~
Oito horas depois Demi finalmente ficou sozinha com Joe em seu quarto. O olhar solene no belo rosto dele fazia alarmes dispararem dentro dela.
— Você conhece seu pai melhor do que qualquer pessoa no mundo. Ele não estava fingindo no jantar de hoje, estava?
— Não. Na verdade, eu arriscaria dizer que ele precisou conter a alegria para não magoar Corinne.
— Então, o que há de errado, além do óbvio?
— Corinne.
Demi assentiu.
— Sei disso.
— Achei que eu soubesse também...
Uma estranha nuança na voz dele fez Demi ter calafrios.
— O que ela disse a você antes de eu ter descido para o carro depois de pegar minha bolsa hoje à tarde?
Ele subiu e desceu as mãos pelos braços dela.
— Corinne fez uma ameaça.
— Que tipo de ameaça?
— Não lhe dei a chance de me dizer.
— Mas você não pode deixar isso assim. Por que não me disse nada enquanto estávamos no vilarejo? Achei que estivéssemos juntos nessa.
Os olhos dele percorreram as feições preocupadas dela.
— Porque não quis deixá-la preocupada desnecessariamente.
— Eu já estou preocupada. O comportamento dela é irracional, Joe. Em um minuto, está histérica. No seguinte, é como a calmaria antes da tempestade.
— Ela tem problemas mentais. Tenho certeza de que meu pai também acha isso. Ele escolheu as palavras com muito cuidado hoje.
— Eu preciso saber o que você está pensando!
As mãos dele envolveram os braços dela.
— Ontem à noite perguntei se você confiava em mim, e você disse que sim.
— Confio.
— Então, deixe que eu lide com isso do meu jeito primeiro. Já tomei algumas precauções. Se for necessário, falarei com você a respeito, eu juro. Enquanto isso, vamos fazer tudo juntos. Não a deixarei sozinha.
Para ele dizer aquilo só poderia significar uma coisa.
— Você acha que ela pode ser fisicamente perigosa?
Linhas de expressão marcaram o rosto dele.
— A esta altura acho que Corinne é capaz de quase tudo.
Demi gemeu.
— Quando seu pai nos deu sua bênção, os sonhos dela foram destruídos. Há rancor nela, Joe.
— Sempre houve.
— No lago, você me disse que foi uma mulher quem lhe provocou essa cicatriz. Mulheres vivem cometendo crimes contra homens. Quando penso que Corinne já foi uma vez a seu quarto sem ser convidada... Não há nada que a impeça de fazer isso novamente para garantir que você não se case.
Ele beijou-lhe a testa.
— Não vai acontecer nada a ninguém, Demi. Até nosso casamento, dormirei com você neste quarto.
— Mas, Joe...
— Não se preocupe com o que os empregados vão dizer — ele a interrompeu. — É exatamente o que eu quero que aconteça. A fofoca chegará até os ouvidos de Corinne. Saber que eu e você estamos juntos a demoverá naturalmente da ideia.
— Eu estava pensando no seu pai.
O esboço de um sorriso surgiu nos lábios dele.
— Como precisei de apenas quatro dias para pedir sua mão em casamento, ele terá ideias erradas a meu respeito se eu passar as noites longe de você.
Ele a soltou e pegou o telefone ao lado da cama dela.
— Vou avisar aos empregados o que farei. E, em seguida, ligaremos para sua família e contaremos a novidade.
Os olhos dele percorreram o corpo dela.
— Você parece cansada. Por que não se prepara para dormir? O quarto foi feito para que meia dúzia de pessoas pudesse olhar de forma confortável para as pinturas. Você não vai nem perceber que estou com você.
O acelerado coração de Demi a acompanhou até o banheiro, onde ela se apoiou na pia até que conseguisse se controlar. O brilho do anel com diamante que ele lhe dera atraiu seu olhar. Tem a forma do lago, ele dissera.
O lago oculto em uma floresta mística fora onde tudo tivera início, onde ela conhecera a encarnação de Lancelot Du Lac. Só que ele era melhor ainda. O mito não era mito, afinal.
Ele enfeitiçara Demi. De que outra forma ela teria concordado em se casar com Joe assim?
Ele a estava esperando quando ela saiu do banheiro de camisola e robe. Naquele curto intervalo de tempo em que ela estivera ocupada ele vestira uma calça de moletom e uma camiseta. Não importava o que ele vestisse, ela estava ciente do incrível físico masculino enrijecido pelo serviço militar.
