olhares se fundiram.

— Como se sente agora? — A voz dele ressoou profundamente dentro dela.

Ela inspirou tremulamente.

— Eu... eu estou bem.

— Bem o suficiente para tentar comer algo?

Demi olhou para as revistas e a bandeja que ele colocara ao lado dos comprimidos dela. Havia chá quente, sopa, fatias de maçã, suco de uva, água e um rolinho. Ela imaginou que ele próprio escolhera tudo. Apesar de não estar com fome, não queria que ele a achasse uma ingrata, então, pegou uma fatia de maçã e começou a mastigar.

O gesto pareceu deixá-lo feliz. Ele se afastou. Demi pensou que ele pretendia se retirar. Em vez disso, pegou uma cadeira acolchoada e levou para o lado da cama antes de se sentar para beber uma xícara do fumegante chá.

Recostado e de pernas cruzadas, ele parecia o epítome do aristocrata francês, relaxado em sua luxuosa casa. Algo bem distante do homem de roupa camuflada que se movia pela floresta, furtivo como um gato selvagem. No entanto, as duas coisas faziam parte do mesmo homem fascinante que cuidava dela.

— Boa? Ruim? — ele perguntou, lembrando-a da fruta que acabara de engolir.

— Na verdade, boa. Estou surpresa. — Ela pegou outra fatia. — Você é um ótimo enfermeiro. — Era um homem com muitos talentos. — Sinto muito por você ter voltado para casa e descoberto que tem dois pacientes de quem cuidar.

Joe a olhou por sobre a borda da xícara.

— Como os dois estão se recuperando, não tenho do que reclamar.

Demi pegou o copo de suco de uva e bebericou.

— Falou com seu pai desde que voltamos da clínica?

— Sim. Como ele teve uma visita hoje, disse que ele precisaria de uma noite tranquila. Que era melhor que vocês se reunissem somente amanhã, para o almoço. Ele concordou, com uma condição.

— Qual?

— Ele quer que eu faça companhia a você. — O coração dela acelerou sem motivo algum. — Disse a ele que não seria nenhum esforço.

— Seu pai é incrível.

— Vou fazer a vontade dele — Joe disse em um tom grave.

Ela assentiu.

— Eu também faria. Jamais conheci alguém com tanta ternura e bondade. Ele disse que sua mãe era assim também.

Joe pôs a xícara na bandeja. Linhas de expressão marcaram seu rosto.

— A essa altura você deve estar se perguntando como eles podem ter gerado um fracasso como eu.

Ela ficou sem fôlego.

— Fracasso?

— Não precisa fingir. Vi o choque em seu rosto quando descobriu que eu era filho dele.

Ela se sentou na cama.

— Se demonstrei essa emoção, foi porque percebi que sua experiência no serviço militar era o motivo de ter me tratado como se fosse o inimigo.

— Infelizmente, algumas experiências em minha vida me fizeram desconfiar das mulheres. Nesse ponto, sou exatamente o oposto do meu pai.

— Sei bem disso. — Demi o observou atentamente por um momento. — O que achou que eu estivesse fazendo na floresta naquela noite?

Os olhos dele brilharam.

— Para falar a verdade, esqueci que não estava numa missão. Minha reação automática foi a de deixá-la indefesa e, em seguida, matá-la ou mandá-la embora, dependendo do meu pressentimento.

Ela estremeceu.

— O que seus instintos lhe disseram?

Ele franziu o cenho.

— Quando você não recuou, percebi que havia me transformado em um tipo de monstro.

— Dez anos na força de elite devem fazer qualquer pessoa mudar, ainda mais com você achando que eu tinha interesses escusos com relação ao seu pai.

Depois de um estranho silêncio:

— Você tem medo de mim, Demi? — ele perguntou lenta e suavemente.

Arrependendo-se de ter dito o que pensava, ela pegou o rolinho e deu uma mordida.

— Como pode me perguntar isso? Você me salvou hoje. Se eu não fui clara, permita-me ser agora. Estou muito agradecida por sua ajuda, mas você não precisará se preocupar muito mais comigo. Depois de amanhã, devo estar me sentindo bem o suficiente para voltar para casa.

A expressão dele permaneceu indecifrável.

