21.12.16

Um Amor em Meus Braços - Capitulo 5


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— Que pousada antiga e adorável, Joe! O que o nome dela significa?

Ele observou o rosto oval de Demi à luz de velas. Tinha as características clássicas da verdadeira beleza. Ele duvidava de que ela usasse algo além de batom.

— Chama-se Castanheira de Ouro. Se você não tivesse ficado doente no outro dia, eu teria lhe mostrado a verdadeira.

Ela piscou.

— A verdadeira.

— Em 1990, houve um incêndio aqui no Vale sem Retorno. Ardeu durante cinco dias. Depois, milhares de doações chegaram do mundo inteiro para ajudar a salvar a herança mítica que existe aqui. Papa foi uma das pessoas que lideraram o movimento.

— Cinco dias...

— Foi devastador. Você talvez já tenha ouvido falar do escultor parisiense François Davin. Ele criou uma imensa castanheira de ouro, com folhas de puro ouro, para homenagear a cooperação internacional. A árvore simboliza a imortalidade dos sonhos dos homens de boa vontade.

— Acho que Richard mencionou algo sobre isso. Os galhos são feitos para se parecerem com chifres de veado.

— Isso mesmo. É para celebrar os animais selvagens que guiaram os cavaleiros pelas florestas encantadas, e para nos lembrar do poder do amor do homem pela Mãe Natureza.

— Que lindo! — ela disse, pensativa.

A personificação da beleza estava sentada à frente dele.

— Como estava seu crepe?

— Como você pode ver, comi quase tudo. Junto com a sidra, tudo estava delicioso.

— Nenhum acesso de náusea esta tarde?

Ela balançou a cabeça. As mechas castanho-douradas brilharam contra seus ombros. Com olhos escuros como sementes de papoula, Demi tinha uma combinação de tons encantadora.

— Passei parte da tarde com seu pai no jardim. Fiquei esperando ficar enjoada, mas não aconteceu. O remédio foi milagroso.

Uma boa notícia.

Desde que haviam saído de carro do château, Joe mantivera propositalmente a conversa leve, para deixá-la relaxada. Para tristeza dele, Demi parecia tão confortável durante o jantar que Joe tinha o mau pressentimento de que ela se decidira por recusar sua proposta algumas horas antes. Como resultado, ela estava aproveitando a noite sem qualquer nervosismo.

O apetite de Joe, por outro lado, o abandonara. Depois de ter pedido a ela que considerasse a proposta, ficava cada vez mais difícil aceitar a ideia de que ela pudesse recusar. Na verdade, parecia algo impensável.

Com ou sem bebê, ele percebeu que queria ficar com ela o tempo todo. A atração física que sentia por ela fora imediata. O fato de saber que ela estava grávida a tornara ainda mais atraente.

Naquela noite, ela estava radiante. Com o vestido preto simples e um colar de pérolas, seu corpo curvilíneo se movia com uma feminilidade que o deixava louco para tocá-la. Estava encantado com a risada suave dela. Demi era uma pessoa que apreciava os pequenos momentos.

Ela não queria nada dele. Como consequência, ele estava pronto a lhe dar seu sobrenome. Até então, nenhuma outra mulher significara tanto para ele a ponto de fazê-lo querer viver sempre ao lado dela, ainda mais, ser responsável por ela.

Sem conseguir aproveitar a noite desconhecendo a decisão dela, ele comunicou que iriam embora do restaurante. Ela não se opôs, o que provavelmente significava que estava cansada e queria ir para casa.

No caminho de volta ao château, eles passaram pela abadia Paimpont e foram até o pequeno lago no sopé das colinas que o pai dele queria que ela visse. Joe desligou o motor e olhou para ela.

— Uma noite, depois que seu bebê tiver nascido e você puder, eu a trarei aqui para nadar. Foi neste lugar que Merlin se apaixonou loucamente por Viviane. Costumavam fazer amor aqui. Quando a lua estava cheia, o luar refletia na água como o cálice de prata que Percival buscava.

