28.11.16

Um Amor em Meus Braços - Capitulo 2


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 Uma nova enfermeira chegara para o serviço. Ela sorriu e moveu a cabeça na direção de Demi, indicando a seu paciente que ele tinha uma visita noturna.

Ao se aproximar da cama dele, Demi viu que ele estava melhor. O tubo de oxigênio fora retirado. Ele já estava mais corado que na noite anterior, e o leve guincho em seu peito não parecia tão perceptível.

Ainda tremendo pela ocorrência na cozinha, ela puxou uma cadeira para perto dele e pôs a mão em seu braço, desejando que o coração parasse de dardejar contra o peito.

Empregado do duc ou não, o estranho havia passado dos limites com seu comportamento primitivo. Lidar com uma mulher daquele jeito era motivo para ser demitido, e se dependesse de Demi, para algo muito pior.

Para não deixar Geoff preocupado, ela descobriria o que pudesse sobre o homem por meio de Henri. Ele saberia o que deveria ser feito e seria discreto ao lidar com a situação para que ela não fosse mais importunada.

— Geoff? Sou eu, Demi.

Os olhos dele se abriram. Estavam mais vividos que antes. Ele estava mesmo melhorando. Nada a teria deixado mais feliz.

— Você parece sem fôlego, ma chérie.

Naquelas circunstâncias, uma mentirinha seria inofensiva.

— Acabei de voltar ao Château e queria vê-lo primeiro.

— Estou feliz por você estar aqui. — Ele deu tapinhas na mão dela. — Tenho uma notícia maravilhosa.

— O médico lhe disse que está finalmente melhorando? — ela interrompeu,

— É verdade que estou me sentindo melhor, mas não é isso. Meu filho voltou de vez para casa. Não pude falar antes sobre ele e o trabalho que fazia, porque era confidencial. Mas agora posso dizer, Nos últimos dez anos, ele serviu em várias regiões do mundo, como parte de nossa força militar de elite.

Um leve soluço escapou da garganta dela. Com aquelas palavras, Demi percebeu que já conhecera o filho. Não era de admirar que ele tivesse aparecido na cozinha como se fosse dono do lugar. E aquilo explicava a presença dele na floresta,

A força de elite da França não era ainda mais letal que as forças especiais?

No momento em que ele surgira tão silenciosamente dos pinheiros, ela percebera a diferença nele. Agora, tinha provas de que ele era ainda mais bem-treinado e mais perigoso do que ela imaginara.

Seu comportamento mal-educado na cozinha parecia ter sido resultado de tempo demais fazendo coisas indescritíveis.

— Mais cedo, enquanto estava me perguntando quando o veria novamente e, com sorte, inteiro, ele apareceu no meu quarto e me disse que tinha realizado seu último serviço pelo país. Terminou. Grace à Dieu. Agora, ele e Corinne podem se casar.

— Corinne?

— A filha de minha segunda esposa.

Demi piscou. Ela supunha que alguns irmãos adotivos se casassem, mas não conseguia imaginar.

— Corinne o quer desde o início. Agora que ele está fora do serviço, vou ter os netos que sempre quis. Ela chegará de sua última viagem nos próximos dias.

O casamento seria capaz de domar um homem tão fora de controle como o filho dele? Demi duvidava.

— Estou tão feliz por você — ela disse antes de se levantar, incapaz de ficar sentada calmamente enquanto absorvia todas as revelações daquela noite. Se Geoff tivesse visto seu único filho beijando Demi loucamente, contra a vontade dela, ficaria horrorizado.

— Quero que vocês se conheçam.

— Já nos conhecemos, papa — disse uma voz irritada que só poderia ter saído de um homem. Ele acabara de entrar no quarto. Demi tentou abafar o grito de surpresa. — Eu a encontrei perto do lac.

— Então, provavelmente sabe o quanto esta pobre criança sofreu, Joe.

Joe era o nome verdadeiro dele? Lancelot Du Lac?