— Ainda que isso seja verdade, meu pai não concordaria. Ele ficou doente durante todo o tempo que você permaneceu no château. Acho que você terá que ficar por mais algum tempo.

"Assim que ele estiver bem o suficiente para voltar a andar por aí, papa pretende alegrá-la com um passeio especial pela propriedade. A experiência lhe dará a oportunidade de tirar mais fotos para acrescentar ao livro do seu marido. Foi por isso que você veio, n'est-ce pas?"

Ela baixou os olhos.

— Sim, mas...

— Nada de mas. A questão está resolvida. Enquanto você recupera seu apetite, o médico falou para repousar e beber muito líquido. Estou aqui para garantir que isso aconteça.

Em um rápido movimento, ele se levantou.

— Se precisar de alguma coisa, tudo o que tem a fazer é pegar o telefone e digitar 2. Eu atenderei. — Ele continuou olhando para ela. — Vamos torcer para que o pouco que você comeu a faça se sentir melhor. Volto mais tarde para lhe dar boa-noite.

Demi percebeu que Joe não queria sair.

— Vou ficar bem. Obrigada por tudo.

Ele apertou os lábios.

— Não quero voltar e encontrá-la caída no chão.

— Se eu me sentir fraca, prometo que vou chamá-lo.

— Certifique-se disso — foi a rápida resposta, e ele saiu.

Sentindo-se estranhamente só, depois da partida dele, ela pegou uma das revistas para manter a mente ocupada. Era cheia de artigos sobre arquitetura Europeia. Apesar de estar tudo em francês, ela não precisava de tradução para apreciar as fabulosas fotografias.

No entanto, nada do que via se igualava à magnificência do Château Du Lac. Ou do próprio Joe...

Seus pensamentos se voltaram para o que ele dissera na clínica. Receber a notícia a seu lado me fez sentir como se eu fosse o pai. Adorei a experiência.

Ele parecia estar sendo sincero. Que homem incrível... Depois de colocar a revista de volta na mesa, o olhar dela viajou até as pinturas na parede. Guinevere parecia exatamente como antes. Mas, dessa vez, quando Demi observou Lancelot, era o rosto e o corpo de Joe Malbois que ela via em toda parte. O jeito como os olhos dele apreciavam a rainha encheu Demi de uma estranha inveja.

Pela primeira vez, ela se viu curiosa a respeito da mulher com quem Joe se casaria. Será que ela despertava o mesmo tipo de admiração nele?

********
A Galerie Bouffard em Rennes ficava aberta até 21 h30 nas quintas-feiras, Joe foi da seção de livros da movimentada loja até o departamento de câmeras.

Depois de explicar do que precisava ao vendedor, o homem lhe mostrou diversos modelos mais modernos que o que Demi estivera usando. Não demorou muito até que Joe escolhesse algo top de linha para substituir o que seu cavalo havia esmagado em mil pedaços.

Acrescentou um pacote de filme à compra e perguntou onde ficava o departamento infantil. Jamais comprara roupas de bebê na vida, mas o fato de saber que Demi estava grávida o deixara com vontade de fazer algo para ajudá-la a comemorar. Como não sabia se ela esperava um menino ou uma menina, Joe decidiu-se por branco e amarelo, cores neutras, como a vendedora lhe havia garantido.

Depois que a jovem funcionária lhe mostrara tudo, ele saiu da loja com meia dúzia de pequenos conjuntos, duas mantas de bebê nas mesmas cores, um livro do bebê e Fifi, o poodle, na caixa, que tocava uma música francesa; tudo embrulhado para presente. Em meio às fitas, a vendedora amarrara três sininhos que ele escolhera.

Quando lhe entregou a bolsa com os pacotes, deu uma piscadela para ele.

— Seu bebê tem sorte de ter um pai como você.

Ela chegara a uma conclusão errada, mas ele gostou de como aquilo soara.

— Sou eu quem tem sorte.

— Volte sempre. Bebês crescem.

De fato, cresciam. Joe se sentiu ansioso para ver Demi florescer. Durante aquele momento no lago, quando ele a ajudara a chegar até a superfície, sentira seu coração acelerar á medida que os contornos do corpo dela eram pressionados contra o dele. A sensação ainda permanecia, fazendo-o ter pensamentos que ele não tinha havia muito tempo.