Ela baixou o vidro da janela, deixando que o quente ar da noite de verão entrasse no carro.

— Este lugar poderia ter saído direto de uma fantasia. Desde que cheguei à Bretanha, sinto-me como se estivesse enfeitiçada.

Joe gostava de como aquilo soava.

— É porque você entrou no santuário da malvada fada Morgana, a meia-irmã de Arthur. Lembra-se daquelas pedras vermelhas pelas quais passamos antes, onde as águas são turbulentas? Ela atraía cavaleiros volúveis para cá e, em seguida, os aprisionava.

"Motivado por seu amor pela rainha, Lancelot desbravou perigos indescritíveis para libertar aquelas pobres almas da magia maligna de Morgana. Enquanto fazia isso, acabou descobrindo uma saída através deste lago encantado."

— Você faz parte desse encanto — Demi falou. — Como um mutante, você assume diferentes formas, dependendo do momento. Nunca sei quem vai aparecer em seguida.

"Será o filho amoroso e dedicado? O militar marcado pela batalha? O impecável anfitrião? O cavaleiro de armadura moderna que ainda salva donzelas em apuros? O soldado ferido que acredita que perdeu sua masculinidade? O menino-homem que sente falta de sua infância idílica? O futuro duc da família Du Lac? O noivo não oficial da enteada do pai?" Mon Dieu.

A não ser por estar completamente equivocada a respeito da história com Corinne, ela o entendera melhor do que qualquer psiquiatra.

— Se eu quisesse me casar com ela, jamais teria entrado para o serviço militar. Entendeu?

Ela olhava pela janela.

— Então, sempre foi tudo uma fantasia dela?

— Sempre.

— E do seu pai?

— Naturalmente, ele quer que eu me estabeleça e seja feliz. Mas, só para que você saiba, a escolha de uma noiva sempre foi decisão minha.

A mão de Joe que repousava no assento atrás de Demi apertou o estofado de couro. Qualquer esperança que ele ainda tivesse de que ela pudesse concordar com a proposta dele desaparecia rapidamente.

— O que acha de me ver como um homem simples que adoraria ser pai e que consegue ver um jeito de ajudar a si mesmo e a você ao mesmo tempo?

— Não há nada de simples em você.

Ele se inclinou na direção dela.

— Quem está falando é a assustada futura mãe? A viúva ainda de luto pelo marido a quem sempre amará? A menina-mulher que jamais encontrou seu lugar? A aluna do mundo, que quer um diploma? A filha triste que jamais conheceu os pais? A mulher que está sozinha pela primeira vez na vida e teme gostar disso?

Deve ter se passado um minuto antes de Demi virar a cabeça para olhar para ele.

— Touché.

— Gostaria de mergulhar comigo cm águas desconhecidas e ver o que acontece? Com meu dinheiro, você jamais precisará se preocupar com o trabalho. Seu filho sempre terá meu sobrenome e minha proteção. E, o melhor de tudo, você poderá ser mãe em tempo integral para seu bebê, e eu estarei a seu lado para apoiá-la.

Um suspiro preocupado escapou dos lábios dela.

— No que mais está pensando? — ele perguntou. — Agora é a hora de dizer tudo.

— Eu não disse nada.

— Sim, disse — ele sussurrou. — Deixe-me fazer uma pergunta. Você confia em mim?

Ela baixou a cabeça.

— Se não confiasse não teria saído para jantar com você e não estaríamos tendo esta conversa.

O aperto que ele sentia no peito se aliviou de uma só vez, permitindo que voltasse a respirar.

— Então, que essa seja sua resposta. Promessas são apenas promessas mesmo. Você e eu iremos a um lugar onde nenhum de nós foi antes.

"Seu apetite por aventura é tão grande quanto o meu, ou não teria vindo para a Bretanha uma segunda vez. Pelo bebê, vamos concordar em aproveitar ao máximo cada segundo disso."