— Não conversamos muito — Demi interrompeu, sem querer pensar no que acontecera durante os dois encontros particulares. Pior ainda, não queria magoar Geoff. Como qualquer pai, ele tinha grandes esperanças para o futuro do filho. Demi não queria fazer nada que pudesse lhe trazer tristeza.

— É claro que ele está ansioso para passar um tempo com você. Como vocês têm muito a pôr em dia, vou apenas desejar boa noite, e o visitarei amanhã.

— Promete?

— Claro. Continue melhorando.

Ela apertou o braço dele e foi embora rapidamente, sentindo sobre suas costas um par de acusadores olhos azuis. Enquanto ela se dirigia para a porta, eles pareciam dizer: "Pode continuar fugindo de mim, mas sei o que está tramando. Comporte-se, ou eu a expulsarei,"

Quando Demi chegou à segurança de seu quarto, já tinha decidido que aquela seria a última noite que passaria no château.

Não por causa do injusto tratamento que Joe Du Lac lhe dispensara. Nem por causa de suas falsas presunções de que ela planejava algo relacionado ao pai dele. Um homem extraordinário como o duc provavelmente atraía o interesse de várias mulheres. Um ou outro tipo inescrupuloso poderia até estar atrás do dinheiro e do título de nobreza dele. Naturalmente, o filho seria seu protetor. Mas não era por causa disso.

A necessidade de ir embora se devia à culpa.

Ela tirou a mala do guarda-roupa e começou a arrumá-la. De manhã, passaria pelo quarto de Geoff para agradecer por tudo e se despedir. Seria melhor assim.

O fato de ter ficado fisicamente ciente de seu filho amargurado com o mundo, um homem cínico, marcado, tanto no sentido físico quanto no figurativo, por experiências das quais ela não queria saber, um homem que escolhera viver a vida no limite e provavelmente deixara um rastro de mulheres apaixonadas ao redor do mundo antes de voltar para se casar... Aquilo parecia uma traição à memória de Richard.

Mal fazia três meses que ele se fora e, ainda assim, por duas vezes naquela noite, ela percebeu que se sentia atraída, contra a própria vontade, por um estranho que não lhe demonstrara nada além de um comportamento primitivo.

Ainda podia sentir as mãos dele em seu corpo, a boca devorando a sua. Tudo uma violação, apesar de ela não poder dizer que ele a machucara. Fora a tórrida surpresa de suas ações que a pegara desprevenida.

E, claro, a reação involuntária dela ao apelo másculo dele... Aquela era a parte imperdoável,

Quando conhecera seu marido, de cabelos louro-escuros, ela trabalhava em um estúdio fotográfico. Achara lisonjeador que um professor universitário se interessasse pelas sugestões artísticas dela para o livro que ele estava escrevendo.

Ele permitira que ela entrasse em seu mundo. Ela fora uma boa ouvinte, ávida para auxiliá-lo da maneira que pudesse. Sem ter formação universitária, Demi o pusera em um pedestal, admirando o poeta dentro dele. A associação deles os levara ao casamento. Ele fora um amante gentil.

Para preencher o vazio deixado por sua morte, ela voltara à França para terminar a arte para o último livro dele. Só pensava em trabalho. Então, o que poderia explicar aquela reação a um hostil ex-militar, a antítese de Richard?

Talvez fosse alguma loucura do tratamento hormonal a que estava submetida.

E se os clichês a respeito das necessidades de uma viúva fossem verdadeiros? Se fossem, que vergonha... Que horror!

*******
A ponta da bota de Joe tocou no pé da cadeira que Demi Fallon acabara de deixar, em sua pressa para evitá-lo. A culpa por ter sido descoberta estava à mostra em cada movimento e expressão do corpo dela.

Um belo corpo, e um rosto que combinava, ele reconheceu com uma rancorosa honestidade.

Não havia nada de errado com a visão do pai, apenas a ausência de um bom julgamento das mulheres. Não se podia confiar nelas.