— Merci, mademoiselle.

Depois de sair do ascenseur, ele foi até a porta principal da loja.

— Eh, bien, se não é Joe Malbois, seu diabinho lindo. Geoff não contou a ninguém que você estava de folga, em casa.

Ele olhou por cima do ombro para descobrir Helene Dupuis, a esposa do melhor amigo de seu pai. Era uma boa pessoa, mas fofoqueira. Joe esperava manter sua volta para casa em segredo, por ora, mas encontrar com ela aniquilara aquela possibilidade.

— Bonsoir, Helen. Comment ça va?

— Estou muito bem, e preciso lhe dizer que estou feliz por ver que você também está. Geoff se preocupa com você. Não me admira que ele esteja tão doente que nem Yves e eu tenhamos permissão para visitá-lo — ela o repreendeu.

Henri sabia o que estava fazendo. Apesar de bem-intencionada, uma visita de Helen seria exaustiva demais.

— Ele está melhorando agora. Esta semana, irá querer ver vocês dois.

— Yves ficará muito feliz por ouvir isso. Por quanto tempo ficará dessa vez?

Joe achou melhor contar a verdade, já que ela seria de conhecimento geral de qualquer forma.

— Eu me afastei do serviço.

— Está em casa de vez?

— Oui.

Os olhos dela se avivaram.

— Oh... Eu preciso organizar uma festa!

Ele balançou a cabeça.

— É muito gentil da sua parte, mas nada de festas. Tenho muito trabalho a fazer. Agora, se me der licença... Papa está me esperando.

— Mas é claro. Volte para ele, e nos veremos em breve.

— A bientôt, Helene.

— Conheço alguém que vai pular de alegria ao saber que você está em casa — ela disse para as costas dele.

Mas Joe fingiu não ouvir enquanto caminhava a passos largos até o carro. Corinne era mais uma das coisas desagradáveis com as quais ele teria que lidar, mais cedo ou mais tarde.

Enquanto colocava os embrulhos no assento do carona, a luz do sinal luminoso refletiu em um dos sininhos de bebê. Aquilo fez seus pensamentos se voltarem para Demi, que poderia ou não estar dormindo quando ele retornasse. Joe esperava que ela estivesse acordada, já que estava ansioso para ver sua reação quando abrisse os presentes.

Mal podia esperar para voltar ao château, e subiu os degraus para o terceiro andar de dois em dois.

********
Quando a governanta entrou, às 20h, para levar embora a bandeja do jantar, trazia consigo um rádio a pilha para Demi.

— Joe disse que você estava cansada. Como este quarto não tem conexão para tevê, ele achou que talvez pudesse gostar de ouvir música no rádio dele — ela explicou antes de colocá-lo na mesa de cabeceira.

Joe pensava em tudo! Será que dissera aos empregados que ela estava grávida? Se sim, Brigitte estava sendo discreta. Ela também era incrível. Demi daria qualquer coisa para saber falar francês tão bem quanto a senhora sabia falar inglês.

— É muito gentil da parte de vocês. A propósito, como está Geoff?

— Melhor do que ontem.

— Fico aliviada por ouvir isso.

— Se precisar de mim, é só discar 4.

— Farei isso. Merci. — Era uma das palavras básicas que Demi tinha aprendido até então.

Depois de alguns minutos brincando com o rádio, ela encontrou uma estação de música e se recostou no travesseiro para ouvir. Era divertido ouvir canções em francês, ainda que não entendesse a letra.

Enquanto observava as pinturas na parede, sorriu para si mesma, lembrando-se da ternura de Joe no consultório.

Absorta em seus pensamentos das revelações daquele dia, ela perdeu a noção do tempo. Quando ouviu uma batida na porta, ficou surpresa ao ver que seu relógio de pulso marcava 21h45. A ideia de que pudesse ser Joe fez seu coração acelerar.

— Entre.

O fôlego lhe faltou por um intenso momento, quando os olhares se encontraram.

— Como se sente?

— Bem.

— A verdade — ele ordenou.

— Eu me sinto bem, de verdade. Se quiser provas disso, pergunte a Brigitte. Ela veio buscar a bandeja e poderá lhe dizer que comi o rolinho inteiro e bebi metade do suco. Até agora, nada de enjoo.