Ele buscou algo no bolso do paletó.

— Dê-me sua mão.

Como ela não reagiu imediatamente, ele lhe tomou a mão. Ela estremeceu quando ele deslizou o anel de noivado facilmente pelo dedo dela.

— Eu o comprei esta tarde. No momento em que vi o formato de pera da pedra, ele me lembrou do lago onde nos conhecemos. O que acha?

Ela esticou os dedos na frente dos olhos.

— Acho que é o diamante mais lindo que já vi. Não faço ideia de como você acertou o tamanho.

— Depois de dizer ao vendedor sua altura e seu peso, acrescentei que você estava grávida. Ele fez o resto.

Apesar do tenso momento, a boca de Demi se curvou em um sedutor sorriso sem que ela percebesse.

— Depois que o bebê nascer, você poderá mudar o tamanho do anel, para não perdê-lo — ele acrescentou.

— A pedra é tão grande que seria impossível perder. — Uma nova energia flutuava em tomo deles como um fio desencapado. — Mas não posso aceitar.

Houve uma pausa na respiração dele.

— Então, seu perdão por meus pecados não se estende até o matrimônio, mesmo que seja pelo bem do bebê.

— Não, Joe. Não foi o que eu quis dizer.

Ele ficou tenso.

— Então, me explique.

— Este é o tipo de anel que um homem dá à mulher que ele ama. Eu preferiria algo mais modesto.

Um calafrio de alívio percorreu o corpo dele.

— Se é só isso o que a incomoda, faça-me um favor e use-o até que eu lhe compre outro.

Com medo de que ela retirasse o anel e quebrasse o encanto do momento, enviando-o de volta ao buraco negro onde estivera vivendo por tanto tempo, ele se apressou a ligar o motor. Foi quando viu algo se mover à beira do lago.

— Demi — ele murmurou. — Não faça barulho. Apenas vire sua cabeça lentamente em direção à água.

Ela fez o que ele comandava.

Uma das coisas de que ele mais gostava nela era sua aceitação do inesperado. Demi tinha uma calma interior, não importava o quanto estivesse chocada ou amedrontada. Poucas eram as pessoas que tinham essa qualidade invejável.

Ele se esforçou para desviar seus olhos dela por tempo suficiente para observar o veado que chegara para beber no lago. A mulher ao seu lado inspirou fundo, demonstrando o quanto estava encantada com a cena.

Eles observaram por alguns minutos. Então, Joe ouviu o piar de uma coruja. Aquilo assustou o veado, que ergueu a cabeça e correu para o interior da floresta.

— Nunca havia visto um veado com chifres tão grandes e, no entanto, tão gracioso. Majestoso...

— Esse já está por aí há um bom tempo.

— E pensar que tenho tentado conseguir fotos dos animais e, hoje, estou sem minha câmera.

— Voltaremos amanhã à mesma hora e esperaremos por ele.

— Ele era lindo. Ela também...

Se Joe ficasse ali por mais tempo com ela e fizesse o que tinha vontade de fazer, poderia assustá-la.

— Vamos para casa. Se meu pai ainda estiver acordado, contaremos a ele nossos planos. Caso contrário, teremos que fazer isso amanhã.

— Acho que seria melhor se esperássemos até ele ter uma boa noite de sono.

— Então, será o que faremos. — Agora que ela concordara em se casar com ele, Joe não discutiria um detalhe insignificante.

Enquanto voltavam ao château, ele se virou para ela.

— Quando eu estava em Rennes, na outra noite, esbarrei com Helene Dupuis, que costuma organizar as festas para papa. Ela quer dar uma festa pelo meu retorno. Vou dizer para ela não medir esforços, já que estamos noivos e quero que seja nossa festa de casamento.