Os olhos sonolentos dele a seguiam, absorvendo tudo dela, observando seus pés descalços.
— Pronta para dar aquele telefonema? Depois, quero saber qual pintura você acha que é a minha favorita.
Demi se acomodou no lado da cama e ligou para a tia. Durante todo o tempo em que falavam Joe ficou esticado do outro lado da cama, com a cabeça de cabelos escuros apoiada pelas mãos. Ele era uma distração tão grande que Demi tinha dificuldade para se concentrar na conversa.
— Se você se sente tão atraída por ele nesse pouco tempo, por que não fica na França e o conhece melhor antes de se comprometer em outro casamento?
Era uma boa pergunta. Uma que Demi teria feito à tia se a situação fosse inversa.
— Joe esteve no serviço militar durante um longo tempo, tia Kathy. Ele quer se estabelecer.
— Isso é ótimo para ele, mas e você? Apesar de ser desimpedida, ainda sofre com o luto. Eu acho que você deveria respirar um pouco antes.
A tia não compreendia o problema de Demi, que já estivera sofrendo em seu casamento havia anos. E naquele momento, só de pensar em Joe, ela ficava sem fôlego, mal conseguia raciocinar. A percepção de que dormiriam na mesma cama a fez sentir mais desejo do que sentira em anos. Um sentimento de vergonha surgiu.
— Eu talvez devesse.
— Bem, parece que você já se decidiu. Rob e eu só queremos que você seja feliz. O convite inclui as garotas e seus maridos?
A mão dela segurou o fone com mais força.
— Você sabe que sim. Quero todos vocês aqui.
— Estamos com pouco dinheiro, como sempre. Tem certeza de que seu noivo está disposto a arcar com as despesas?
— Sim. Ele quer que vocês fiquem na casa dos pais dele enquanto estiverem aqui.
— Que homem generoso. Uma grande diferença de Richard.
Ela baixou a cabeça.
— Eu sei.
— Sinto muito. Eu não tinha o direito de dizer isso.
— Sim, tinha, porque é verdade. — De certa forma, foi um alívio saber que a tia não fechara os olhos para determinados problemas no casamento de Demi.
Joe era um homem diferente, de um outro mundo.
Demi não contara nada à tia, a não ser que conhecera um francês chamado Joe Malbois que acabara de deixar a força de elite da França.
Quando a família chegasse à Bretanha, eles veriam e entenderiam tudo por conta própria. Então, ela chamaria a tia para um canto e lhe contaria que estava grávida. Não parecia certo revelar pelo telefone.
— Joe e eu providenciaremos as passagens de avião. Vocês as receberão, junto com o convite, na semana que vem, por correio expresso.
— Demi?
— Sim?
— Você sabe que eu não tenho dito isso com muita frequência, mas amo você. Só quero o melhor para você.
Os olhos dela se avivaram.
— Eu sei. Também amo você. Ficar longe me fez perceber a sorte que tive por ter sido criada por vocês. Deve ter sido tão difícil no começo... — Quando ela pensou em Geoff e na maneira como ele abrigara a problemática enteada, teve uma sensação de humildade.
— Se foi difícil, foi porque eu tinha medo de jamais conseguir ser a mãe que minha irmã teria sido para você. Rob diz que sou muito desesperada, mas que me ama assim mesmo. Sua mãe era mais calma e relaxada. Você tem essa mesma qualidade, o que eu invejo.
— Então, estamos quites, porque tenho inveja de sua coragem ao aceitar a filha de outra mulher.
— Seu comportamento doce tornou fácil amar você.
De onde tudo aquilo tinha surgido? As lágrimas rolavam pelo rosto de Demi.
— Obrigada por dizer isso. Eu ligo na semana que vem para ter certeza de que vocês receberam tudo.
— Estou ficando empolgada. Nunca fui à Europa.
— É um mundo completamente diferente, tia Kathy.
Até logo. Ela desligou e usou o braço para secar as lágrimas. Em sua mente, já conseguia ver a surpresa deles quando lessem o convite com o brasão da família Du Lac impresso no alto...
Geoffroi Malbois, Le Duc Du Lac, solicita o prazer de sua companhia no casamento de seu filho, Lancelot Malbois Du Lac, com Demi Gresham Fallon, no dia 30 de junho. As 11h, na igreja da St. Vierge, em Lyseaux. Haverá, em seguida, uma festa no château da propriedade Du Lac, La Bretagne, França.
— O que sua tia disse para deixá-la tão emocionada?
Demi olhou para ele.