— Fico feliz por saber.

Depois de fechar a porta, ele andou até ela carregando as bolsas de compras e lhe entregou a menor.

— Olhe dentro. Se não for o que você quer, posso devolver.

Intrigada, Demi se sentou apoiada na cabeceira e pôs a mão dentro da sacola para descobrir uma nova câmera e filmes. Ele já até havia ido à cidade comprar! Ela não conseguia acreditar.

— Não precisava ter feito isso — ela disse, tirando-a da caixa. Havia instruções em quatro idiomas, incluindo inglês. Ela examinou todas as funções. — É perfeita, mas é muito mais cara que a minha.

— Se servir para você, é tudo com que Tonnerre se imporia.

Ela riu suavemente.

— Foi muito generoso da parte dele. Por favor, agradeça a seu cavalo por mim, Joe.

Um dos cantos da irresistível boca dele se ergueu.

— Vou me certificar de fazer isso.

— O que o nome dele significa?

Estou curiosa.

— Trovão.

Ela sorriu.

— Muito adequado.

Ele se sentou na cadeira que puxara antes e entregou a ela a sacola maior.

— Este é um presente meu.

Demi balançou a cabeça.

— Não posso aceitar mais presentes.

— Não são para você. Não exatamente.

No momento em que ele falava, ela viu um sininho amarrado na fita. Soltando um pequeno grito de felicidade, ela ergueu a cabeça.

— O que você fez?

— O que qualquer futuro pai empolgado faria ao ouvir a notícia de que sua esposa está grávida.

As palavras de Joe não deveriam tê-la feito estremecer, mas fizeram...

Para disfarçar sua emoção, ela pôs a mão na sacola e tirou caixa após caixa embalada em papel branco com adoráveis rostinhos de bebê desenhados. Logo abriu tudo e ficou quase coberta por roupinhas de recém-nascido e suaves mantas.

Lágrimas brilharam em seus cílios quando olhou o livro do bebê. Ele comprara vários livros em inglês sobre como criar um filho. Ela ficou tão emocionada com os presentes que lágrimas lhe rolaram dos olhos. Em poucos segundos ela estava chorando convulsivamente.

— O que foi, Demi? — ele disse com a voz rouca. — Fiz algo que a chateou?

— Oh, não, Joe... — Ela ergueu o rosto úmido e viu a profunda preocupação nos olhos dele. — Longe disso. É que dói saber que Richard não estará aqui para fazer essas coisas pelo bebê. Não verá nada disso, e nosso bebê jamais o conhecerá.

"Não acredito que tudo isso só esteja acontecendo agora... Ele deveria estar aqui para me ajudar! Não consigo acreditar que ele não estará por perto para cuidar do nosso bebê. É injusto que tenha sido levado antes de poder vivenciar a alegria de saber que seria pai.

"Sei como me senti quando descobri que meus pais haviam morrido e eu cresceria sem conhecê-los. É tão cruel com uma criança inocente! Não quero que meu filho cresça sem o pai."

As lágrimas continuavam a cair. Ela se sentia como um poço jorrante.

— Desculpe, Joe. Não queria desabar assim na sua frente. Você tem sido tão bom comigo e tomou esse dia tão especial.

"Veja só todas essas maravilhosas roupas que você se deu o trabalho de comprar. Mas, ainda assim, é muito triste que não tenha sido Richard a fazê-lo. Ele iria querer fazer isso." Ela balançou a cabeça. "Por que a vida é tão difícil?"

Demi tentou abrir o outro embrulho que ele pusera na cama, mas estava com dificuldade. Joe provavelmente ficou impaciente, porque esticou a mão e terminou de abrir o brinquedo que comprara para ela. Um poodle francês pulou da caixa. Ele tocava uma música, mas ela não conseguia ouvir, por causa do rádio. Então, ela se inclinou para desligá-lo.

Ela apertou novamente o botão e o fofo cachorro branco pulou novamente para fora, acompanhado da canção "Alouette".

Demi sorriu tristemente enquanto lágrimas pingavam de seu queixo.

— Conheço essa música. Acho que é a única coisa que sei cantar em francês.

— Prove — ele a desafiou naquela voz profunda.