"Gostaria de marcá-la para uma data próxima. Esperar até que sua gravidez esteja mais avançada pode não ser algo sábio. Não quero pôr sua saúde em risco. Duas ou três semanas serão tempo suficiente para que seus tios venham."

— Ah, não sei. Acho que eles não terão dinheiro para as passagens de avião.

— Eles não vão pagar nada. Será uma honra para mim. Quero que seus amigos venham também. Qualquer um com quem você tenha afinidade na universidade.

— Joe...

— Este será meu único casamento. Quero conhecer as pessoas que fazem parte da sua vida. Meu pai também vai querer. Sua família a educou muito bem. Se seus pais estivessem vivos, não teria dúvida de que viriam.

"Não se preocupe com os outros compromissos sociais. Como você está grávida, limitaremos o número de festas para apenas o dia do nosso casamento e o do batizado. Quando você e eu nos conhecermos melhor, você perceberá que não sou um animal social como meu pai."

— Já sei disso.

— E se imporia?

— Não. Richard e eu tínhamos que ir a muitos eventos, mas tenho que admitir que na maioria das vezes eu preferia ter feito algo só nós dois.

"Eu mesma sou caseira. Quando o bebê chegar, vamos ter muito o que fazer."

Eles chegaram ao château. Joe estacionou o carro e desligou o motor.

— Meu tio gostava de ficar em casa. Era um homem de família.

— Estou ansioso para fazer o mesmo. — Joe soltou o cinto de segurança. — Durante meu tempo de inatividade no serviço militar, alguns de meus colegas casados recebiam cartas e fotos de seus filhos por e-mail.

"Eu os invejava por terem uma família para quem retornar. Depois que fui hospitalizado, eu os invejei por poderem dar filhos a suas esposas. Naquelas circunstâncias, fazia sentido que eu ficasse no serviço e deixasse que aqueles pobres-diabos voltassem para casa, para as pessoas que precisavam deles."

Ela soltou o cinto também.

— Entendo isso. Na verdade, vivi tanto tempo sem esperança que ainda estou surpresa por estar grávida.

— Nosso bebê chegará dentro de seis meses. Talvez nós dois consigamos acreditar até lá.

Depois de ser marcado pelo passado, Joe estava impressionado por se colocar em uma posição na qual precisaria estar disposto a confiar novamente em uma mulher. Ao deixar o serviço, jamais quisera ou pretendera que isso acontecesse. Ainda estava chocado por ter voltado para casa e encontrado uma situação na qual uma mulher tinha o poder de torná-lo vulnerável novamente.

Mas não podia negar as emoções que cresciam dentro dele no que dizia respeito a Demi. A atração por ela era forte demais para ser ignorada ou negada, mesmo se ela ainda amasse Richard.

Quando desabara nos braços de Joe enquanto liberava sua tristeza reprimida, aquilo deveria ter apagado qualquer chama que ardesse dentro dele, física ou emocional.

Em vez disso, acontecera o oposto, e esse era o problema. A única coisa que ele temia era se intrometer na tristeza dela. Como lidar com aquela mulher que ainda sentia a perda do marido?

Isso era o principal dilema com que Joe duelava no momento. O único jeito de respeitar os sentimentos dela e evitar que as necessidades dele fugissem ao controle era se concentrar no bebê.

Com aquela decisão firmemente tomada ele lhe deu um beijo na face antes de se levantar do assento do motorista para ajudá-la a sair.

Quando Joe olhou para cima, viu que a luz do quarto do pai estava desligada.

— Papa já foi dormir — ele disse enquanto acompanhava Demi para o foyer e escada acima. — Contaremos a ele no almoço. Isso lhe dará tempo para descansar. O que acha?

Quando chegaram à porta do quarto dela, Demi ergueu os olhos trêmulos para ele.

— Também lhe dará tempo para o caso de mudar de ideia durante a noite.

Ele inspirou com força.

— De jeito nenhum.

*********
Quando a manhã chegou, Demi não sentiu náuseas, mas um frio na barriga. E se Geoff não gostasse? Ela veria aquilo imediatamente nos olhos dele.