— Muitas coisas maravilhosas que se você não tivesse insistido para que eu ligasse para ela eu talvez jamais ouvisse.
Joe rolou de lado para encará-la, com todo o seu 1,90m de masculinidade esbelta e forte.
— Mesmo com todos os problemas que eu provoco, está dizendo que sou bom para você? — A voz dele estava rouca.
A hora de ser honesta chegara.
— Acho que sim.
— Então, me agrade e venha para a cama. Nosso bebê também precisa descansar.
Nosso bebê. Oh, Joe...
— Não apague a luz ainda. Farei isso depois que você tiver respondido à pergunta que lhe fiz da última vez em que estivemos aqui.
Ah, ele estava falando das pinturas.
Ela entrou debaixo das cobertas. Ele era muito maior que ela. Joe a observou.
— Já decidiu qual dos 12 meses mais me agrada?
— Sim. — Ela devia ter sabido desde o início, mas não lhe ocorrera até aquela noite, quando deixaram uma assustadora Corinne à mesa com Geoff.
— Por quanto tempo pretende me torturar? Caso ainda não tenha percebido, não sou um homem paciente.
— Estou ciente disso — ela murmurou. — Você também vence os perigos, o que me leva a pensar que junho é seu favorito.
Ele se apoiou em um dos cotovelos.
— Você me conhece bem. Em junho o amor dc Lancelot floresceu completamente. Ele reprimira seus sentimentos por Guinevere por tempo demais. Agora, estava ardendo por ela. Não havia barras que pudessem mantê-lo do lado de fora. Ele arriscaria a própria vida para provar-lhe a boca.
— Acho que parece com você.
Ele lhe lançou um sorriso tão sedutor que ela precisou desviar o olhar.
— Admita que junho também é o seu mês favorito. Quem mais além de Guinevere, rainha entre os homens, era corajosa o suficiente para ter um caso secreto de amor com Lancelot e lhe dar boas-vindas em sua cama, sabendo que o mal crescia em Camelot?
De alguma forma, a conversa se tornara um caso da arte imitando a vida. Era tudo pessoal demais. Os olhos dela se concentraram na pintura.
— O artista fez um trabalho excelente ao retratar as emoções dela. Acho que foi uma mulher quem o produziu.
— Não sei, não. Um homem consegue pintar com a mesma intensidade sentimental. Quando eu era jovem e ainda não compreendia a magia feminina, achei que fossem uma excentricidade vergonhosa. Levei vários anos até que deixasse meu melhor amigo vê-las.
— Àquela altura, vocês dois já haviam descoberto que o luxurioso mês de maio havia assumido um novo significado. Quando junho chegou, a paixão amadureceu.
Uma gargalhada profunda e farta saiu dele.
— Você é única, Demi. Fico me perguntando de que pintura nosso filho gostará mais.
A conversa estava fugindo do controle.
— Se tivermos uma filha romântica, ela nos dirá imediatamente. Se for um menino, provavelmente já estaríamos velhos e cansados antes que ele admitisse sua preferência.
— Mesmo então, ele nos diria que Camelot nunca existiu. — Joe lia a mente dela.
— Então, diremos a ele que foi apenas um belo sonho.
— Acho que estou começando a saber como Arthur se sentiu quando tudo desmoronou. Sequer trocamos os votos, e, mesmo assim, você já está falando sobre nós sentados em nossas cadeiras de balanço. Não consigo nos imaginar assim.
— É porque você cresceu na terra dos sonhos. A verdade é que Guinevere e Lancelot perderam a cabeça. Se não aprendemos com os erros deles, que Deus nos ajude.
Ele se aproximou, apoiando o queixo em seu braço bronzeado.
— Acha que o amor deles foi um erro?
Ela lutou para não ser afetada pela proximidade dele.
— Você não acha?
— E desprezar o maior amor que o mundo já conheceu? — ele falou lentamente.
A mão dela puxou as cobertas.
— Eles tiveram que pagar um preço grande demais.
— Mas enquanto tudo era bom eles conheceram um arrebatamento indescritível. Eu percebi que você estava lendo Chrétien de Troyes quando a encontrei na floresta.
Nada escapava aos olhos de Joe.
— A cena do quarto é uma das passagens mais famosas de toda a literatura — ele lembrou a ela. — Não havia um trecho sobre a diversão deles ser tão agradável e doce, enquanto se beijavam e acariciavam um ao outro, que, na verdade, tal maravilhosa felicidade os dominava como nenhuma outra de que já se ouvira falar ou se conhecera?