Ele empurrou a cadeira para mais perto da cama antes de sentar ao lado do pai.

— Fale sobre o sofrimento de sua hóspede, papa — ele pediu sem rodeios.

O pai lhe dirigiu um olhar amoroso.

— Quando você voltou daquela viagem rápida, na Páscoa, por acaso conheceu o professor americano que estava trabalhando na minha biblioteca?

Os pensamentos de Joe retornaram àquelas poucas horas em que ele se permitira fugir para casa para ver como estava o pai sem que ninguém soubesse.

— Henri mencionou que havia um visitante. Lembro-me de tê-lo visto de relance, mas confesso que não prestei muita atenção.

Depois de outro acesso de tosse, o pai dele continuou.

— O dr. Fallon ensinava literatura medieval na Yale University, em Connecticut, e veio para a Bretanha no recesso de Páscoa para pesquisar. Ele e sua esposa Demi estavam hospedados no Hotel Excalibur.

A mulher de cuja sedutora boca ele ainda sentia o sabor nos lábios era esposa de alguém? Joe não a vira usando aliança.

— Maurice me ligou e perguntou se eu não poderia permitir que os hóspedes de seu hotel examinassem alguns manuscritos da coleção de nossa família. O dr. Fallon já havia publicado livros e era um renomado perito na lenda arturiana.

— Então, claro, você disse sim — Joe interrompeu, com um sorriso que não era refletido em seu olhar. A notícia de que seu pai estava envolvido com uma mulher casada fez seu estômago revirar por uma série de motivos críticos.

— Como eu poderia recusar quando soube que ele estava escrevendo um livro chamado O Lancelot Du Lac definitivo?

Joe já ouvira tudo aquilo antes. Todos os aspirantes a escritor tentavam escrever um livro definitivo sobre o famoso cavaleiro.

— Cerca de um mês depois de eles terem voltado para os Estados Unidos, Demi me enviou um comunicado dizendo que ao saírem do avião o marido havia morrido subitamente de um coágulo de sangue no cérebro.

O quê?

— Ela me agradeceu por tê-los deixado vir ao château ver a biblioteca. O marido dissera que fora o ponto alto da viagem. Naturalmente, fiquei triste por ela, e mandei flores. Disse que se ela quisesse fazer uma visita ao château, seria bem-vinda.

"Para minha felicidade, ela respondeu há duas semanas e perguntou se poderia vir tirar fotos da floresta. Queria incluir algumas imagens extras no livro que o marido havia escrito."

"Preciso lhe dizer, Joe, se eu pudesse ter uma filha, iria querer uma exatamente como Demi."

Uma filha...

A mente de Joe teve que inverter completamente a linha de pensamento. De repente, certas coisas pareceram claras, como o pai permitindo que ela ficasse no quarto verde. Ele jamais o oferecera a ninguém, nem a Corinne.

— Ela tem a bondade da sua mãe — o pai continuou, alheio ao choque de Joe. — É uma qualidade muito rara.

De fato, tão rara que Joe não vira qualquer evidência dela durante o ardente encontro na cozinha antes de seus instintos primitivos terem assumido o controle para puni-la por algo que não fizera.

De qualquer forma, ele não tinha o direito de ter agido como um bruto.

— Assim que voltar, vai publicá-lo como um tributo especial a ele. Agora que você está em casa, talvez possa mostrar a ela alguns locais importantes que só eu e você conhecemos. Desde que ela chegou, tenho estado doente demais para acompanhá-la.

Joe baixou a cabeça, massageando os músculos tensos na nuca. Levando em consideração a maneira repreensível como tratara a hóspede de seu pai até então, duvidava que ela fosse falar novamente com ele, ainda mais estar disposta a passar algum tempo em sua companhia.

O que diabos o levara a reagir tão violentamente a Demi Fallon? Encontrara várias mulheres mais belas e exóticas em sua vida. Sentiu-se nauseado ao pensar em uma em particular...