Sem tempo a perder, ela se apressou a tomar outro comprimido e as vitaminas antes de se vestir para o dia. Demi não queria deixar ninguém esperando. Ninguém deveria ter que subir todos aqueles degraus para levar comida para ela.

Ela usou um batom coral e escovou o cabelo. Ele farfalhava contra os ombros de sua blusa cáqui. Como todas as suas calças estavam apertadas demais e desconfortáveis, ela usou a mesma saia que vestira alguns dias antes; ela acomodava sua barriga, que crescia.

Na próxima vez em que fosse à cidade, compraria roupas novas. Ainda precisava se beliscar para ter certeza de que não estava sonhando e se juntara ao grupo das afortunadas mulheres que precisavam ir a uma loja para grávidas.

Enquanto descia as escadas, sentia seu mundo completamente diferente. Com o fato de que seria mãe, e Joe seria o pai do bebê, seus pensamentos se avivaram. Tinha uma nova razão para viver.

Joe estava a meio caminho até o andar dela. Usava calça cinza-escuro e uma camiseta esporte de tom vinho. Demi perdeu o fôlego ao ver aquela potente masculinidade. Se não tivesse gritado o nome dele a tempo, eles teriam colidido.

A mão dele tocou o ombro dela. Ela sentiu seu calor até as partes profundas do corpo. Os olhos dele percorreram-lhe o rosto, admirando-a.

— Parece outra pessoa hoje. A personificação da maternidade.

Tudo o que ele dizia parecia íntimo e pessoal.

— Deve ser isso e o remédio. Melhorei muito desde ontem.

Ela percebeu o sobe e desce do peito bem-definido dele.

— Fico feliz por saber. Disse a papa que almoçaríamos com ele. Está ansioso.

— Como ele está fisicamente?

— Voltando à velha forma rapidamente. — Os olhos de Joe a estudavam. — Aonde ia com tanta pressa?

— À biblioteca, pesquisa antes do almoço.

Ele retirou a mão do braço dela com aparente relutância.

— Enquanto faz isso, estarei no estúdio, resolvendo questões de negócios.

Com um acordo tácito, eles desceram até o primeiro andar juntos. Ela nunca havia ficado tão ciente da altura dele. Ele tinha um cheiro tão bom, e estava tão lindo... Se Lancelot exercesse o mesmo efeito sobre Guinevere, Demi conseguia entender por que o sonho de Arthur fracassara e Camelot deixara de existir.

Joe a acompanhou até a porta dupla da biblioteca. A proximidade dele deixava os sentimentos dela descontrolados.

— Mais tarde venho falar com você e lembrá-la de tomar outro comprimido — ele sussurrou.

Inspirando de forma trêmula, ela disse:

— Não há como eu esquecer.

— Não tenho tanta certeza disso. Com todos esses desenhos para olhar, você ficará fascinada. Passei um bom tempo de minha infância aí dentro, e sei muito bem disso.

— Não duvido.

Com medo de olhar para ele, Demi correu para dentro, precisando se afastar dele como proteção contra a crescente atração que sentia.

A biblioteca do château continha livros de valor inestimável, pertencentes à família Du Lac, assim como milhares de títulos que abordavam todos os aspectos da lenda arturiana. Alguns haviam sido escritos em bretão, um velho idioma da Bretanha que lembrava o cômico e o galês.

Demi achava sua história intrigante. Conseguia entender como Richard se sentira atraído pelas histórias da região. As diversas versões dos Cavaleiros da Távola Redonda poderiam manter uma pessoa entretida eternamente.

Duas horas depois, quando ela se acomodara para ler um interessante texto em inglês sobre a busca de Percival pelo Cálice Sagrado, ouviu vozes femininas do lado de fora da porta. Provavelmente, uma conversa entre as empregadas. Ela continuou a estudar o texto, sem saber que alguém havia entrado na biblioteca até que uma mulher falou com ela.