Ela sabia que ele dissera aquilo para tentar animá-la. Depois de todo o trabalho que ele tivera, Demi não quis decepcioná-lo. Ela fechou a tampa, apertou o botão novamente e cantou junto.

— Meu sotaque é horrível — ela disse quando terminou.

O olhar dele se concentrou na boca de Demi.

— Eu acho encantador.

O coração dela batia aceleradamente.

— Joe... Você me surpreendeu com esses presentes.

— Era a minha intenção. — Ele se levantou. — Agora, faça um favor ao meu pai e fique no château pelo tempo que você quiser. Sei que quer honrar a memória de Richard com o livro. Eu gostaria de fazer tudo o que eu puder para ajudar, para me redimir de meus pecados.

— Você já fez isso — ela sussurrou.

O corpo dele se enrijeceu.

— Sei o quanto você amou seu marido. Não importa o quanto negue, eu disse e fiz coisas para magoá-la, alheio à sua tristeza. Deixe-me tentar compensar.

Devia ser raro ver Joe implorando daquele jeito. Mas quanto mais tempo ela ficasse ali, mais tempo passaria perto do espantoso filho de Geoff. Ela não precisava daquela complicação em sua vida, especialmente estando grávida do bebê de Richard.

— Contou ao seu pai que estou grávida?

— Não é da minha alçada fazer isso. — Depois de um momento repleto de tensão, ele disse: — O médico disse que você precisava de repouso. Diga a verdade. Não há nada urgente que a obrigue a voltar imediatamente para Connecticut.

— Não — ela murmurou.

— Então, caso encerrado. — Antes que ela pudesse respirar, ele colocou os presentes de volta nas sacolas e as pôs na beirada da cama. Em seguida, entregou a ela os comprimidos e o copo de água que estava sobre a mesa.

Depois de tomar um, ele disse:

— O que mais posso fazer por você?

— Nada. Já fez demais. Preciso lhe agradecer pelo rádio. Ele tem me feito companhia.

Ele assentiu.

— Quando preciso me distrair, eu prefiro o rádio à televisão, mesmo agora que já não estou mais no serviço. Mas posso mudá-la para o segundo andar, se estiver sentindo falta da tevê.

— Ah, não. De qualquer forma, eu não entenderia nada. Prefiro ficar neste quarto, onde posso olhar todas essas pinturas.

Ele lhe lançou um olhar que ela não conseguiu decifrar.

— Consegue adivinhar qual é a minha preferida?

Demi sabia de qual ela gostava mais. Era a de Lancelot se inclinando sobre a rainha nos aposentos, com um olhar de amor e desejo ardendo em seus olhos. Não parava de observá-la.

— Como você cavalga como se seu cavalo fizesse parte de você, imagino que seja a que mostra Guinevere cavalgando na floresta com Lancelot. — A rainha estava apoiada na dobra do braço dele e acariciava-lhe o queixo enquanto era devorada pelos olhos de Lancelot.

Joe inclinou sua cabeça de cabelos escuros.

— Quase. Eu colocaria essa em segundo lugar. Pense mais e me diga depois.

Ela desejou que não tivesse posto aquilo em sua mente. Agora, passaria o resto da noite tentando imaginar qual das cenas tinha um significado mais profundo para ele.

Provavelmente, era a que mostrava Lancelot deitado de barriga para cima em um prado florido. Havia tirado a armadura. Guinevere se inclinava sobre ele, fazendo-lhe cócegas com uma longa pena de faisão de seu chapéu. Sorriam um para o outro, como se não tivessem nenhuma preocupação.

Joe Malbois tinha tantas preocupações, que guardava para si mesmo, que Demi imaginou que aquela fosse a pintura preferida dele. Representava um momento atemporal, no qual Lancelot poderia esquecer o mundo e amar aquela mulher com todo o seu coração, sem medo de ser surpreendido pelos outros cavaleiros.

Ciente dê que ele ainda estava ali, ela disse:

— Antes de você ir quero agradecer novamente pelos presentes. São tão adoráveis que jamais os esquecerei.

— Fico feliz por ter gostado deles.

— Um dia você se tornará o maravilhoso pai de alguma criança de sorte.

— Não. — Ele balançou a cabeça.