O rosto de Demi foi tomado pelo calor.
— Chrétien exagerou um pouco ao retratar os sentimentos de Lancelot. Como ele não era uma mulher, não entendia Guinevere. Ela era casada com Arthur, e sempre seria atormentada pela culpa.
Joe abriu um sorriso sedutor para ela.
Acho que é a viúva em você que diz isso. Olhe novamente para a pintura — ele disse. — Vê alguma culpa nos olhos dela, ou em seu corpo, que se inclina para ele?
"Está tão ansiosa por ele que seus olhos brilham. Pode senti-los arder um pelo outro. Durante todos os meses em que ele estivera na Corte, eles sonharam com aquele momento. Ao reprimirem sua paixão, tudo o que conseguiram foi fazê-la explodir.
"Você pode perceber que ela está alheia a qualquer outra presença junto deles. Implora para que ele a toque. Lancelot está louco de desejo.
"Ele tem sido devorado vivo pelas imagens dela, que não lhe dão descanso. Arde por ela em seu sono, mas, agora, está acordado, e foi ao encontro dela, e não há poder no mundo que impeça o doce prazer entre eles."
Pare, Joe.
— Já olhei o suficiente por hoje. Estou cansada. Acho que você também deve estar. — Ela se inclinou para desligar a luz de cabeceira. — Boa noite.
— Você se importa se eu conversar com você até que consigamos dormir?
— Contanto que não seja sobre contos de fadas. — Ela se virou de costas para ele e desejou que ele tivesse se acomodado em outro canto da cama, bem mais distante.
— A universidade fica a apenas cinco minutos da casa em Rennes. Se estiver interessada, pode assistir a algumas aulas de manhã enquanto espera a chegada do bebê. O período começa em agosto e terminará antes de você dar à luz no final de dezembro. Posso levá-la até lá no meu caminho para o trabalho e buscá-la na hora do almoço.
Ele previra tudo. Aquilo daria a ela algo de útil para fazer até que voltasse a morar nos Estados Unidos.
— Onde você trabalhará?
— Na companhia hidráulica de que lhe falei. Desde que voltei, tenho buscado informações. Eles precisam de um engenheiro com as minhas qualificações.
— Quando começará?
— Logo depois do casamento.
Ela ficou feliz por ele não ter mencionado uma lua de mel.
— Eu estou muito interessada.
— Tem alguma ideia do tipo de aulas a que quer assistir?
— Francês, e talvez uma pesquisa de literatura francesa antiga.
— Parece que está planejando seguir os passos de Richard — foi a monótona resposta.
— Não quero ser professora. Estava pensando que seria bom conhecer algo sobre o seu idioma e a sua cultura, já que os homens que pretendem se tomar pai e avô do meu bebê são franceses.
— Isso é verdade.
Demi não conseguia saber o que ele pensava daquelas escolhas.
— Algum dia me decidirei por uma carreira, e vou segui-la. No momento, não consigo pensar em nada além de ser mãe.
— Para dizer a verdade, fico feliz por papa querer se encarregar das festividades do casamento. Com a ajuda de Helen, eles não precisarão de mais ninguém. Isso nos dará tempo de aprontar a casa e planejar o quarto do bebê.
— Ela está vazia?
— Sun, a não ser pelos caseiros, Jean e sua esposa, Louise, que moram no primeiro andar. Eles cuidarão de tudo o que você quiser.
— Como é a casa da sua mãe?
— É um chalé com exterior de argamassa. Chamamos de bastide. Dois andares, quatro quartos. Um banheiro completo e dois lavabos. Há um terraço e um jardim. Dentro e fora, é perfeito para uma criança.
— Parece encantador.
— Quando meus avós estavam vivos, eu adorava ficar lá, onde podia correr de um lado para o outro e fazer bagunça.
— Quer dizer que você foi um menino normal?
— Acho que sim. Papa não gostava muito quando eu construía modelos de foguetes na mesa de jantar do salão. A cola de cimento caía nela e a destruía. Tiveram que mandar restaurá-la. Se eu fosse falar de todos os estragos que causei, levaria semanas.
— Parece que você valia por vários irmãos.
Ele riu.
— Queria ter tido um irmão ou irmã. Maman sofreu com três abortos espontâneos. Cada um por um motivo diferente.
— Ela teve sorte de ter você. Posso garantir isso.
— Amém. Conte sobre suas primas.
— Julie tem 29 anos. Sharon, 26.