A sra. Fallon dissera que recebera permissão para estar na propriedade. Quando ela olhara para ele, pela primeira vez, com aquela expressão assombrada, como se estivesse a quilômetros de distância, por que ele não reconhecera o olhar sofrido? Por que não acreditara nela?

Como poderia explicar seu comportamento na cozinha quando ele próprio não entendia?

De fato, não pensava que o pai se envolveria com uma mulher tão jovem, então, que emoção oculta incitava a crueldade de Joe em relação a uma hóspede inocente? Parecia que ele havia interpretado de maneira totalmente errada o comentário de Henri.

Claramente, ele se tornara tão empedernido com a vida que estava mais desacostumado à sociedade civilizada do que imaginava. Aparentemente, não estava mais capacitado a voltar ao mundo que seu pai habitava. Ele se levantou da cadeira.

— Papa? Tenho coisas a fazer, mas voltarei.

Joe precisava falar com Demi antes que ela fosse para a cama. Era hora de consertar as coisas, se ainda não fosse tarde demais. Algo lhe dizia que se ele não o fizesse ela poderia ir embora do château antes do amanhecer. Ele não queria aquilo em sua consciência.

— Vá em frente, mon fils. Esperarei por você.

— Tente dormir

— Acho que conseguirei, agora que sei que você vai permanecer em casa. Corinne ficará muito feliz quando voltar da viagem e souber que você veio de vez para casa.

Joe baixou o olhar para o pai, doente demais para lidar com qualquer coisa desagradável. Mas, quando melhorasse, a verdade teria que ser dita.

Percy seguiu Joe até a porta apenas. Ele parecia não significar muita coisa para o cachorro. Joe não o culpava por preferir a companhia do pai à sua. A natureza de Joe parecia ter sido inexplicavelmente vil ao ser confrontada com uma provocação inocente.

Depois de ir à própria suíte para pegar a câmera, ele subiu de dois em dois os degraus até o terceiro andar e parou do lado de fora do quarto de Demi, ouvindo. Mesmo se ela estivesse na cama, ele não podia mais deixar que se passasse mais tempo sem tentar consertar o estrago.

Ele bateu na pesada porta com as costas da mão.

— Demi? Sou eu, Joe. Preciso falar com você. Se precisar se vestir primeiro, eu espero.

Ele logo ouviu:

— Se eu decidir não abrir, você irá arrombar a porta?

Ninguém merecia aquele comentário mais do que ele.

— Meu pai se importa muito com você. Vim pedir desculpas.

Depois de um longo silêncio:

— Desculpas aceitas. Aquilo fora fácil demais.

— O suficiente para abrir a porta?

— Com certeza, não é necessário.

Ele cruzou os braços.

— Imagino que você não queira que eu veja a mala que está fazendo. Se sua partida for tão precipitada, meu pai jamais me perdoará. Como já estou na pior, como vocês, americanos, costumam dizer, você não iria querer complicar as coisas para mim, iria?

— "A pior" já seria boa até demais para você.

Os lábios dele se contorceram. Por mais bondade que o pai visse nela, a mulher era espirituosa.

— Está certa. Acho que você não acreditaria que estou sofrendo de síndrome de choque pós-traumático...

— Acredito, mas você exagerou, É mais parecido com seu alter ego do que eu imaginava.

— Quer dizer que um dia eu vou me encontrar com Lancelot no inferno?

— Se a armadura lhe serve...

— Como você sabe se não já estive lá?

— Pensei nisso. Só alguém que já esteve no inferno poderia ter me tratado como você me tratou.

A flecha atingiu o alvo em cheio. A descontração dele desapareceu.

— Não há perdão?

— Não sei. Vou pensar a respeito.

Ele inspirou asperamente.

— Vou deixar sua câmera na frente da porta. Se quiser ficar por mais algum tempo, juro sobre o túmulo da minha mãe que não lhe farei mal.