— Sra. Fallon?

— Sim? — Demi se levantou. Uma bela e alta loura, com um terninho caro em tom pêssego entrara no cômodo. Parecia ter a idade de Demi, talvez um pouco mais.

— Sou Corinne Du Lac.

Du Lac?

Aquilo significava que ela devia ter assumido o sobrenome de Geoff quando sua mãe se casara com ele.

— Como vai?

A mulher com quem Joe planejava se casar demonstrava um autocontrole incrível. E por que não? Geoff deveria tê-la acolhido como uma filha amada, afinal, era o jeito dele.

Ela se aproximou até que Demi pudesse ver seus olhos azul-claros.

— Brigitte me explicou por que está aqui. Sei que perdeu seu marido recentemente. Gostaria de lhe oferecer meus pêsames.

— Obrigada.

— Já conseguiu algo de que o livro dele estivesse precisando?

— Na maior parte, sim. Ainda espero conseguir uma fotografia de um veado ou de um javali selvagem.

— São criaturas ariscas. Jamais vi um javali na floresta. Pode levar algum tempo. Se quiser, posso pedir ao caseiro para ficar de guarda e tirar algumas fotos. Ficaria feliz de mandá-las para você.

Ela falava inglês perfeitamente, Demi estava admirada.

— Seria muito gentil da sua parte. Geoff tem sido maravilhoso por me deixar ficar aqui.

— Todos o adoram, mas ninguém mais do que eu. É o único pai que tive na vida. O meu me abandonou e à minha mãe.

— Sinto muito — Demi disse, se solidarizando. — Meus pais morreram antes de eu fazer 4 anos. Sei o vazio que fica no coração.

— Geoff preencheu o meu. Quando ele e minha mãe se divorciaram, ele não permitiu que isso mudasse nosso relacionamento.

Até então, o nome de Joe não fora mencionado. Uma omissão intencional?

— Jamais faria isso. É sincero demais.

— Nós nos amamos.

Demi não duvidava.

— Como ele está descansando, gostaria de ir até Lyseaux para almoçarmos? Acabei de voltar de uma longa viagem à Austrália e estou ansiosa para provar da culinária francesa novamente.

Era evidente que ela ainda não havia conversado com Joe.

— Eu adoraria, mas preciso terminar meu trabalho desta manhã aqui.

O cenho da outra mulher se franziu.

— Por quê? Pensei que o livro fosse um projeto do seu marido.

— Era, mas eu também era sua assistente e estou procurando algo especial sobre Lancelot para entregar ao editor junto com o manuscrito dele.

Ela cruzou os braços e apoiou o quadril na beira da mesa.

— Devem existir milhares de livros sobre ele.

— Existem. Tenho certeza de que meu marido leu todos eles. Estava absorto nas lendas sobre a Corte do rei Arthur. Mas, por ser um pesquisador, estava determinado a acrescentar seu próprio ponto de vista. O Château Du Lac capturou a imaginação dele e a minha.

Depois de um breve silêncio:

— Imagino que lhe disseram que não pode tirar fotos do quarto onde tem dormido.

— Jamais faria isso sem permissão.

— Geoff não quer que nada daquele quarto seja publicado.

— Não o culpo. Na minha opinião, aquelas pinturas são dos maiores tesouros artísticos da França. Se o público soubesse delas, ele não teria sossego.

— Que bom que compreende.

— Claro. Eu me sinto privilegiada por poder ficar aqui.

— Você não faz ideia da sorte que tem.

Oh-oh. O comentário da mulher tinha uma conotação possessiva.

— Quando voltará aos Estados Unidos?

A importante pergunta finalmente surgira.

— Não sei bem.

— Não precisa retornar ao seu emprego?

— Se estiver falando da Yale University, está enganada. Não trabalho lá. Depois das aulas, meu marido voltava para casa e eu o ajudava a fazer a pesquisa no computador.