— Les Trois Mousquetaires.
— Quem dera tivesse sido assim. Se eu tivesse sido adotada desde o nascimento, tudo poderia ter sido diferente.
— O que elas faziam? Ficavam lembrando que você não era irmã delas para acabar com sua alegria quando conseguia algo que elas não conseguiam?
— Como você sabia?
— Corinne fez sua cena "pobre de mim" na noite em que a conheci, tentando fazer eu me sentir culpado por ter nascido como um Du Lac.
Os problemas de Joe haviam sido tão piores que Demi não tinha como reclamar.
— Agora que as garotas estão casadas, as coisas têm sido melhores.
— Queria poder dizer o mesmo sobre Corinne.
Demi estremeceu.
— Não seria maravilhoso se ela simplesmente desistisse e fosse para a casa da mãe?
Um som estranho veio da garganta dele.
— Achei que você tivesse dito que não queria mais saber de contos de fadas.
— Sinto muito. O que acha que ela está fazendo agora?
— Não vamos nos preocupar com isso. Você está segura comigo.
Segura.
Se havia alguém no mundo que podia protegê-la, Demi sabia que era Joe. Aquilo a ajudou a relaxar, e logo em seguida ela acabou adormecendo.
*******
Quando acordou, mal conseguiu acreditar que estava no meio da manhã. Joe já saíra da cama. O fato de saber que ele estava a seu lado a noite toda devia ter sido o motivo de Demi ter dormido mais do que o de costume.
A ausência da náusea a fez tomar os comprimidos. Queria que aquela sensação de bem-estar continuasse.
Quando começou a atravessar o quarto, ouviu uma batida na porta.
— Demi? — A voz profunda de Joe percorreu todo o seu corpo. — Está acordada?
— Sim.
— Trouxe o café da manhã.
Ele não devia...
— Não preciso que você me sirva.
— E se eu gostar de fazer isso?
— Então, fico muito agradecida, mas preciso tomar um banho antes.
— Pode ir. Vou entrar com a bandeja e esperar você.
— Certo. Vou ser rápida.
A empolgação aumentava dentro dela; Joe lhe mostraria a casa da mãe naquele dia. Seria o lar de seu bebê. O lar dela com Joe.
Mais três semanas e ela não precisaria mais ver Corinne, a não ser em encontros casuais no château. Enquanto isso, ela e Joe estariam ocupados se preparando para serem pais.
Ela pegou uma blusa para vestir com a saia antes de correr para o banheiro, tomar banho e se vestir. Ele se cansaria de vê-la com a mesma roupa. Quando fossem a Rennes naquele dia, ela pediria que ele a levasse a uma loja onde pudesse comprar roupas largas.
Depois de escovar o cabelo, ela o deixou solto. Após se perfumar, estava pronta.
Ele havia posto a bandeja na cama. Cereal gelado e toronja.
— Isso está bonito.
— Você, também — ele murmurou, observando-a atentamente. Ele também estava, mas ela se conteve para não lhe dizer isso, e começou a comer.
Naquela manhã, ele vestia um terno azul-claro com uma camisa azul, mais escura. Sem gravata. Com aquela pele bronzeada e os olhos azuis, quentes o suficiente para cortar aço, ela não ficaria surpresa se as mulheres da cidade fizessem fila só para olhar para ele.
— Graças à sua presença ao meu lado a noite toda, dormi bem. Seu corpo ao lado do meu teve o mesmo efeito em mim.
Deve ser confortável para o bebê ficar todo aconchegado dentro de você.
Um gomo de toronja ficou preso na garganta dela antes de descer.
— O problema é que logo, logo acho que eu não vou poder dizer o mesmo. Mas não reclamo.
— Eu faço massagem em você. Talvez isso ajude.
Não. Tudo o que aquilo faria seria despertar sentimentos que seria melhor se fossem mantidos em repouso. Depois da conversa da noite anterior ela estava tomada por sentimentos e emoções que fugiam de seu controle.
— Você é daquelas mulheres que quer ter o bebê do jeito natural?
Ela balançou a cabeça.
— Não. Sou covarde e pretendo me beneficiar da epidural mais moderna.
— Isso quer dizer que não farei aula de Lamaze?
— Você quer?
Ele a olhou por sobre a borda da xícara de café.
— Quero fazer tudo que me ajude a me sentir mais próximo do bebê.
— Pode ir a todas as minhas consultas com o médico. Vou fazer o ultrassom no mês que vem.