Depois de um curto silêncio:

— Como sei o quanto seu pai a amou, vou levar isso em consideração.

Ela sabia como dar o golpe de misericórdia. Demi Fallon tinha muitas facetas. Era o tipo mais perigoso de mulher.

— Sinto muito pelo seu marido. Eu não sabia.

— Achei que Lancelot possuísse poderes especiais.

Ele fechou apertadamente os olhos por um momento.

— Cometi muitos atos indevidos e abdiquei da maior parte dos poderes.

— Que coisa triste...

Ela parecia estar falando sério. Foi então que ele percebeu que se expusera demais, e detestava ficar naquela posição.

— Vou embora agora para passar a noite com papa. Não deixe que meu comportamento descortês a impeça de fazê-lo feliz. Se você desaparecer sem explicação, não posso prometer que ele não vá ter uma recaída.

Por mais que ele esperasse que ela relaxasse o suficiente para abrir a porta para que pudesse falar diretamente, tinha a sensação de que aquilo não aconteceria. Ele se comportara como um canalha, e colhia as consequências.

— Dors bien, Demi — a voz dele sussurrou antes dele se virar e voltar rapidamente para o segundo andar.

Perturbado pela lembrança da sensação dela em seus braços quando a beijara, ele percebeu que seria uma longa noite...

*********
Feliz com o sol da manha que atravessava as nuvens e era filtrado pelas copas das árvores, Demi foi até o lado oposto do lago onde estivera lendo na noite anterior.

Talvez tivesse sorte e algum dos animais da floresta, seguindo uma antiga trilha de caça até a beira d'água, aparecesse no local onde ela planejava tirar fotos.

Depois de uma boa noite de sono, o que a surpreendeu, levando-se em consideração seu atormentado estado mental da noite anterior, ela percebeu que a pior coisa que poderia fazer seria fugir. Geoff não entenderia. E como ela não poderia explicar, decidiu superar a ocorrência do dia anterior e se comportar como uma adulta.

Joe provara ser um homem com uma alma marcada. Usando o mais elementar dos métodos, ele criara para si a missão de mostrar a mulher vil e interesseira que pensava que ela fosse.

No que dizia respeito a seu pai, seus instintos protetores eram exagerados. Combinados com sua desconfiança inata das mulheres, ele deveria ter ficado engasgado com aquele pedido de desculpas pelo modo como a tratara. Provavelmente, era a primeira vez que fazia aquilo.

Mas, vindo de uma família com um título de nobreza e uma grande fortuna, ele tinha motivos para alimentar tantas suspeitas, sem dúvida. O que ele levara ao extremo.

Ainda assim, devolvera-lhe a câmera e prometera que ela não teria nada mais a temer dele. Ela acreditara nele.

Quanto à reação dela à virilidade dele, não era culpa de Joe. Era a própria reação incontrolada a ele que Demi temia. Deveria ter imaginado que chegaria o dia do despertar, quando perceberia que estava sozinha novamente, c vulnerável. De alguma forma, não esperara que acontecesse ali, ou que fosse o filho de Geoff a torná-la consciente de sua feminilidade de uma forma que nenhum outro homem jamais fizera.

Richard fora o único homem com quem dormira, e ele não tivera pressa; quisera conhecê-la muito bem antes de se tornarem íntimos.

Atormentada pelos pensamentos que pareciam girar em um redemoinho sem saída, ela procurou uma árvore caída onde pudesse se sentar enquanto esperava que um veado ou algum outro animal surgisse.

Na verdade, estava cansada, apesar de ter dormido bem. Desde que comera um pedaço de omelete, mais cedo, ela se sentia um pouco nauseada. Eram sinal de gravidez, mas aquilo era impossível. Como tinha aqueles sintomas desde antes do contato com Geoff, não acreditava que pudesse ser gripe.

O que mais poderia ser se não o resultado de sua tristeza?