— Não seja ridículo, Joe.

Quando ela ergueu o olhar para ele, percebeu uma desolação em seus olhos. Depois de um momento de tensão, ela o ouviu dizer:

— Ajudaria se eu dissesse que a vida também não foi justa comigo?

A atenção dela se voltou imediatamente para a cicatriz dele.

— Se está se referindo a seu ferimento, na minha opinião, ele o torna mais atraente e interessante. Pergunte a qualquer mulher, c ela lhe dirá a mesma coisa.

— É sempre bom ouvir isso — ele disse de modo seco —, mas estou me referindo ao outro.

Ela mordeu o lábio.

— Há mais do que essa cicatriz? — A voz dela estava trêmula.

— As vezes, os ferimentos internos causam mais estrago.

Ele conseguira a atenção dela.

— O que há de errado com você?

Houve um silêncio forçado no quarto antes que ele dissesse:

— Não posso ser pai, Demi, sou impotente.

O impacto daquelas palavras foi tão doloroso que ela sentiu o coração cair aos seus pés. Ela pressionou a mão contra a boca para abafar o grito, mas ele escapou mesmo assim.

Eles se encararam enquanto diversas palavras silenciosas fluíam entre eles.

— Você é a única pessoa que conheço que sabe como é descobrir que jamais poderá criar uma vida a partir de seu próprio corpo. Na verdade, é a única pessoa a quem já contei isso — ele admitiu, sério.

Ela soltou um gemido ao se lembrar da empolgação de Geoff com a volta permanente de Joe para casa. A expectativa de ser avô dera um brilho renovado a seus olhos.

As lágrimas novamente afloraram aos olhos dela.

— Oh, Joe... Como isso aconteceu? Quando?

Depois de inspirar profundamente, ele disse:

— Durante uma de minhas missões no Oriente Médio fui exposto a um agente químico que me deixou algum tempo no hospital. Foi há sete anos. Depois que me recuperei, me disseram que jamais poderia ter filhos.

Ouvir aquilo era como receber uma espécie de sentença de morte. Ela compreendia. Ah, como compreendia...

Ele jamais conheceria a alegria de ver a si mesmo em seu próprio filho. Não haveria um bebê com seu sangue para crescer e ter a aparência da família Malbois.

— Se você não tivesse entrado para o serviço militar...

— Mas entrei. — A raiva mal contida dele revelava sua dor. — Diferentemente de você, no entanto, não há milagre que possa reverter minha condição.

Demi não tinha nada a dizer a respeito daquilo. Não havia palavras que pudessem dar a ele um mínimo de esperança. Ela jamais se sentira tão incapaz de fazer algo.

— Acho que não preciso dizer que não são muitas as mulheres em idade fértil que querem se casar com um homem que não pode lhes dar um filho.

Aquela não era a hora de tranquilizar Joe, dizendo que havia muitas mulheres que dariam qualquer coisa para serem sua esposa, se ele demonstrasse paixão por elas. Concordariam com a adoção. De modo algum a mulher que quisesse ser sua esposa acharia a questão de ter filhos um problema.

Mesmo assim, pensando no passado, ela percebia que a própria infertilidade havia importado para Richard. Ele não quisera discutir adoção. Se ela tivesse descoberto que era infértil antes do casamento, ele teria perdido o interesse nela e ido embora. Era um homem que gostava de uma vida bem-ordenada, tudo em seu devido lugar. Qualquer coisa menos que perfeita não servia.

Demi se mostrara menos que perfeita. Talvez fosse por isso que a vida sexual deles havia deteriorado durante o casamento.

Poderia ser o motivo pelo qual ele havia mergulhado tanto em seus livros.

Ao lembrar de tudo, Demi percebeu que fora ela quem tomara a iniciativa no dia em que ele morrera, com esperanças de avivar aquela chama ausente.

Ela enterrou o rosto nas mãos.

— Seu pai vai se sentir péssimo por você. É sua raison d'être.

— Ele vai lidar bem com isso.

— Mas e você, Joe? Honestamente... — Com o coração dolorido por ele, ela ergueu a cabeça para olhá-lo.