— Já estava planejando fazer isso. Não preciso nem dizer que vou levá-la ao hospital quando chegar a hora. Nunca vi um bebê nascer. Giles e a esposa dele tiveram uma garotinha no ano passado. Ele disse que foi a melhor experiência da vida dele. Fiquei com inveja.
O coração dela lhe dizia que aquilo não era fingimento de Joe. Tendo sido negada a ele a possibilidade de gerar uma criança a partir do próprio corpo, ele estava disposto a fazer o que fosse preciso para participar da gravidez de Demi, que entendia aquela necessidade.
Terminando o cereal, ela foi até a penteadeira onde deixava a bolsa. Pegando o batom, ela disse:
— Você viu Corinne enquanto estava lá embaixo?
— Não. Papa disse que ela tomou café com ele antes de sair para andar a cavalo.
— Ela cavalga muito?
— Pelo que ouço dizerem...
— Como seu pai está hoje?
— Eufórico. Eu o deixei ao telefone com Helene.
— Ele disse alguma coisa sobre Corinne?
— Não.
Os olhos ansiosos dela se concentraram nos dele.
— É como esperar pela detonação de uma bomba-relógio que não armamos.
Joe assentiu com uma expressão sombria.
— Papa quer ir até a casa conosco, mas o médico disse que ele tem que ficar de repouso por mais uns dois dias.
— Haverá tempo suficiente para isso quando ele melhorar.
— Foi o que eu disse a ele. Vamos?
Ele abriu a porta para ela e, depois, a seguiu com a bandeja. Já quase haviam chegado ao foyer quando ela ouviu o celular de Joe tocar. Demi o viu olhar o nome de quem ligava antes de atender.
Ela podia não entender francês, mas a violência na expressão dele dispensava tradução.
— O que aconteceu? — ela perguntou assim que ele desligou, Havia um círculo branco em volta de sua boca.
— Era o cavalariço. Corinne pegou Tonnerre sem permissão, Ele foi atrás dela em outro cavalo.
"Parece que ela tentou pular a fonte, mas não conseguiu. Sofreu uma queda feia e, parece, uma concussão, mas as patas dianteiras de Tonnerre se quebraram. Ele está agonizando."
Aquilo significava que seu maravilhoso cavalo precisaria ser sacrificado.
— Vá, Joe! — ela gritou. — Vou chamar uma ambulância.
Ele entregou a bandeja e o celular a ela.
— Disque 112. Diga que venham até a Fonte da Juventude na floresta. Vão entender.
O coração dela foi com ele enquanto Joe desaparecia pelo hall em direção à cozinha. Pobre Tonnerre! Ele carregara tanto Demi quanto Joe quando ela estivera doente. Joe morreria de tristeza ao ter que sacrificar o animal por misericórdia, mas não tinha escolha.
No momento seguinte, ela pôs a bandeja sobre o aparador mais próximo e ligou para o número de emergência. Depois que Demi deu os detalhes, disseram-lhe que estavam a caminho.
— Demi?
Ela olhou para cima e viu Geoff de pé no primeiro patamar da escadaria.
— Henri me disse que Corinne sofreu um acidente com um dos cavalos. Ela está bem?
— O cavalariço disse que acha que ela ficará bem. Joe foi vê-la. — Demi subiu rapidamente a escada e o acompanhou de volta à suíte. Eles se sentaram um de frente para o outro na área de estar.
— Fico aliviado por ele estar com ela.
— Ele cuidará de tudo. Foi bom que não tivéssemos saído para a cidade ainda.
— Ela é uma excelente amazona. Não consigo imaginar o que pode ter acontecido.
— Logo descobriremos. Peço a Brigitte para lhe trazer um pouco de chá enquanto esperamos?
Demi não ousaria lhe contar a verdade. Deixaria que o filho dele explicasse. Graças à discrição de Henri, Geoff não parecia muito preocupado.
— Não, não. Já que estamos sozinhos por enquanto, quero lhe dizer uma coisa.
— O que é?
Pela primeira vez desde que ela o conhecera, Geoff parecia hesitante.
— Quando tiver mais experiência como mãe, entenderá melhor o que vou dizer.
— Pode falar — ela o incentivou gentilmente,
— Nossos filhos são tudo para nós. Conhecemos suas alegrias e seus medos. Sabemos o que os faz felizes. Sabemos o que lhes causa dor.
"Escolher você como esposa fez Joe feliz, e isso me faz feliz. Mas Corinne está arrasada. Ela se apaixonou por ele assim que o conheceu. Desde então, nunca houve outra pessoa para ela."