Assim que voltasse aos Estados Unidos precisaria encontrar um trabalho que significasse algo para ela, e seguir em frente. Mas naquele momento a ideia de tomar qualquer decisão parecia inútil para ela.

Demi olhou à volta. Alguns coelhos e esquilos corriam por ali, mas os animais maiores não estavam à vista. Talvez tivessem saído durante a alvorada e estivessem descansando enquanto digeriam o café da manhã.

Uma soneca rápida lhe pareceu uma boa ideia também. Talvez devesse voltar ao château e retornar mais tarde. Quando o pensamento surgiu em sua mente, ela percebeu algo se movendo na água, em sua direção, com a velocidade de um torpedo. Algo comprido e esguio.

Quando ela se levantou de um pulo, alarmada, uma cabeça escura surgiu de um amontoado de lírios. Demi pôs a mão no pescoço. Joe! Enquanto caminhava pela água rasa, ele abriu um radiante sorriso para ela.

— Bom dia — disse aquela voz grave com o forte sotaque francês que ela achava tão sedutor.

Cercado pelos lírios rosa e brancos, ele era a Imagem de uma absurda beleza masculina. Aparecer daquele jeito fez com que ele parecesse parte do encanto do lugar.

— Achei que cruzar o lago nadando seria o melhor jeito de anunciar que estava vindo. Depois de nosso primeiro encontro, a última coisa que eu queria era assustá-la novamente.

Tudo nele fazia com que ela perdesse o chão, mas aquilo era problema dela, não dele,

— Você se movimenta como um animal e nada como um peixe. Se eu o vir voar, terei certeza de que Merlin assombra este bosque.

Os olhos azuis dele se escureceram com alguma emoção que ela não compreendeu.

— Por que não vem comigo? Vou lhe mostrar alguns dos segredos do château que ninguém conhece. Terá que nadar até eles, mas não se preocupe. O lago não é fundo.

O coração dela balançou cora a ideia de ficar sozinha com ele daquele jeito.

— Não tenho roupa de banho.

— Agora, tem. Corinne, a enteada do meu pai, guarda algumas extras para as amigas. — Ele jogou uma pequena sacola plástica que estivera segurando para ela. Ela caiu aos pés de Demi.

Ela se abaixou e a abriu. Dentro havia um biquíni vermelho-cereja. Ela achou estranho que Joe não tivesse se referido a Corinne como a mulher com quem pretendia se casar. Mas como a vida pessoal dele não era da conta dela, não disse nada.

— Há vários lugares por aí onde você pode se trocar. Vá colocá-lo logo. Eu espero — ele disse antes de desaparecer por baixo dos lírios.

Por mais que ele não gostasse, ela percebeu que Joe se esforçava para se demonstrar hospitaleiro. Geoff queria mostrar a ela a propriedade e deveria ter mandado o filho fazê-lo. Seria falta de educação se ela recusasse.

Se dissesse não, aquilo só provaria que ela ainda não o perdoara. Na verdade, considerando sua ultrajante visão das mulheres, ele poderia pensar que ela vira algo além de um castigo naquele beijo raivoso.

Esquecendo sua irritação por ora, ela foi para trás de um pinheiro e trocou de roupa. Mas o biquíni ficou justo. Atraída pela sensação de aventura que o cercava, apesar de seu ar de cinismo, Demi tirou os tênis e os arrumou em uma pilha junto com as outras coisas. Em seguida, caminhou até a beira d'água. Ele acenou para ela de uma curta distância.

Com o coração batendo acelerado, ela entrou na água fria e calma, e foi na direção dele. Depois de algumas braçadas, Demi se recuperou do choque inicial e percebeu que a temperatura era revigorante.

O intenso olhar pedia que ela chegasse mais perto.

— Siga-me — foi tudo o que ele disse antes de nadar até o meio do lago, onde deu um salto mortal para trás, como se fosse um especialista, mergulhando nas profundezas.