— O que fará agora?

— Demi terá muito o que fazer daqui em diante.

A profunda voz masculina só poderia pertencer a uma pessoa. Ela não ouvira Joe entrar na biblioteca. Corinne deu meia-volta.

— Chéri — ela gritou, demonstrando uma saudade desinibida —, tinha ouvido falar que você estava de volta!

— Bonjour, Corinne. — Ele fechou a porta, mas não se aproximou de Corinne. — Fico feliz por vocês duas já terem se conhecido. Vai me poupar o trabalho de encontrá-la para poder apresentar uma à outra.

— A Sra. Fallon e eu acabamos de nos conhecer — Ela correu na direção dele e lhe segurou o braço. — Agora que está aqui, vamos para um lugar mais reservado. Faz muito tempo desde a última vez em que o vi. Temos tanto a pôr em dia...

— Podemos fazer isso depois. No momento, tenho algo importante para lhe dizer.

— Com certeza, não na frente da hóspede de seu pai — ela disse em um tom baixo, mas Demi a ouviu.

— Isso envolve Demi. Não pode ser adiado.

Com isso, Corinne virou a cabeça. Seus olhos encaravam Demi como se ela fosse algum tipo de alienígena.

— O que ela poderia ter a ver conosco?

— Como você se tornou enteada do meu pai há dez anos, e somos, por assim dizer, parentes, eu diria que tem muito a ver

Demi já começava a se familiarizar com os tipos de humor de Joe. Naquele momento, seu rosto assumia expressões ligeiramente esculpidas. Ela se lembrou daquela noite na floresta, quando ele a expulsara da propriedade. Aquilo fez Demi sentir um calafrio.

A outra mulher parecia menos segura de si.

— Joe... Não estou entendendo.

— Então, permita-me esclarecer.

Ele tirou a mão de Corinne de seu braço e foi até Demi.

— Eu disse que voltaria para lembrá-la de tomar seu comprimido — ele disse com uma voz suave.

— Eu ia tomar quando fôssemos almoçar.

Para surpresa dela, ele envolveu-lhe os ombros com o braço e a puxou para perto, contra seu físico rígido.

— Corinne? — ele falou para a mulher que estava de pé, como um pedaço de madeira petrificada. — Acho que é melhor saber da novidade agora.

— Que novidade?

— Estou apaixonado e encontrei a mulher com quem vou me casar.

Era bom que Joe estivesse segurando Demi, ou ela teria desabado ao chão.

— Se papa continuar melhorando, esperamos nos casar dentro de três semanas.

O rosto de Corinne ficou pálido.

— Casar...

Joe abraçou Demi com mais força. Baixando o olhar para ela, disse:

— Aconteceu tão rápido que também mal conseguimos acreditar, não é, mon amour? Jamais acreditei em coup de foudre. Até encontrar você. Foi amor à primeira vista.

Ele baixou a cabeça e beijou sua boca antes de se voltar para Corinne.

— Sei que ficará feliz por nós, mas preciso lhe pedir um favor. Papa ainda não sabe. Vamos contar a ele no almoço.

O rosto bem-barbeado de Joe roçou na face de Demi. Apesar do caos em que se encontravam as emoções dela, a sensação daquela pele lhe provocou uma sensação de calor pelo corpo.

— Gostaria que vocês duas se tornassem boas amigas. Enquanto isso, espero que me perdoe por ter interrompido, mas surgiu um imprevisto. Preciso falar com Demi a sós.

Ele segurou-lhe a mão e começou a andar em direção à porta. Corinne olhou angustiada para Joe antes de sair do cômodo na frente deles. Ela desapareceu pelo corredor, o paletó de seu terninho esvoaçando.

Joe seguiu para a escadaria. Segurou com mais força a mão de Demi, deixando-a ciente de que ele não pretendia soltá-la até que chegassem ao terceiro andar.


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xoxo

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