— Ele me disse que suspeitava disso — ela admitiu.
— Isso é bom. Não deve haver segredos entre vocês. Corinne sempre se sentiu rejeitada. Tentei de tudo para ajudá-la a se sentir segura, mas nada pode compensar totalmente uma mãe ruim e um pai ausente.
— Tem razão.
Ele ergueu uma das mãos.
— Não é culpa de ninguém, e não estou tentando magoá-la. Deus sabe o quanto tem sido difícil para Joe, que jamais quis que isso acontecesse.
Ele a olhou inseguro. Demi sentiu que ele imploraria para que adiassem o casamento por tempo indeterminado.
Novamente, Corinne manipulara Geoff, mas, dessa vez, Joe não cairia em sua armadilha. Ao levar seu cavalo à morte, ela fizera algo que ele não perdoaria.
— Seria demais pedir que você e Joe se casassem em uma cerimônia reservada imediatamente?
Demi ficou tão surpresa que quase caiu da cadeira.
— Está dizendo para esquecermos todos os preparativos do casamento?
Triste, ele assentiu.
— Seria a maior ação de boa vontade que vocês poderiam fazer por Corinne. Ela contou a todas as pessoas que conhecemos que Joe se casaria com ela quando retornasse do serviço.
"Ouvir vocês planejando o casamento e a conversa sobre o bebê na noite passada foi demais para ela. Se vocês se casarem sem alarde, isso a poupará de uma humilhação maior. Conheço meu filho. Ele quer lhe dar o casamento dos seus sonhos, mas, acima de tudo, ele quer você.
"Sei que estou pedindo um grande sacrifício de vocês. Merecem festejar. E não há nada que me deixaria mais feliz do que fazer isso, mas..."
— Não precisa dizer mais nada, Geoff. Já tive um grande casamento quando mc casei com Richard. Não preciso de outro.
— Está falando sério? — a voz dele estava trêmula.
— De coração. Para que aprofundar essa mágoa? Quando encontrar Joe, mais tarde, vou convencê-lo de que é a única coisa a se fazer.
— Se há alguém que consiga convencê-lo disso, é você.
Só que Joe não precisaria ser convencido. Se estivesse apaixonado por Demi, seria diferente. Mas o que ele queria era um filho. Ficaria feliz por não terem que esperar mais três semanas para realizar uma cerimônia e tomar tudo legal.
Aquilo significaria que eles poderiam se mudar para a casa da mãe dele nos próximos dias. Depois daquele acidente, Demi não queria ficar perto de Corinne.
—Geoff? Por que não vou até a cozinha e trago chá para nós. Eu também gostaria de um pouco.
— Isso me parece ótimo.
— Enquanto não volto, por que não liga novamente para Helene e avisa que Joe e eu decidimos não nos casar agora? Explique que é por causa da chegada do bebê, que o médico quer que eu vá com calma. Algo assim. Tenho certeza de que encontrará as palavras para que ela não questione a mudança nos planos.
— Muito obrigado, ma chérie.
Demi desceu a escadaria até a cozinha e começou a preparar o chá. Enquanto acrescentava o mel, ouviu passos vindos da entrada dos fundos. De repente, Joe surgiu.
— Graças a Deus, você está aqui. Precisamos sacrificar Tonnerre.
— Eu sabia — ela sussurrou.
Sem se dar conta, ela foi para os braços dele. Joe a apertou contra si. Durante os minutos que se seguiram, ele a embalou. Ela sentiu o tremor no maravilhoso corpo dele.
— É só se lembrar de que ele foi para o paraíso dos cavalos, onde será feliz.
Um pesado suspirou escapou dele.
— Como você sabia que eu precisava ouvir isso? — Joe segurou a cabeça dela com as mãos e beijou-lhe o rosto diversas vezes.
— Porque meu tio teve que sacrificar o cachorro da família. Fizemos um funeral para ele.
Ele afundou o rosto no cabelo dela.
— O que papa sabe?
— Henri contou a ele que Corinne sofreu um acidente enquanto cavalgava, mas que ficaria bem. — Demi se afastou o suficiente para poder olhar para ele. — Ela vai ficar?
Os olhos dele, repletos de dor, escureceram,
— Acho que sim, mas ela bateu a cabeça com bastante força, A ambulância a levou ao vilarejo. De lá, ela será levada de helicóptero até o hospital em Rennes, por precaução. Pedi a Henri para entrar em contato com a mãe dela.