Com menos habilidade, Demi o imitou, feliz pelo rabo de cavalo que evitava que o cabelo lhe caísse nos olhos. Assim que chegou até Joe, ele apontou um objeto no fundo do lago. Ela olhou para baixo.

Parcialmente oculto entre as plantas, havia uma espada e um escudo de cavaleiro. Alguns raios do sol iluminavam seus contornos metálicos. Naquele mundo submerso, qualquer coisa parecia possível. Demi queria ficar mais tempo ali e inspecionar os objetos, mas estava fora de forma demais e ficou sem fôlego. Ela começou a se sentir em pânico.

Joe devia ter percebido a preocupação dela, pois a envolveu com um braço e eles subiram rapidamente para a superfície. A subida a deixou um pouco tonta. Dessa vez, ela se agarrou ao poderoso corpo dele para conseguir inspirar.

Diferentemente da última vez, ele não a empurrou para longe, como se tivesse sido ela a tomar a iniciativa.

— Você está bem?

Ela sentiu o tom rouco da voz dele ressoar por todo o seu corpo.

— Sim. Só um pouco sem fôlego. — Os corpos roçavam um no outro em um emaranhado de membros. — De onde vieram aquela espada e aquele escudo?

— Anos atrás, meu pai os colocou lá para surpreender a mim e a meus amigos. Decidimos deixá-los lá.

Ela sorriu.

— Parece o tipo de coisa que Geoff faria. Tem sorte de ter um pai tão maravilhoso.

Depois que ela falou, seus lábios roçaram sem querer na cicatriz ao lado do pescoço dele. A marca começava na base do pescoço e entrava pelos cabelos pretos atrás da orelha dele. O bronzeado de sua pele fazia com que ela sobressaísse em um tom branco-róseo.

— Espero que o homem que lhe fez isso não possa machucar mais ninguém — ela sussurrou, com medo de tocar a cicatriz com os dedos, já que poderia ser sensível.

Ele fechou os olhos.

— E seu lhe dissesse que foi uma mulher? Um soldado do sexo feminino?

A imagem de Joe em um combate mortal contra uma mulher conseguiu deixá-la perturbada de diversas formas. Todos os outros pensamentos lhe abandonaram a mente.

— Parece um ferimento recente. D-dói? — ela gaguejou.

— Não.

— Que bom.

— Acha mesmo? — Havia ceticismo em sua voz.

— Que você não sinta dor? — ela perguntou, exasperada. — Claro!

Envergonhada pela conversa íntima e pela proximidade dos corpos, ela se afastou e começou a boiar sozinha.

Ele se aproximou.

— Depois do modo como a tratei na noite passada, você tem dos os motivos para me desprezar.

— Está certo, mas aquilo foi ontem, e você disse que estava arrependido. Vamos esquecer, certo? Seu pai está muito feliz por você ter voltado. Alguns homens e mulheres não voltam da guerra, ou, se voltam, perderam membros ou...

— Ou outras coisas inomináveis? — ele provocou. — É verdade. — Os olhos dele continuavam a buscar os dela. — Infelizmente, a guerra não é o único lugar onde acontecem perdas. Há quanto tempo era casada?

— Seis anos.

— Ainda é tão jovem...

— Quase 28 anos. Não exatamente a criança que você imaginou que tentava se atirar para o seu pai — ela o lembrou.

Ele a observou à luz frágil.

— Homem nenhum a confundiria com uma criança. Mas, de fato, achei que fosse mais jovem.

— Foi o que percebi.

— Acho que você sabe que conquistou meu pai.

Joe não gostava de medir as palavras. Ele a seguira para o lac por um motivo definitivo.

Demi decidiu ser franca também.

— Imagino que você não esteja feliz com isso.

— Não — ele respondeu em um tom impertinente.

Ao menos ela poderia contar com a honestidade brutal dele.

— Só preciso que me dê até a tarde de amanhã c depois ele será todo seu.

Ele se afastou dela.

— Sabe tão bem quanto eu que ele não quer que você vá embora.