— Por alguns momentos, hoje, na clínica, quando o Dr. Semplis nos deu parabéns, me senti como se eu e você tivéssemos gerado seu bebê juntos. Gostei da sensação. Gostei tanto que quero ser o pai dele permanentemente.

Ela se endireitou. O que ele estava querendo dizer?

— Você me pediu uma reação sincera. Então, deixe-me fazer uma pergunta a você. Quer se casar comigo?

Pela segunda vez em um dia o mundo dela parou. Demi precisou de um minuto até que conseguisse falar.

— Está falando de um casamento de conveniência? — ela perguntou, em dúvida.

— Acho que se pode dizer isso — ele respondeu lentamente. — Desde o início está claro que você e seu marido tiveram um ótimo casamento. Sei que um amor assim só aparece uma vez na vida.

"E a vida destruiu nossos sonhos, então, não vou pedir o impossível. Mas, se me permitir, gostaria de lhe dar meu sobrenome. Assim, poderei estar sempre a seu lado para ajudá-la durante a gravidez, e depois dela. Posso sustentar você e o bebê pelo resto de minha vida. Tudo que eu tenho será seu.

"Não posso lhe prometer que não será difícil dizer que o filho é meu. Depois de ouvir as batidas de seu coraçãozinho, já me sinto ligado a ele. Quais são as chances disso acontecer novamente? é o mais perto que chegarei de fazer o papel de pai desde o nascimento da criança.

"Pense nisso, e conversaremos amanhã, depois que eu voltar de Rennes. Se estiver se sentindo bem e quiser, vamos sair de carro para jantar.

"Até lá, faça o favor de seguir as orientações do médico, Vou dar instruções na cozinha para mandarem suas refeições para cá amanhã. Assim, você pode dar chance de os comprimidos fazerem efeito enquanto repousa.

"Bonne nuit, Demi."

Ainda em choque, ela o observou sair, sabendo que não haveria repouso para ela dali em diante. Não quando o futuro Duc Du Lac havia acabado de lhe pedir em casamento, para que ele pudesse ter um bebe.

O bebê de Richard!

Mas Richard havia morrido, e Joe, que estava muito vivo, apesar de jamais poder engravidar uma mulher, estava preparado para assumir seu lugar e ser pai do bebê de Demi.

Aquilo significava que ela jamais teria preocupações financeiras. Poderia ser a mãe presente, o tempo todo em casa, que sempre sonhara ser, e seu bebê teria um pai que cuidaria dele e o amaria.

Demi não tinha dúvidas a respeito da devoção de Joe a seu bebê. A reação dele na clínica e a empolgação em seus olhos quando ele saíra para comprar os presentes mostravam a ela que ele seria um ótimo pai. Afinal, era filho de Geoff E não havia exemplo melhor.

Seu bebê herdaria um avô que despejaria todo o seu amor no neto.

Três pessoas que haviam conhecido a dor da perda amariam a criança a qualquer custo. Ela seria muito feliz recebendo tanto amor!

A única coisa que tomaria a decisão de se casar com Joe inconveniente seria se, por acaso, ele conhecesse uma mulher e se apaixonasse loucamente por ela.

Demi não tinha dúvidas de que ele sempre estaria presente para o filho deles, mas Joe se sentiria preso ao casamento com ela. Aquele seria o risco que ela assumiria se dissesse sim a ele naquele momento, e, mais tarde, ele quisesse desistir.

Durante o resto da noite ela ficou rolando na cama, desejando não poder sentir ou compreender a dor dele por não poder procriar.

Jamais deveria tê-lo ouvido, jamais deveria ter lhe dado a chance de abordar o assunto com ela. Algo lhe dissera que haveria um preço a pagar se ela o fizesse.

E havia um preço mesmo.

Ele a privara de toda a tranquilidade mental. Joe sabia que ela ficaria emocionalmente envolvida e propositalmente a deixara para se remoer enquanto ponderava os prós e os contras de sua escandalosa proposta de casamento.

Era uma medida desesperada vinda de um homem muito desesperado. Se ela concordasse, o que se tomaria?

Uma completa tola por sequer considerar algo que poderia lhe trazer indescritíveis dores e angústia no futuro.

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Estou tão feliz que vocês estejam gostando. <3 
Se continuar nesse ritmo, posso até fazer uma maratona, hein!
xoxo

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