"Enquanto isso, uma das empregadas se ofereceu para ficar no hospital com Corinne, para que ela não fique sozinha."
— Muito bondoso da parte dela.
Joe beijou-lhe o rosto.
— Também achei.
Por um momento ele pareceu distante. Ela se afastou dos braços dele.
— Preparei chá para o seu pai. Só precisa de mel.
— Acho que também quero um pouco. Vou pegar. Enquanto ele ia até o armário, ela disse:
— Joe? Há algo que preciso lhe dizer.
Ele levou a jarra até ela.
— O que é?
Sem rodeios, ela repetiu a conversa que tivera com Geoff. Quando terminou, o silêncio reinou enquanto ele acrescentava alguns biscoitos de amêndoa à bandeja. Ela não conseguia imaginar o que ele estava pensando.
Eles se juntaram ao pai, que estava ao telefone. Ao ver os dois, ele acenou para que Joe se aproximasse.
— É Odette, Ela soube do acidente de Corinne, Foi grave?
Demi observou Joe colocar a bandeja na mesa.
— Henri já disse a ela que Corinne sofreu uma concussão. Ela foi levada ao hospital Holy Cross, em Rennes. Uma das empregadas está lá com ela. Diga a Odette para ligar para lá e falar com o médico do pronto-socorro.
Geoff transmitiu a mensagem. Em seguida, cobriu o fone.
— Ela quer falar com você.
Linhas de raiva marcaram a boca de Joe, Ele pegou o fone.
— Odette? Não sei nada além do que já lhe disseram. Você precisa falar é com sua filha.
"No momento, tenho que me preocupar com meu pai. Ele ainda está se recuperando da pneumonia. Espero que nos entendamos. Vou me certificar de que Henri a mantenha informada de que qualquer coisa que saibamos. Au revoir."
Demi deixou o corpo cair no sofá de dois lugares, ao lado de Geoff, e lhe entregou um pouco de chá. As pálpebras dele cobriam os olhos, fazendo com que parecesse ter mais do que seus 67 anos.
Ele pegou o chá e bebericou um pouco.
— Merci, ma chérie.
— Papa... Corinne fez Tonnerre dar um salto que custou a vida dele.
Uma lágrima solitária rolou pelo rosto de Geoff.
— Nessas circunstâncias, não sei como você encontrou forças para sequer falar com Odette.
Joe se agachou na frente do pai.
— Como Demi me lembrou, meu cavalo se foi para um lugar melhor. Ela também me disse sobre o que vocês conversaram antes de eu chegar.
"Se eu achasse que pudesse escapar dessa, teria pedido a ela que fugisse comigo e nos casássemos na noite passada."
Apesar de Demi saber que ele dissera aquilo para agradar o pai, sentiu uma pontada no coração.
— Como as necessidades de Corinne têm que ser nossa prioridade, vou ligar para o padre e pedir que ele nos case bem aqui, em seu quarto. Henri e Brigitte serão nossas testemunhas. Depois que o bebê nascer e Demi tiver se recuperado, faremos uma grande festa e convidaremos todos.
Seu pai chorou.
— Você é um filho maravilhoso.
— Não é um sacrifício para mim, papa. Corinne precisa de cuidados médicos sob diversos aspectos. Usei o telefone da cocheira e tomei a liberdade de ligar para o psiquiatra que tratou dela antes. Ele vai se encontrar com Odette e marcar algumas sessões com as duas.
"Vamos dar a elas alguns dias. Até lá, você estará se sentindo ainda melhor, e faremos uma visita en famille."
— En famille — Geoff repetiu, sorrindo para os dois. — Adoro o jeito como isso soa.
Joe lançou um olhar íntimo para Demi.
— Eu concordo.
Precisando abafar suas emoções, ela lhe entregou o chá, que Joe bebeu de uma só vez.
— Papa... Outra coisa. Quando Corinne telefonar e pedir para falar com você, o médico sugeriu que deixe Henri cuidar de tudo. Só até a situação melhorar.
Geoff assentiu.
— É um bom plano. Agora, se não se importar, gostaria de falar eu mesmo com père Loucent.
— Vá em frente. Demi e eu vamos a Lyseaux nesse instante. Não demoraremos.
--------------------
Último post de 2016! Continuem comentando.
xoxo
Obs: Gente o verdadeiro capitulo 6 da fic foi "extraviado". Não o encontrei para postar, mas creio que de para entender a continuação da história. Mil desculpas.
Posta logo! Bjs
ResponderExcluir