— Geoff tem o filho de volta. É tudo com que se importa.

— Nem tudo — Joe resmungou de forma obscura.

Ela balançou a cabeça para espantar uma abelha que zumbia à sua volta.

— Sei que ele tem grandes planos para você.

Talvez tenha sido uma nuvem bloqueando o sol, mas o rosto dele ficou sombrio.

— Sabia que tem a pele mais suave que já senti?

A mudança inesperada na conversa foi feita de maneira tão honesta e franca que um calor se espalhou pelo corpo dela. Ela começou a nadar para longe dele, mas ele a rodeou preguiçosamente.

— Fui o primeiro homem a beijá-la desde o seu marido, não fui?

O calor da raiva tomou a face dela.

— Não se preocupe. Não quero uma reprise.

Obviamente, ele não acreditou nela, mas o leve traço de provocação na expressão dele foi a gota d'água.

— Nem todas as viúvas recentes estão desesperadas para pular na cama com o primeiro homem disponível. Mesmo quando ele é tão atraente quanto você. Menos ainda quando ele tem toda essa bagagem emocional que você possui, como se fosse um manto negro que o cobre.

Sem hesitar, ela disparou para a margem, onde deixara as roupas. Ele igualou as braçadas dela, mas Demi sabia que ele poderia ter chegado à margem bem antes dela.

Saindo atabalhoadamente da água, ela correu para o pinheiro, ansiosa para se vestir. Os olhos dele e seus comentários pessoais a haviam feito se sentir exposta até a alma. Apesar de Joe não ter feito nada de errado, atingira um ponto fraco. Ela estava ciente demais dele para se sentir confortável, e ele sabia!

Demi jamais conhecera um homem como Joe. Durante toda a sua vida ela só se relacionara com o marido e seus colegas, professores engajados em um meticuloso mundo de lenda e prosa, longe dos mortíferos campos da guerra.

Enquanto o marido passara a vida buscando histórias das aventuras de um famoso cavaleiro em tempos passados, Joe estivera vivendo uma perigosa aventura atrás da outra, no presente.

Como seria a luta mano a mano, ainda mais com alguém do sexo oposto? Demi não conseguia imaginar, mas, ainda assim, Joe retornara do campo de batalha com cicatrizes para provar que sobrevivera às atrocidades graças à pura coragem e à vontade indômita.

Uma vida que poderia ser encerrada a qualquer momento só poderia mesmo fazer um homem mudar. Apesar de admirar o serviço heróico prestado por Joe a seu país, o instinto de autopreservação de Demi lhe dizia para manter distância dele, ainda que fosse filho de Geoff.

Ou exatamente por isso...

Depois de colocar a calça c o top de algodão, ela enfiou a roupa de banho molhada na sacola. Ao pegar a câmera, saiu de seu esconderijo determinada a evitar Joe até que fosse embora para o aeroporto na tarde do dia seguinte. Geoff lhe garantira que um dos empregados a levaria de carro quando estivesse pronta.

Mas a preocupação foi inútil. Ao olhar para o lago ela percebeu que Joe havia desaparecido. Agora que fizera sua boa ação, proporcionando a ela um empolgante momento relacionado ao famoso Lancelot, tinha coisas mais importantes a fazer.

Durante todo o caminho de volta ao château, ela disse a si mesma que estava feliz por ele ter desaparecido. Além de estar cansada, aquilo a poupou de ter que evitar mais discussões sobre sua vulnerabilidade e, ainda por cima, comentários pessoais sobre a pele dela. Aqueles assuntos estavam fora dos limites.

O que ela queria era dormir. Durante aquelas horas, inconsciente, ela estaria livre de certos pensamentos que a atormentavam desde a noite anterior.

2 comentários:

  1. Adorando!!! Esses dois pelo jeito vão pegar fogo juntos!!! Continua..

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  2. Posta logo pelo amor de Deusssssss
    Amo suas historias

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